segunda-feira, agosto 21, 2017

O Deus da revelação

“A graça do Senhor Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com todos vós” (2 Coríntios 13:14).

Canta-se no meio evangélico certa música cujo refrão diz o seguinte: “Ninguém explica, ninguém explica Deus. [...] Do crente ao ateu, ninguém explica Deus.” Tal reconhecimento visa a demonstrar que o ser de Deus é para a mente humana algo incognoscível, ou seja: a tentativa de entendê-Lo por pura lógica, ou mesmo com os recursos limitados da linguagem por analogia, constitui um desafio e uma impossibilidade. A inexplicabilidade de Deus não é assunto recente. Há séculos ela tem incomodado intelectos privilegiados com argúcia filosófica e teológica, como o de Santo Agostinho: “Deus é inefável; é mais fácil dizer aquilo que Ele não é do que aquilo que é. [...] Antes de conhecer Deus, achavas que eras capaz de expressá-Lo; mas agora que começaste a conhecê-Lo, percebes que não és capaz.” Prossegue o bispo de Hipona: “Por descobrir que não podes exprimir aquilo que conheces, deves, por acaso, ficar em silêncio?” Não, não se pode ficar em silêncio. Contudo, o silêncio sobre Deus só é capaz de ser quebrado pela voz da revelação.

Quando, numa palestra para acadêmicos e universitários, conhecido teólogo brasileiro foi interrogado acerca da natureza de Deus (se Ele é matéria, energia, força ou ideia existente na mente humana), foi dada a resposta ao seu interlocutor: “Deus é um ser que se Ele não Se revelar eu não posso compreendê-Lo.” Se o homem, com ferramentas mentais próprias, não consegue construir uma explicação para a Divindade, então, dada a Sua existência como fato, quereria Deus, por Sua iniciativa, “explicar-Se” a Si mesmo? 

Deus é mistério (Isaías 45:15), e permanecerá assim para os seres criados por toda a eternidade. No entanto, a misteriosidade que cerca a natureza divina não implica completa ignorância acerca da identidade do Ente infinito. Pela via da revelação bíblica sabemos que Deus Se apresenta de forma admirável: como Alguém todo poderoso, transcendente e pessoal. Conforme assume o teísmo clássico, Sua personalidade ímpar, Seu caráter justo e amoroso, Seus atributos grandiosos e atos excelsos na história humana O tornam inigualável perante as demais concepções religiosas concorrentes. Porém, um aspecto de Sua identidade tem sido ponto de acirrados debates fora e, principalmente, dentro do cristianismo: Deus são três pessoas – o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Triteísmo?

A Igreja Adventista do Sétimo Dia, em consonância com o cristianismo histórico, assume a posição de que Deus é uma Trindade. Entretanto, dentro do próprio círculo cristão, muitos estão fazendo uso de hermenêutica totalmente descabida para atacar a personalidade divina (sobretudo a do Filho e a do Espírito Santo) ao declararem, sem base histórica ou teológica, que o monoteísmo trinitário é uma heresia aceita no corpo doutrinário da fé cristã.

A Trindade não pode ser explicada por nossa filosofia ou teologia, da mesma forma que outros mistérios revelados como a encarnação e a ressurreição. Acertadamente ponderou certo teólogo que “a elaboração histórica da Trindade [...] busca circunscrever e proteger o mistério (não explicá-lo; isso está além de nosso alcance), e nos confronta com o que seja talvez o pensamento mais difícil com o qual a mente humana já teve que lidar. Não é fácil; mas é verdadeiro”. Podemos, contudo, utilizando o princípio tota scriptura (a totalidade da Escritura), apreender essa doutrina mediante as inúmeras evidências persuasivas emanadas do texto bíblico. Dessa maneira, à luz da coerência interna da Bíblia, os que pensam diferentemente deveriam reconsiderar sua posição para a qual não existe fundamento escriturístico algum. Se o “retrato” de Deus apresentado nas Escrituras é o de um Ser essencialmente relacional – manifestado em três Pessoas divinas e coeternas –, não existem razões suficientes para questionar esse ensinamento.

Perante a revelação trinitária de Deus, o filósofo americano Mortimer Adler refletiu: “Para mim, a Trindade não é apenas uma resposta bonita; eu acredito que é a única explicação para a maior busca dos filósofos e sua experiência.” E o teólogo Donald M. Baillie arrematou: “A doutrina da Trindade faz-nos ver que Deus é ‘pessoal de modo incompreensível’.” Creio que ser um cristão trinitariano é abraçar a própria fé de Jesus, reconhecendo que o Pai, o Filho e o Espírito Santo têm toda a plenitude da Divindade. Algo menos que isso significa diminuir a personalidade divina e obscurecer a verdadeira e incomparável identidade de Elohim, o que pode resultar em consequências negativas para a salvação do ser humano. 


Ao se deparar com a visão do Altíssimo, o profeta Isaías ficou extasiado e temeroso com Sua grandeza e majestade. Contemplou serafins fazendo uma exclamação tríplice: “Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos!” (Isaías 6:3). Alguns veem nesse reconhecimento angélico da santidade infinita de Deus mais um indício trinitariano de que santo é o Pai, santo é o Filho e santo é o Espírito. Assim, por mais inexplicável, espantosa e “estranha” que seja a visão do Deus triúno, faz sentido tanto da perspectiva bíblica quanto filosófica aceitar que o alto e sublime Criador é único sendo três. Se ninguém O explica, Ele próprio Se revela na Palavra. Agora, se nós aceitamos ou rejeitamos Sua explicação revelada, essa é outra história. O melhor caminho ainda é seguir a confissão de Agostinho: “Creio para entender.”

(Frank de Souza Mangabeira, membro da Igreja Adventista do Bairro Siqueira Campos, Aracaju, SE; servidor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe)



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