terça-feira, abril 25, 2017

O argumento ontológico (parte 1)

Vamos a mais um argumento estudado na filosofia da religião a fim de dar evidências da existência de Deus. Só relembrando algo que escrevi no post sobre o argumento cosmológico: você terá muita dificuldade em encontrar um filósofo da religião (monoteísta) que creia que um argumento sozinho sirva como evidência suficiente. Existem, de forma bem generalizada, dois grandes grupos: aqueles que acreditam que nenhuma evidência funcione (esses não são apenas ateus; muitos teístas apoiam essa ideia) e aqueles que acreditam que apenas todos os argumentos juntos conseguem formar uma defesa cumulativa para a existência justificada em Deus.

Os argumentos ontológicos são fascinantes, pois são argumentos que dizem ter premissas elaboradas da razão apenas, sem ajuda de qualquer informação do mundo “lá fora”. Diferente, por exemplo, do argumento cosmológico, que observa que tudo o que existe tem um início, o ontológico não precisa de “fatos do mundo” para funcionar. Isso se conhece na filosofia como premissas a priori, ou seja, que vêm antes do nosso contato com o mundo (a posteriori).

Eu vou dividir o argumento ontológico em dois posts porque quero falar para vocês dos argumentos elaborados na era moderna e na era contemporânea. Vamos começar do começo.

O argumento ontológico mais famoso veio de um filósofo cabeção chamado Anselmo, do 11o século. O início da sua obra Proslogion é uma oração em que ele clama a Deus por uma prova racional para a Sua existência. É aí que ele recebe a grande epifania, que podemos resumir em um silogismo mais ou menos semelhante a este:

1. Nós concebemos Deus como um ser sobre o qual nada de melhor poderia ser concebido.
2. Esse ser sobre o qual nada de melhor poderia ser concebido existe apenas na mente ou tanto na mente quanto na realidade. 
3. Vamos presumir que esse ser só possa ser concebido na mente.
     a) Existir tanto na mente quanto na realidade é melhor do que existir apenas na mente.
     b) Esse ser, existindo apenas na mente, também pode ser concebido como existindo na realidade.
     c) Esse ser existindo apenas na mente, então, não é o ser sobre o qual nada de melhor poderia ser concebido.
4. Portanto, esse ser sobre o qual nada de melhor poderia ser concebido existe tanto na realidade quanto na mente.

Parece complexo, né? Enfim, a ideia básica é: O que é melhor, existir só na mente ou existir na realidade e na mente? Existir na realidade e na mente! Se Deus é o ser que podemos conceber como o mais perfeito possível, então Ele existe na realidade.

O argumento de Anselmo foi quase que imediatamente criticado por seu colega de profissão, Gaunilo. Gaunilo disse que ele conseguia conceber uma ilha sobre a qual nada de melhor poderia ser concebido. É muito provável, porém, que essa ilha não exista. E daí, Anselmo? Anselmo respondeu que não existia contradição em dizer que a ilha perfeita não existia, mas existe contradição quando dizemos que Deus não existe, se entendemos Deus como sendo o ser mais perfeito do universo. 

O próximo a tentar elaborar algo parecido foi René Descartes, na quinta meditação, na qual ele diz ter um argumento para a existência de Deus partindo da ideia de que Deus é um ser supremamente perfeito. Um ser supremamente perfeito não poderia falhar em existir, portanto Deus existe!

Gottfried Leibniz, no século 18, não achou o argumento de Descartes completo, pois ele teria que ter provado que é possível existir um ser perfeito, ou que pelo menos a ideia de um ser perfeito é coerente. Leibniz argumentou que perfeições não podem ser analisadas, então é impossível demonstrar que perfeições são incompatíveis. Assim, ele concluiu que todas as perfeições podem existir em um único ser. 

Immanuel Kant, no século 19, trouxe uma avassaladora crítica ao pobre Anselmo e seu argumento: existência não é um atributo, portanto, ela não pode ser usada para provar perfeição, muito menos Deus.

Será que os filósofos pararam por aí, deixando a crítica de Kant vencer o dia? Jamais! Filósofos (muito menos os teístas) não desistem tão rápido.

No próximo post veremos quais foram as reformulações que aparentemente fugiram do problema de Kant.

(Marina Garner Assis, Filosofia da Religião)