sexta-feira, setembro 09, 2016

Ciência não é pesquisa comum

Distinção mais do que necessária
O conceito de ciência usado atualmente é de origem humanista e não reflete de forma alguma os métodos que se têm demonstrado mais eficientes para investigar a natureza. Existem paradigmas na academia, não na ciência. Ciência não é um protocolo, não é uma visão de mundo, não é pesquisa, não são resultados, não é uma comunidade acadêmica, não é opinião nem interpretação de pesquisadores. Também não consiste em dados. Todas essas coisas existem e é importante levá-las em conta, mas nada disso é ciência, a rigor. Não se faz ciência. Faz-se pesquisa. A ciência não muda com o tempo. O que muda são os paradigmas, o conhecimento e até os métodos de trabalho, mas nem isso é ciência. Áreas do conhecimento não são ciência. Física, Química, Biologia, Geologia não são ciências. São apenas áreas do conhecimento. Ciência não deve ser confundida com naturalismo, ainda que metodológico. Ciência é um conjunto infinito de métodos matemáticos, a maioria dos quais ainda desconhecidos da humanidade, que, quando usados de maneira coerente com eles próprios, causam um pico de eficiência no estudo de tal magnitude que permite rapidamente ultrapassar os limites da intuição e das filosofias humanas.

Pode-se usar ciência para estudar qualquer assunto, até mesmo a Bíblia. Aliás, isso seria altamente recomendável, pois as regras da exegese fazem parte da ciência quando expressas em uma forma que explicite sua essência. A ciência fornece maneiras de aproveitar ao máximo qualquer fonte de informação.                        

Muitas vezes confundem-se modelos com interpretações de modelos. Darwin não tinha formação para fazer modelos ou teorias científicas. O que ele fez foi uma interpretação de dados sob uma ótica que gerou um framework que inspira pesquisadores até hoje. Mas o que ele propôs não se encaixa nos critérios mínimos de uma teoria científica.

Um dos princípios que temos usado nos últimos séculos com relação a teorias realmente científicas é o da correspondência. As teorias realmente científicas são tão confiáveis que novas teorias são julgadas (entre outras coisas) pelo seguinte critério: se contradisserem as antigas nos seus domínios de validade, então as novas estão erradas. Por exemplo, a mecânica quântica precisa ser capaz de reproduzir a teoria de Newton. A relatividade precisa ser capaz de reproduzir a teoria de Newton. A teoria das cordas precisa ser capaz de reproduzir a relatividade geral, e assim por diante.

Obviamente, isso não se aplica a qualquer especulação ou tentativa de entender a realidade. Mas são muitas coisas desse tipo que distinguem a verdadeira ciência da pesquisa comum.                        

Uma teoria científica possui a seguinte estrutura: um conjunto de leis (postulados) expressos em linguagem que permita o raciocínio formal; suas consequências, isto é, teoremas demonstrados matematicamente. As leis consistem em regularidades observadas na natureza, e servem como fundamentos para teorias científicas. A exatidão da expressão dessas leis bem como a seleção do conjunto de leis determina os domínios da teoria. É a forma mais profunda e exata de conhecimento possível. Uma teoria científica é muito mais do que uma simples lei. A expressão “apenas uma teoria científica” faz pouco sentido.

A mente humana tende a generalizar coisas indevidamente e a ser tendenciosa. O raciocínio formal é uma das salvaguardas contra isso. Nos ajuda a expressar de forma eficiente as regularidades observadas e a deduzir suas consequências usando explicitamente as regras dessas regularidades passo a passo, deixando o mínimo espaço possível (nada, se o processo for bem feito) para especulações dos pesquisadores.

O surpreendente é que esse procedimento leva não só a mais objetividade, mas consegue demonstrar a existência e os detalhes finos de fenômenos novos, nunca imaginados por alguém, os quais podem ser confirmados observacionalmente mais tarde.

As principais descobertas na Física têm ocorrido dessa maneira. Matemática primeiro, testes para ver se aquilo existe depois. Assim foi com fenômenos quânticos, antimatéria, quarks, carga de cor, buracos negros, buracos de verme, e muitas outras coisas.

Frequentemente, essas previsões são contrárias às crenças dos próprios pesquisadores que descobriram as teorias. Einstein não acreditava que o Universo teve um início, mesmo depois que outros pesquisadores provaram que isso decorria da equação da relatividade geral, que o próprio Einstein descobriu. Isso mostra o quão independente de paradigmas são as teorias realmente científicas. Mas isso é impossível com teorias filosóficas ou paradigmas.

É claro que existem também modelos especulativos, tentativas de modelar a realidade, e isso faz parte do processo de descobrir novas teorias científicas. Mas é importante colocar cada uma dessas coisas no seu devido lugar.

(Eduardo Lütz é físico e engenheiro de software)