quinta-feira, maio 25, 2017

Criacionismo e evolucionismo: assunto para crianças?

[Tive a alegria de orientar o trabalho de conclusão de pós-graduação da minha colega editora Anne Lizie Hirle. Pela relevância do assunto pesquisado, pedi que ela escrevesse o pequeno artigo a seguir, pois ele tem potencial de suscitar reflexões por parte dos pais e dos educadores. – MB.]

Quantas vezes você já disse frases como: “Isso não é coisa para criança”, “Explico quando você crescer”? Essas “explicações” são frequentes no diálogo entre adultos e crianças. Isso porque, nas mãos do adulto, está o filtro que separa os assuntos que devem ou não ser conversados com os menores. Na maioria das vezes, o que determina o veto é a ideia de que certos temas são inadequados ou complexos demais para a mentalidade infantil. Os adultos têm razão nesse sentido? Pesquisas mostram que é equivocada a ideia de que as crianças não têm capacidade para compreender determinados assuntos. O que se afirma é que a criança já conta com recursos cognitivos variados, como observação, formulação e teste de hipóteses, e processos de generalização e abstração.

Obviamente, entender que a criança é capaz de assimilar determinados conceitos não significa que ela esteja apta para lidar com todo tipo de assunto. É preciso ter bom senso. O que deve ser repensando, entretanto, é a ideia de que temas mais complexos serão sempre incompreendidos pelos menores. Diante disso, o que dizer de assuntos científicos, como as teorias de origem da vida? A partir de qual idade é possível explicá-las para as crianças?

Diversos psicólogos e estudiosos já se detiveram a estudar a problemática do desenvolvimento mental infantil. Vigostki, por exemplo, cita o conceito de prazos ótimos de aprendizagem, que seria o período mais adequado para determinado tipo de aquisição. Esse conceito remete ainda à zona de desenvolvimento proximal (ZDP), definida como um período em que os processos estão em fase de maturação na mente da criança. Assim, a fase mais adequada para o progresso de uma função psicológica seria aquela em que essa função se encontra em processo de maturação. Esses conceitos são importantes para compreender que a criança precisa estar preparada para assimilar determinados assuntos.

Seguindo as teorias que dividem o desenvolvimento infantil em fases, formulou-se uma pesquisa comparativa entre duas etapas específicas do progresso cognitivo infantil: antes e depois dos sete anos. Essa idade não foi escolhida aleatoriamente. Tomei como base duas fontes teóricas: a crise dos sete anos, de Vigotski, e os estágios do desenvolvimento intelectual, apresentados por Piaget.

Durante o período de pesquisa, 200 crianças entre 4 e 11 anos foram entrevistadas. A entrevista consistia em quatro perguntas sobre a origem da vida: (1) Você sabe como o mundo foi criado/surgiu? Onde você aprendeu isso?; (2) E o ser humano (as pessoas), você sabe de onde ele veio?; (3) Você já ouviu a palavra “evolucionismo/evolução”? Sabe o que significa?; (4) E “criacionismo/criação”? Sabe o que é?

A análise dos dados coletados mostrou indícios do crescimento cognitivo infantil entre as crianças de 7 a 9 anos, já que elas apresentaram um pequeno avanço na compreensão dos assuntos relacionados à origem da vida. As crianças dessa faixa etária demonstraram mais conhecimento em alguns aspectos, quando comparadas com o grupo de 4 a 6 anos. Por exemplo, ao serem questionadas sobre as palavras “evolução” e “criação”, foram capazes de arriscar palpites, como dizer “evolução é algo que evolui”; “criação é quando alguém cria alguma coisa”. Ao contrário, as crianças menores ficavam confusas, e ainda que muitas tenham arriscado respostas, era nítida a diferença das explicações fornecidas pelo outro grupo.

É importante destacar que, entre as crianças de 4 a 6 anos, nenhuma forneceu resposta adequada sobre as teorias evolucionista e criacionista, enquanto entre o grupo de 7 a 9 anos o número começou a crescer (5% souberam responder sobre a evolução, e 18% sobre a criação). Cabe salientar que o fato de algumas crianças entre 7 e 9 anos terem sido capazes de responder corretamente aos questionamentos propostos sem que estes tenham sido ensinados a elas na escola (já que esse conteúdo é ministrado apenas a partir dos 10 ou 11 anos) mostra que houve um ensinamento anterior. Para essas crianças, o ensino escolar veio para se somar a um aprendizado inicial. Nesse contexto, fica claro que a realidade social em que a criança está inserida justifica o fato de crianças da mesma idade estarem em diferentes estágios do desenvolvimento mental.

Assim, os dados coletados e analisados confirmam as ideias defendidas pelas teorias referentes ao desenvolvimento cognitivo entre as crianças a partir de 7 anos. Mesmo que o índice mais significativo tenha sido entre as crianças de 10 e 11 anos, foi possível perceber que algumas crianças antes dessa faixa etária já se mostravam aptas para entrar em contato com tais conceitos científicos. Os resultados da pesquisa mostram a importante tarefa que está nas mãos dos adultos: fornecer conhecimento adequado para as crianças a fim de que elas se desenvolvam mentalmente e conheçam suas origens. Essa educação não pode ser negligenciada, pois é nos primeiros anos que o caráter se forma. “Nunca será demais acentuar a importância da educação ministrada à criança em seus primeiros anos. As lições que a criança aprende durante os primeiros sete anos de vida têm mais que ver com a formação do seu caráter que tudo que ela aprenda em anos posteriores” (Ellen G. White, Orientação da Criança, p. 119).

(Anne Lizie Hirle é editora associada da revista Nosso Amiguinho e pós-graduanda em Teologia e Estudos Adventistas)

Referências:
ARCE, A.; SILVA, D. A. S. M; VAROTTO, M. (Orgs.). Ensinando Ciências na educação infantil. Campinas: Alínea, 2011.
COLINVAUX, Dominique. Ciências e Crianças: delineando caminhos de uma iniciação às ciências para crianças pequenas. Contrapontos, Itajaí, v. 4, n. 1, 2004.
VIGOTSKI, L. S. A crise dos sete anos. Traduzido de: VIGOTSKI, L. S. La crisis de los siete años. Obras escogidas. Tomo IV. Madrid: Visor y A. Machado Libros, 2006. p. 377386.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. S. Paulo: Martins Fontes, 1991.
WHITE, Ellen G. Orientação da Criança. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2014.