sexta-feira, agosto 28, 2015

Ao atacar fanatismos dietéticos, Veja publica bobagens

Professor Alan Levinovitz
A revista Veja desta semana publicou uma entrevista com o professor de religião e filosofia na Universidade James Madison Alan Levinovitz, que lança no mês que vem um livro sobre as “mentiras a respeito do glúten”. Levinovitz embarcou na onda denuncista contra o glúten e Veja comprou (ou vendeu espaço...) a ideia, concedendo as amarelas para Levinovitz dar seu recado. A parte em que ele denuncia os que fazem da alimentação uma verdadeira religião até que é aproveitável, mas Levinovitz também falou um monte de leviandades. Convidei o neurologista e nutrólogo Elias Oliveira Lima para comentar a entrevista aqui no blog. Veja o que ele escreveu:

De uma forma geral, o professor Alan apresenta tantos equívocos em sua entrevista que, para abordar todos, eu teria que se reescrevê-la, com os respectivos comentários.  Comentarei alguns pontos apenas, já que ele chamou de “mantra religioso” as orientações do Instituto Nacional do Câncer sobre uso de alimentos orgânicos para prevenir o câncer, denominando-as “ridículas”; estou certo de que os profissionais do INCA responderão com presteza e propriedade essas colocações descabidas.

Ele tropeça logo na primeira resposta, ao afirmar: “A ciência já superou a máxima: você é o que você come.” Que ciência? Fisicamente, não há outro meio de construção do corpo a não ser com o alimento. A relação de causa e efeito da boa e da má alimentação nunca esteve tão patenteada como na atualidade, exatamente por estudos científicos.

Ele mesmo cita, abordando o sentimento de culpa, um estudo que revelou que, entre japoneses, franceses e americanos, estes são os mais “conscientes no que diz respeito à nutrição, os que se sentem mais culpados pelas escolhas alimentares e os que mais sofrem com obesidade e são os menos saudáveis”. Atribuir esses resultados ao sentimento de culpa é distorcer grotescamente o óbvio.

A partir de comportamentos sectaristas de pequenos nichos da população, ele projeta práticas e ideias para setores ou grandes grupos populacionais. Quando diz que conhece gente que “deixa de ir a reuniões familiares por não saber a origem do que será servido”, ou “por medo do açúcar colorido artificialmente”, ele se refere a um comportamento extremista que está restrito a pequenas parcelas da população, mas coloca como padrão dos que “vivem com medo de ser impuros”, que quer dizer “medo de estar doente”.

Ele menciona como objetivo de comer “divertir-se com os amigos, desfrutar cultura e história”. E quem disse que não há diversão com amigos quando a refeição é saborosa e saudável? Haja preconceito e desinformação! A frase “para aproveitar a vida o importante é ser flexível e não ficar impondo regras a si próprio” me lembrou uma psicóloga que frequentava um grupo de estudos em saúde de que eu participava, que dizia pensar diante de um prato da mais gordurosa comida baiana: “Isto aqui vai me fazer muito bem”, e o devorava. Embora estivesse convicta de seu poder mental transformador, ele não foi suficiente para livrá-la de doenças tão destruidoras de sua saúde que a certa altura teve que se retirar da cidade e de seu exercício profissional, indo para o campo para se cuidar de forma radical.

A afirmação de Levinovitz de que “não podemos transformar os alimentos em remédios” abalroa um dos maiores pilares da alimentação de todos os tempos. Foi Hipócrates, o pai da medicina, quem disse na Grécia, cinco séculos antes de Cristo: “Seja o teu alimento o teu remédio.” De lá para cá, educadores e profissionais de saúde, bem como importante parcela dos cientistas têm procurado aprimorar as condições de aproveitamento das melhores qualidades dos alimentos, buscando preencher esse axioma ao máximo, em benefício das novas gerações. Isso é tão verdadeiro e importante que hoje já se formulam os nutracêuticos, remédios criados a partir das vantagens nutricionais dos alimentos.

Levinovitz acha que, “se uma pessoa acredita que sua fé faz bem e proporciona uma vida melhor, é positivo convencer os outros a se juntarem a ela”, mas condena quem “aplica o mesmo entusiasmo religioso à comida e aos exercícios”. Onde está a diferença? Até se poderia dizer o contrário, já que comer de forma frugal e exercitar-se diariamente traz resultados palpáveis e rápidos, enquanto abraçar outros dogmas religiosos é muito mais complexo e intangível, fora o fato de que escolher uma religião é uma decisão de foro muito íntimo.

Finalmente, como professor de religião, ele deveria levar em conta os ensinamentos do apóstolo Paulo que, em sua primeira carta aos Coríntios, menciona: “Quer comais, quer bebais [...], fazei tudo para a glória de Deus”, e “não sabeis que sois templo do Espírito Santo?” O Criador planejou objetivos muito mais nobres e elevados para os alimentos que ingerimos, além da simples diversão.