sexta-feira, agosto 11, 2017

Lagarto brasileiro evoluiu em apenas 15 anos ou apenas se adaptou?

A evolução não precisa demorar milhões de anos para acontecer. E um dos exemplos mais extraordinários de que a chamada “evolução rápida” é possível vem de um réptil brasileiro. Uma espécie de lagarto no Brasil desenvolveu uma cabeça maior em apenas 15 anos - muito pouco tempo em termos evolutivos -, segundo um novo estudo publicado na PNAS, a revista da Academia de Ciências dos Estados Unidos. E ainda que se conheçam outros exemplos de evolução rápida, o caso do lagarto é excepcional, porque mostra o impacto da atividade humana na transformação das espécies. Em 1996, a criação da Usina Hidrelétrica Serra da Mesa inundou uma área de cerrado na cidade de Minacu, em Goiás. A inundação criou cerca de 300 pequenas ilhas nas partes mais altas do terreno. Muitas espécies de lagartos desapareceram delas, provavelmente porque não havia comida suficiente para suas necessidades energéticas. Mas uma espécie de lagarto menor, Gymnodactylus amarali, que se alimenta de insetos, continuou presente em algumas das ilhas. Os cupins maiores, antes consumidos apenas por répteis grandes, agora passaram a ficar “disponíveis” para esses animais menores.

Só que havia um grande problema. A cabeça pequena dos lagartos, de apenas um centímetro de largura, eram quase do mesmo tamanho dos cupins. Para eles, comer esses insetos era um desafio tão grande quanto um gato comer um esquilo. Para determinar se os lagartos realmente haviam evoluído, alguns animais foram capturados em cinco das ilhas que surgiram no meio da represa da hidrelétrica pela equipe da bióloga brasileira Mariana Eloy de Amorim, da Universidade de Brasília (UnB). Em seguida, foram comparados com lagartos que viviam em cinco áreas em volta da represa - zonas que não estavam isoladas. Os pesquisadores mediram o tamanho da cabeça dos lagartos e, depois de sacrificá-los, abriram seus estômagos para ver o que haviam comido. Os resultados foram surpreendentes. Apesar de apenas 15 anos terem se passado desde a criação da represa, os lagartos que viviam nas ilhas tinham cabeças 4% maiores que seus vizinhos.

Esses 4% podem não parecer uma mudança significativa, mas foram suficientes para que os lagartos agora pudessem consumir os cupins. Mas por que o corpo todo não cresceu? O motivo é que corpos maiores demandam mais energia para se manter. Assim, esses répteis perderiam a vantagem potencial de ter mais alimento disponível se tivessem que consumir mais comida, explicou Janet Hoole, professora de biologia da Keele University, na Inglaterra.

Uma das coisas mais interessantes é que os lagartos de todas as cinco ilhas estudadas desenvolveram cabeças maiores, ainda que estivessem isolados uns dos outros. Para Hoole, “isso sugere que aumentar o tamanho da cabeça, sem crescer o tamanho do corpo, é a forma mais eficiente de aproveitar a oportunidade de uma dieta mais variada que a usual para essa espécie”.

Outros casos de evolução rápida são as aves fringilídeos das Ilhas Galápagos, que Charles Darwin estudou para formular a teoria da evolução das espécies, afirmou Hoole em uma coluna para o site acadêmico The Conversation. Uma espécie de fringilídeo de Darwin (nome que inclui 15 espécies) reduziu o tamanho médio de seu bico em apenas 22 anos, depois que um competidor com um bico maior colonizou sua ilha, de acordo com um estudo de 2006 dos pesquisadores Peter e Rosemary Grant. O competidor comia as sementes maiores com cascas duras. Assim, ter um bico grande sem poder competir era uma desvantagem. Por isso, os fringilídeos com bicos menores começaram a prosperar. “É um princípio da biologia: se não precisa de uma estrutura particular, então não vale a pena mantê-la, e é melhor economizar essa energia”, assinalou Hoole.

Outro caso de evolução rápida apontado por Hoole é o que ocorreu com uma espécie de lagartixa na Flórida, a anolis verde (Anolis carolinensis), com a chegada de outra espécie muito maior, o anolis marrom cubana. O anolis verde rapidamente se retirou para viver nas copas das árvores e, em um período de 20 gerações, desenvolveu patas maiores e com maior capacidade de se aderir em uma superfície, características úteis para a vida nas plantas.

A evolução rápida também foi constatada nas ovelhas da raça soay. A raça é nativa da ilha de Soay, no arquipélago de St. Kilda, na Escócia. Em um período de 25 anos, o tamanho dos animais diminuiu. Uma das possíveis explicações é que os invernos menos frios devido ao aquecimento global permitiram a sobrevivência de cordeiros menores, o que diminuiu o tamanho médio de toda a população desse animal.

Os três casos acima, no entanto, não foram acompanhados de estudos genéticos. E esses estudos são necessários, segundo alguns pesquisadores, para constatar se são casos de evolução ou de um fenômeno chamado “plasticidade fenotípica” - mudanças em resposta a alterações no meio ambiente que não são acompanhadas de modificações genéticas.

Um caso de evolução rápida comprovada por estudos genéticos foi publicado nesta semana na revista Science e outra vez os protagonistas são os anolis verdes. Neste caso, os anolis mudaram sua resposta muscular e nervosa ao frio em um período de apenas alguns meses.

Shane Campbell Staton, então estudante de pós-graduação em Harvard, investigou durante muitos anos cinco populações de anolis que viviam em diferentes latitudes. Quando o ambiente é muito frio, esses animais perdem a coordenação necessária para se endireitar. Após um período de frio intenso no Texas em 2013-2014, os lagartos que só conseguiam fazer isso a partir dos 11 °C passaram a ter essa capacidade a uma temperatura menor, de 6 °C. E essa mudança se refletiu a nível genético.

Campbell-Staton, atualmente na Universidade de Illinois, Estados Unidos, e seus colegas constataram que o repertório de genes ativos no fígado dos animais se assemelhava mais ao de espécies que viviam mais ao norte. E incluía também genes que influem no funcionamento dos sistemas muscular e nervoso.

Janet Hoole assinala que poderemos ver muito mais exemplos de evolução rápida devido ao aquecimento global. “O novo estudo sobre lagartos no Brasil mostra que a atividade humana também pode interferir no processo de evolução.”

Fica a dúvida: à medida que aumenta o impacto do ser humano na natureza, podem ocorrer mais casos de evolução rápida? Apesar da mudança no tamanho da cabeça e na boca dos lagartos parecer algo positivo, “devemos nos lembrar de que isso ocorreu devido à extinção de outras quatro espécies devido às inundações provocadas pela represa”, adverte Hoole. “É um lembrete oportuno de que a mudança climática não é o único desafio para a biodiversidade e os processos evolutivos.”


Nota: Embora os evolucionistas defendam com unhas e dentes o conceito filosófico de macroevolução (a ideia segundo a qual de uma célula primordial teriam evoluído todas as formas de vida conhecidas), quando apresentam exemplos concretos, estes se referem unicamente a adaptações ou diversificação de baixo nível (também chamadas por alguns de “microevolução”). O que aconteceu com essa espécie de lagarto brasileira também foi observado em Galápagos, em algumas espécies de tentilhões. Em um período de escassez de alimento, essas aves sofriam modificações epigenéticas limitadas. Passado o período de seca, elas voltavam ao “normal”. Tudo isso em relativamente pouco tempo. São fatos que mostram pelo menos duas coisas: (1) os seres vivos são dotados de capacidade limitada de variação por via epigenética, o que lhes permite sobreviver em um mundo em constante mudança, e (2) os limites entre as espécies são mais ou menos rígidos, a tal ponto que a tendência sempre é retornar ao “estado original”. [MB]