sábado, março 18, 2017

Criacionismo em aulas de ciências: a polêmica continua

O assunto tem muitas implicações
Todos os anos, quando Angela Garlington aborda a origem da Terra em sua aula de ciências no ensino médio de um colégio público do Texas, menciona, entre outras teorias, a do criacionismo, segundo a qual toda a vida no nosso planeta foi criada por Deus. “Eu digo simplesmente aos meus alunos que, como jovens adultos educados, eles têm direito a escolher em que acreditam”, explica essa professora de Odessa, uma cidade cuja economia gira em torno do petróleo. Essa postura, teoricamente, poderia implicá-la em ações judiciais. Mas os parlamentares do Texas estão analisando, justamente, um projeto de lei apresentado em fevereiro que protegeria os professores, como Garlington, que questionem as teorias científicas consideradas “polêmicas”. Texas é um dois oito estados dos Estados Unidos (em um total de 50) onde essas leis foram apresentadas desde o começo do ano, junto com Alabama, Arkansas, Dakota do Sul, Flórida, Indiana, Iowa e Oklahoma.

O debate está presente há décadas nos Estados Unidos: a religião deve entrar nas aulas de ciências? Segundo uma pesquisa do Gallup de 2014, mais de um em cada três americanos (42%) acredita na teoria do criacionismo, segundo a qual Deus criou os humanos em sua forma atual há cerca de 10.000 anos.

A batalha entre a teoria da evolução e a do criacionismo é particularmente forte no sudoeste conservador do Texas. Em um colégio da pequena cidade de Stanton, dedicada ao cultivo de algodão, a 45 minutos de Odessa, Kimberly Villanueva quer equilibrar a balança. “Tive alunos no ano passado que se levantaram e saíram da sala de aula quando falamos sobre a tectônica e a evolução”, contou a professora, lembrando que lhe perguntaram: “Mas você não acredita em Deus?”

Segundo a legislação atual, Villanueva não está autorizada a responder essa pergunta ou a defender sua posição. Mas, se o projeto de lei apresentado no Texas for aprovado, ela acredita que finalmente poderá dar continuidade a essa conversa e talvez conseguir “abrir também essas mentes para as possibilidades científicas”.

Muitas batalhas judiciais marcaram décadas de luta em torno ao ensino do criacionismo nas escolas americanas. Com a nova legislação proposta, explicam seus defensores, as disputas jurídicas seriam evitadas, porque os professores teriam a opção de mencionar teorias religiosas nas aulas de ciências, embora sem estar obrigados a isso.

Mas os que se opõem a essas iniciativas, tanto no Texas quanto em outros lugares, acreditam que o que elas buscam é eliminar a separação entre a Igreja e o Estado, consagrada na Constituição dos Estados Unidos. “Desde 2004, quando a primeira dessas leis apareceu no Alabama, tivemos cerca de 70 em todo o país”, disse Glenn Branch, diretor adjunto do Centro Nacional para a Educação Científica, organização contrária à introdução da religião nas aulas de ciências.

Luisiana aprovou uma legislação assim em 2008, e Tennessee em 2012. No entanto, nos estados conservadores de Dakota do Sul e Iowa, os parlamentares bloquearam neste ano outras iniciativas similares.

Através de cartas e contatos com os legisladores, pessoas como David Evans, diretor-executivo da Associação Nacional de Professores de Ciências dos Estados Unidos, foram essenciais para que essa iniciativa fosse descartada em Dakota do Sul. “Somos defensores fervorosos do ensino das ciências nas aulas de ciências e somos profundamente contra o ensino de qualquer outra coisa nas aulas de ciências”, afirma.

Angela Garlington assegura que nunca teve problemas por ter misturado ciência e religião nas suas aulas no Texas. “Não sei se meus colegas abordam os diferentes pontos de vista sobre um tema polêmico, mas eu sempre fiz isso e sem dúvida continuarei fazendo”, aponta.


Nota: Antes de mais nada, é preciso dizer que os criacionistas organizados no Brasil são contra o ensino desse modelo em aulas de ciências (clique aqui e saiba por quê). Mas também é preciso pontuar algumas coisas em relação à matéria acima: (1) Ensinar criacionismo não precisa ser, necessariamente, ensinar religião, até porque há mais de uma religião que defende e criacionismo (cristãos bíblicos e muçulmanos, por exemplo), e não é preciso se ater aos aspectos religiosos do modelo. Ensinar criacionismo poderia ser uma forma de mostrar aos alunos que o evolucionismo pode ser desafiado à altura e que existem insuficiências epistêmicas na teoria da evolução. Os alunos deveriam ter o direito de saber disso. Ensinar criacionismo poderia ser uma forma de mostrar que a ideia de um Criador não se trata apenas de “religião”, mas que existem, sim, evidências de um design inteligente na natureza. Enfim, ensinar criacionismo poderia ser uma forma de abordar o contraditório e dar aos alunos a oportunidade de conhecer um modelo alternativo e fazer escolhas, afinal, a verdadeira educação consiste em ensinar a pensar e julgar, não em passar conteúdo do caderno do professor para os cadernos dos alunos – às vezes sem passar pela cabeça de nenhum deles. (2) O texto acima informa que um terço dos norte-americanos crê que Deus criou o ser humano em sua forma atual. Falso. Deus criou o ser humano perfeito e, por causa do pecado, a humanidade – e toda a vida na Terra – está “involuindo”, degenerando. E isso não é difícil de provar cientificamente. (3) Criacionistas aceitam alguns aspectos da teoria da evolução, como a seleção natural, por exemplo. E seria importante mostrar isso aos alunos. (4) Religiosos como os adventistas do sétimo dia defendem a separação entre a igreja e o Estado, pois entendem que a união dessas duas instituições trará grandes problemas para as religiões “periféricas” e para a liberdade religiosa. O eventual ensino do criacionismo não deveria ser associado ou atrelado a essa bandeira que atende aos interesses de uma ala política norte-americana. (5) Enfim, esse é um tema que envolve muitas discussões, inverdades, distorções e interesses. Por isso, por enquanto, o melhor a fazer é seguir a orientação da Sociedade Criacionista Brasileira. [MB]