Uma doutrina bíblica fundamental |
[Neste
mês, ministrei aulas de criacionismo bíblico para duas turmas de pós-graduação
em Teologia, resultado de uma parceria entre Unasp e Casa Publicadora
Brasileira. Prometi aos meus alunos que publicaria aqui no blog os melhores
trabalhos, e estou cumprindo a promessa a partir deste artigo, escrito por Adriana
Teixeira, Alan Paulo da Silva, Fernanda Loiola Barbosa, Priscila Rostirolla e
Ricardo Palmeira. – MB]
Ao
tratar do tema das origens, é importante observar que ciência e religião nem
sempre foram consideradas opostas. Pelo contrário, a fé e o conhecimento
bíblico impulsionaram os primeiros cientistas a estudar o mundo natural como
sendo parte da criação de Deus. Entretanto, com o surgimento do método
científico, muitos estudiosos se afastaram da religião e espalharam a crença de
que a ciência e a fé não podem andar juntas por serem heterogêneas.
Desde
então, dois modelos sobre as origens se opõem: o criacionista e o
evolucionista. Antes, porém, de assumir uma postura ou outra, vale lembrar que
a ciência, por partir de deduções filosóficas, não produz verdade absoluta e
não é dogmática (CANALE, 2014). Ela é uma interpretação e requer a priores científicos, não sendo, portanto,
capaz de gerar provas totalmente corretas, mas apenas resultados tentativos.
Desse
modo, tanto o modelo evolucionista quanto o criacionista dependem,
primariamente, mais da filosofia do que da ciência em si. O que podemos fazer, como criacionistas, é
estudar as evidências científicas que apontam para uma criação com propósito
inteligente, realizada por um Ser sobrenatural, imaterial, atemporal,
localizado fora do espaço, Criador da matéria e das leis naturais que regem o
Universo. Tais indícios podem ser encontrados ao analisar, por exemplo, a
complexidade dos seres vivos e a maneira cuidadosa como são mantidos. Partindo
do pressuposto de que a vida foi criada com propósito por um Deus infinito,
poderoso e pessoal, é que recorremos à Bíblia para conhecer a origem de todas
as coisas.
O
relato bíblico começa com “o princípio”, e nos capítulos 1 e 2 Moisés narra o
início da vida na Terra. Existem algumas discordâncias, entre autores cristãos,
a respeito do “quando” da criação: Teria Deus criado todo o Universo, incluindo
a Terra e a vida, nos seis dias, conforme descrito nas Escrituras? Teria Ele
criado o Universo (outros planetas, galáxias e sistemas) anteriormente e apenas
a Terra (talvez o Sistema Solar) e os seres vivos na semana da criação? Ou teria
Deus criado a Terra na condição “sem forma e vazia” em algum tempo passado e,
durante os seis dias, apenas a vida existente no planeta?
Há
ainda outra corrente que explica as origens, o evolucionismo teísta. Segundo
essa vertente, Deus, como Criador, deu um start
para o início do Universo há milhões e milhões de anos e, a partir disso, a
vida na Terra evoluiu até atingir a condição de vida inteligente tal como
conhecemos hoje.
Davidson
(2015), no livro He spoke and it was,
apresenta suas conclusões quanto às origens após fazer uma análise do discurso
na Bíblia hebraica, considerando aspectos linguísticos e um estudo aprofundado
do texto original (em hebraico) do relato de Gênesis 1 e 2. O autor sustenta
que “uma série de considerações textuais e paralelos intertextuais levam à
interpretação de dois estágios na criação” (p. 50): o primeiro como sendo a
criação tanto do Universo quanto da Terra (no seu estado sem forma e vazio) em
um tempo anterior ao evento (Universo antigo, incluindo a Terra); e o segundo
estágio como sendo a criação da vida na Terra, em seis dias literais,
contíguos, de 24 horas.
Davidson
(2015, p. 51) afirma ainda que as “análises recentes do discurso de Gênesis 1
[...] indicam que a gramática do discurso desses versículos aponta para uma
criação em dois estágios. A história principal não começa antes do versículo 3.
Isso implica uma condição anterior dos ‘céus e Terra’ em seu estado ‘sem forma
e vazio’, antes do início da semana da criação”.
Há
também uma série de “pistas” linguísticas deixadas pelo autor do Gênesis que
evidenciam os seis dias da criação como sendo literais. Segundo Davidson (2011,
p. 5), o gênero literário usado para narrar a criação foi a prosa
histórico-narrativa, que indica a natureza histórico-literal do texto. Outra
evidência linguística que confirma a literalidade do relato é o uso da
expressão “tarde e manhã”, que define claramente os períodos consecutivos de 24
horas. Da mesma forma, a palavra yôm
(dia) está conectada ao numeral cardinal, referindo-se a dias literais.
Complementando
esse raciocínio, Davidson (2011, p. 5) apresenta o mandamento do sábado como
referência para uma criação em seis dias literais baseado em Êxodo 20,
versículo 9: “Seis dias trabalharás...”. Além disso, os autores do Novo
Testamento consideraram a descrição de Gênesis 1 como literal e pautaram seus
escritos nessa crença.
Infelizmente,
há cristãos que dizem acreditar no evolucionismo teísta ou no criacionismo
progressista sem considerar de fato o que isso representa. Negar que a criação
da Terra ocorreu em seis dias literais, contíguos e de 24 horas (HASEL, 2004,
p. 16) é rejeitar as bases centrais e essenciais do cristianismo, o que traz
sérias implicações:
a.
Questiona-se o próprio caráter de Deus: se Ele criou a vida utilizando-Se da
evolução, Ele teria criado também a morte (por meio de mutações e da seleção
natural) e o sofrimento.
b.
Acreditar na evolução exclui o papel fundamental de Jesus como nosso Salvador:
se estamos em contínua evolução, não precisamos de Alguém para nos redimir e
restaurar, pois estaremos naturalmente caminhando para a perfeição.
c.
O sábado não seria para nós, adventistas, um dia especial para guardar e
descansar, pois, negando que os seis dias da criação foram literais, negaríamos
também a importância de um dia de guarda, separado para o contato com o
Criador.
d.
Ao rejeitar a crença de que Deus criou tudo mediante Sua palavra, por que
deveríamos acreditar que Ele seria capaz de fazer qualquer outra coisa por nós?
Isso desvalidaria nossa fé nEle.
e.
Se a criação não foi literal, não haveria razão para crermos na volta de Jesus,
visto que, como Criador, Ele não teria interesse em restaurar Suas criaturas e
levá-las para junto de Si novamente.
f.
O casamento seria uma instituição falida: se Deus não criou Adão e Eva,
pessoalmente e com o propósito específico de estruturar a sociedade em
famílias, o ideal de casamento e família que conhecemos perderia a razão de
existir.
g.
A Bíblia, a Palavra de Deus, entraria em descrédito, pois, se o relato das
origens é mentiroso, como acreditar que o restante dela é verdadeiro? O
cristianismo, juntamente com todo o seu conjunto de crenças, entraria em ruína.
h.
E, finalmente, negar a literalidade da semana da criação é rejeitar a mensagem
de Deus para o tempo do fim e, consequentemente, a salvação.
Mensagem criacionista no Apocalipse |
João,
inspirado pelo Espírito Santo, registrou no livro de Apocalipse as orientações
proféticas para os últimos dias da história deste mundo, destinadas àqueles que
“guardam os mandamentos de Deus e a fé em Jesus” (Ap 14:8, ARA). Diante disso,
os adventistas do sétimo dia são comissionados a apresentar uma mensagem
especial à humanidade: as três mensagens angélicas de Apocalipse 14.
Tal
texto retoma o tema das origens e tem como objetivo preparar as pessoas para a
segunda vinda de Jesus. Deus, em Sua onisciência, sabia que a doutrina da
criação e Sua própria existência seriam questionadas. Ele previa que as pessoas
iriam se apegar a “filosofias vãs e enganosas, que se fundamentam nas tradições
humanas e nos princípios elementares deste mundo, e não em Cristo” (Cl 2:8,
NVI). Por isso, o Senhor orientou Seu servo a escrever o que se encontra em
Apocalipse 14:6-7 (ARA):
“Vi
outro anjo voando pelo meio do céu, tendo um evangelho eterno para pregar aos
que se assentam sobre a terra, e a cada nação, e tribo, e língua, e povo,
dizendo, em grande voz: Temei a Deus e dai-lhe glória, pois é chegada a hora do
Seu juízo; e adorai Aquele que fez o céu, e a terra, e o mar, e as fontes das
águas.”
De
acordo esses versos, o primeiro anjo, de posse do evangelho eterno, anuncia aos
moradores da Terra que é chegada a hora do juízo divino e os conclama a adorar
o Criador de todas as coisas. Segundo
Pfandl (2004, p. 322), o evangelho eterno é a promessa (já cumprida) da vinda
do Messias, que salvou o mundo do pecado e pisou a cabeça da serpente (Gn
3:15).
Ao
aceitar o sacrifício de Cristo, o pecador é justificado pelos méritos do Filho
de Deus. De acordo com Daniel 7-9, o juízo investigativo está ocorrendo desde o
fim da profecia das 2.300 tardes e manhãs, ou seja, desde 1844, e se encerrará
antes da segunda vinda de Jesus. Ao final desse processo, o futuro de todos os
seres humanos estará selado: dos justos para a vida eterna e dos ímpios para a
morte eterna. Apenas o sangue de Cristo é capaz de redimir o pecador que, em si
mesmo, não tem esperança.
Portanto,
crer no relato da criação, tal como descrito nas Escrituras, é reconhecer que
Deus é o Criador e o Mantenedor de todo o Universo. Foi Ele quem fez a natureza
e a dirige, e não o contrário.
Em
Apocalipse 14:8 (ARA), lemos a mensagem do segundo anjo: “Caiu, caiu a grande
Babilônia que tem dado a beber a todas as nações do vinho da fúria da sua
prostituição.” Ao explorar o contexto desse verso, descobrimos que a declaração
original, em Isaías 21:9, diz respeito à queda da Babilônia literal, que
ocorreu no ano de 539 a.C. Na ocasião, Ciro, ao conquistar a cidade, libertou
os judeus e israelitas do cativeiro ali instaurado.
O
povo remanescente que retornou à Terra Prometida começou a reconstruir a cidade
de Jerusalém (PFANDL, 2004, p. 322). O tempo dedicado a essa tarefa, descrita
em Esdras 3 e 4, pode ser comparado à obra que, como adventistas do sétimo dia,
devemos realizar em nossos dias, de restaurar as verdades da lei de Deus
outrora esquecidas. Tomando como referencial o objeto de estudo do presente
artigo, é possível perceber que o alerta da primeira mensagem angélica, para
que as pessoas se voltem para seu Criador e se preparem para o juízo final, é
ratificado pelo segundo anjo.
Finalmente,
em Apocalipse 14:9-12 (ARA), é apresentada a terceira mensagem angélica:
“Se
alguém adora a besta e a sua imagem e recebe a sua marca na fronte ou sobre a
mão, também esse beberá do vinho da cólera de Deus, preparado sem mistura, do
cálice da Sua ira, e será atormentado com fogo e enxofre, diante dos santos
anjos e na presença do Cordeiro. A fumaça do seu tormento sobe pelos séculos
dos séculos, e não têm descanso algum, nem de dia nem de noite, os adoradores
da besta e da sua imagem e quem quer que receba a marca do seu nome. Aqui está
a perseverança dos santos, os que guardam os mandamentos de Deus e a fé em
Jesus.”
A
mensagem do terceiro anjo consiste em uma advertência contra a adoração da
primeira besta ou da sua imagem (Ap 13), por meio da guarda do domingo. Em
outras palavras, a observância desse dia em vez do sábado bíblico concretiza a
aceitação da “marca da besta”. Ao escolher guardar o sábado, a pessoa demonstra
fidelidade a Deus, ao passo que, optando pelo domingo, obedece a uma tradição
humana. Essa é uma decisão crucial, pois o que está em jogo é a vida eterna!
As
mensagens angélicas expostas em Apocalipse 14 em conexão com o relato da criação
confirmam que os seres humanos não são meros acidentes cósmicos, mas sim frutos
de um planejamento feito por Deus, com propósitos definidos. Sem a doutrina da
criação em seis dias, as três mensagens angélicas perdem seu significado.
A
Bíblia, do início ao fim, aponta para um Criador, Alguém que formou Suas
criaturas com a finalidade de viver em perfeita harmonia com Ele. Entretanto,
com a entrada do pecado neste mundo, o plano original de Deus foi interrompido.
Mas o Senhor não nos deixou sem amparo e abandonados a nossa própria sorte. O
plano da redenção fora estabelecido antes mesmo da criação do ser humano!
Apocalipse 14:7 nos alerta que está chegando a hora de nossa redenção (“pois é
chegada a hora do seu juízo”), e a Terra será recriada, restaurada, conforme o
propósito do Criador desde “o princípio”. É hora de exultar e olhar para cima,
porque a nossa redenção se aproxima (Lc 21:28).
Referências:
BORGES,
M. A história da vida: de onde
viemos, para onde vamos. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2011.
CANALE,
F. Criação, evolução e teologia: uma
introdução aos métodos científico e teológico. Engenheiro Coelho: Unaspress,
2014.
DAVIDSON,
R. M. Criação e dilúvio global: relato literal ou alegórico? Revista
Diálogo, Silver Spring, p.
5-8, fev./mar. 2011.
DAVIDSON, R. M. The Genesis
account of origins. In: KLINGBEIL, G. (Ed.). He spoke and it was: divine creation in the Old Testament. Oshawa:
Pacific Press Publishing Association, 2015.
GIBSON,
L. J. As três mensagens angélicas. Disponível
em: .
Acesso em: 8 mar. 2016.
HASEL,
M. G. “No princípio”: a relação inseparável entre protologia e escatologia. In:
TIMM, A. R.; RODOR, A. A.; DORNELES, V. (Ed.). O futuro: a visão adventista dos últimos acontecimentos. Engenheiro
Coelho: Unaspress, 2004. p. 15-26.
PFANDL,
G. A escatologia de Ellen G. White. In: TIMM, A. R.; RODOR, A. A.; DORNELES, V.
(Ed.). O futuro: a visão adventista
dos últimos acontecimentos. Engenheiro Coelho: Unaspress, 2004. p. 311–326.