terça-feira, agosto 22, 2017

A ciência e a Bíblia são sexistas?

A revista Veja da semana passada publicou uma entrevista interessante com a jornalista inglesa especializada em ciência Angela Saini, aproveitando como “gancho” o lançamento do livro dela, Inferior: How Science Got Women Wrong (Inferior: Como a ciência se enganou com as mulheres, em tradução livre). Saini afirma que a ciência nasceu dentro de um contexto cultural em que a mulher era vista de forma diferente do homem, em uma sociedade sexista que fragilizava e inferiorizava o feminino. “Então, não é surpreendente que a ciência tenha seguido o mesmo caminho, reproduzindo estereótipos e baseando seus estudos em suposições herdadas da sociedade”, diz ela, deixando claro que, a despeito de sua especialização, não compreende o que é ciência. Mas tem mais: Saini também não compreende a religião bíblica.

Quando lhe foi perguntado se a forma como a religião retrata a mulher influenciou a ciência supostamente sexista, ela respondeu que sim, e definiu a religião que, para ela, é machista: “Adão e Eva foram a fonte primária de informação sobre a relação entre homem e mulher para o mundo cristão.” Para ela, a história do primeiro casal reforçaria o estereótipo da mulher como segundo elemento. Mas de onde ela tirou essa ideia? Escolher o relato da criação foi um tiro no pé em seu discurso feminista. Se ela ainda tivesse usado passagens bíblicas pós-pecado que refletem a ascensão diabólica do machismo e a subjugação da mulher por homens pecadores, ainda daria para compreender (deixando de lado o fato de que quando a Bíblia descreve aspectos culturais reprováveis não significa que Deus os esteja aprovando).

No relato bíblico da criação fica evidente que a mulher – a obra-prima de Deus, o último ser criado em uma ordem crescente de relevância e complexidade – é tão importante quanto o homem, embora ambos tivessem (e ainda têm) funções diferentes. O fato de ser usada no relato a palavra “ajudadora” ou “adjutora idônea” não diminui em nada a esposa de Adão. Na verdade, a expressão original hebraica ezer kenegdo também é aplicada a Deus como nosso ajudador. Isso significa que o Senhor é inferior a nós? Claro que não!

Infelizmente, Saini parece entender pouco de Bíblia e menos ainda de ciência. Como é muito comum, ela confunde ciência com filosofia ou paradigmas, e pensa que as afirmações dos cientistas equivalem à ciência. Esta é uma confusão recorrente: atribui-se à ciência coisas que os cientistas dizem. A ciência não diz nada. Ciência é uma caixa de ferramentas que usamos para compreender o mundo que nos rodeia. Ciência não é uma invenção humana. Não foi inventada. Foi descoberta.

A própria Saini dá um exemplo interessante na entrevista, que ajuda a compreender a diferença entre ciência e paradigma filosófico. Ela conta que em 2013 um grupo de cientistas da Universidade McMaster publicou um artigo sobre a origem da menopausa no qual afirmam que a mulher deixa de menstruar na meia-idade porque os homens não mais as consideram atraentes, sendo, então, a menopausa um efeito evolutivo da falta de atração masculina por mulheres mais velhas. Para rebater essa pesquisa, a jornalista cita o trabalho de outro evolucionista, o biólogo George Williams. Para ele, a menopausa surgiu em nossa espécie como um mecanismo para proteger as mulheres mais velhas dos riscos do parto. O que há de ciência nessas afirmações? Praticamente nada. São meras opiniões evolucionistas que mostram uma casa dividida.

Para ser justo, Saini acerta no alvo em um ponto: quando afirma que Charles Darwin foi o cientista que causou mais dano para a percepção dos cientistas em relação à mulher. Isso porque o naturalista inglês afirmou categoricamente sem base alguma que a mulher seria naturalmente inferior ao homem, sustentando que as mulheres estavam atrás dos homens na escala evolutiva. Por não fazer ciência de verdade, Darwin deixou de considerar o contexto social de seu tempo, que impedia as mulheres de terem acesso à educação, à informação, à possibilidade de participar das descobertas científicas da época, etc. “O poder [das ideias de Darwin] e seu status fizeram com que suas teses embasassem muitos trabalhos de cientistas nos séculos seguintes”, diz Saini, sem perceber que, na verdade, está reconhecendo que o darwinismo contaminou muitas áreas do saber, influenciando filosoficamente inúmeras pesquisas e trabalhos.

Ao responder à última pergunta da entrevista, Saini diz que “o que feminismo está fazendo com a ciência é melhorá-la, confrontá-la. O feminismo tem ajudado a questionar estereótipos que são, justamente, irracionalidades que faziam parte da ciência”. Errado, pois, como eu já disse, a ciência não é machista nem feminista. Machistas ou feministas são os cientistas. Assim como Deus e a Bíblia não são machistas nem feministas. Machistas e feministas são as pessoas e as culturas retratadas na história bíblica.

Esses são os verdadeiros estereótipos que precisam ser derrubados. Mas não serão graças ao feminismo radical ou a qualquer outro ismo. Serão derrubados pela verdadeira religião e pela verdadeira ciência – quando as pessoas estiverem dispostas a compreendê-las.

Michelson Borges