Se não é dom de Deus, é o quê? |
A
declaração não é sutil; de fato, é a primeira sentença da introdução em “[Energia]
Solar com condensador – uma revisão detalhada”. “A água é um presente de Deus e
desempenha um papel-chave no desenvolvimento de uma economia, e em todo o
bem-estar de uma nação.” O artigo em si contém algumas poucas similaridades com
um artigo de 2010 sobre o mesmo tópico, “Destilação solar ativa – uma revisão
detalhada”, que também apareceu na Revista
de Energias Renováveis e Sustentáveis. Mas a primeira sentença do artigo é
dada de forma ligeiramente diferente: “A água é um presente da natureza, e
desempenha um papel-chave no desenvolvimento de uma economia e, e em todo o
bem-estar de uma nação. No início deste mês, a PlosONE retratou um artigo que citou “o Criador”; nesse caso,
todavia, um autor declarou que a redação resultou de um erro de tradução.
Existem
algumas outras similaridades entre os artigos de 2010 e 2016. Por sinal, veja-se
alguns excertos dos dois resumos – o primeiro, de 2010, segue: “Por todo o
mundo, o acesso à água potável para as pessoas está diminuindo dia a dia. A
maior parte das doenças humanas se deve a fontes de água poluídas ou não
purificadas. Mesmo hoje, nos países desenvolvidos e em desenvolvimento,
encontra-se uma imensa escassez de água por causa de mecanismos não-planejados
e poluição criada por atividades humanas. A purificação da água sem afetar o
ecossistema é a necessidade do momento.”
E
a versão de 2016: “O acesso à água potável às pessoas está diminuindo dia a dia
por todo o mundo. A maior parte das doenças humanas são causadas por fontes de
água poluídas ou não-purificadas. Purificação da água sem afetar o ecossistema
é a necessidade do momento.”
Para
ser justo, o artigo de 2016 cita a versão de 2010 na lista de referências – a
despeito de que a referência aparece no fim da introdução, não onde as
similaridades textuais aparecem primeiro. O artigo de 2010 foi citado 70 vezes,
de acordo com o [índice] Thomson Reuters Web of Science; o artigo de 2016 não
tinha sido ainda indexado.
A
linguagem do [artigo] de 2016 recebeu uma forte reação no Twiter: “É preciso
alguma audácia ao fazer plágio de um artigo – no mesmo periódico – e também ao
jogar uma referência a Deus!”
Nós
contatamos um representante da Elsevier, que publica a revista, o qual nos disse:
“Há apenas uma referência a ‘Deus’ na primeira sentença da Introdução, onde diz
‘a água é um dom de Deus’ – isso parece ser uma referência ampla, talvez
similar à referência ‘a água é um dom da natureza’, na primeira linha da
introdução do artigo de 2010. Então, não pensamos que o artigo de 2016 seja um
artigo criacionista, pois o resto do artigo fala sobre a ciência da destilação
solar, etc. Nós também estamos pesquisando o artigo de 2016 por duplicação, mas
essa é outra história.”
(Retraction Watch; tradução:
Alexsander D. da Silva)
Nota:
Deixando de lado o assunto do plágio (que deve mesmo ser condenado), mais uma
vez chama a atenção a celeuma criada pelo simples fato de o artigo mencionar
Deus. Quando se escreve que a “natureza é sábia” ou que a água é um “dom da
natureza”, tudo bem, ainda que se atribuam, com isso, características quase
divinas à natureza, numa espécie de adoração pagã repaginada. Se a água não é
um dom de Deus, o que é, então? Fruto do acaso? Dois gases que se uniram casualmente
para formar um líquido singular e vital (confira)? [MB]