quinta-feira, setembro 21, 2017

Procura-se um “ancestral comum”

Quando você está na escola, nos primeiros anos acadêmicos, desenvolve a atividade de construir sua árvore genealógica. Essa é uma atividade que requer tempo e dedicação, e o que parece simples torna-se desafiador conforme vamos subindo cada vez mais alto os galhos da família. Descobrir quais são os nomes dos antepassados mais antigos acaba se tornando tarefa impossível. Certamente, conhecer a história de nossos antecessores nos ajuda a ter mais senso de identidade, assim como a honrar a história de nossa geração.

Em 1859, Charles Darwin lançou sua obra polêmica A Origem das Espécies por Seleção Natural, na qual concluiu, após vinte anos de observações, que todos os seres vivos existentes no planeta se intrincavam num único tronco de existência. Segundo o cientista britânico, todas as formas de vida (inclusive humanos) descenderiam de um único ancestral em comum (batizado posteriormente como LUCA – do inglês last common universal ancestor [1]). Em seu livro, Darwin se propôs a descrever toda a genealogia da vida, e até mesmo desenhou uma árvore que se tornaria um ícone para a ciência.
           
Atualmente, cientistas evolucionistas têm se empenhado para desenhar a árvore genealógica da vida e responder, finalmente, à pergunta que atormenta todo ser humano: “Qual é a nossa origem, afinal de contas?” Como todo (e qualquer) conhecimento na área da Evolução acaba por terminar em um método hipotético-dedutivo,[2] não seria diferente no que diz respeito à evolução humana. Darwin não afirmou no Origem que seres humanos e símios tinham um ancestral em comum; isso ele fez em 1871, quando se sentiu mais preparado para afirmar, sem reservas, que o homem era originário de ancestrais simiescos. Mas quem deu um primeiro impulso para sua conclusão foi Thomas Huxley, em 1860.[3] O grande x da questão é que, desde os anos de Darwin e Huxley até os nossos dias, ainda assim a inexistência de espécies intermediárias ou de transição no registro fóssil é uma carta na manga para os defensores do criacionismo e do design inteligente (e os fósseis não mentem).
           
O que parece é que alguns cientistas se tornaram reféns da atividade da infância e buscam, insanamente, encontrar um fóssil qualquer a quem possam chamar de “parente comum” entre homem e macaco e preencher os espaços vazios da árvore evolutiva. Entretanto, as descobertas feitas por paleantropólogos do passado até os dias de hoje não mostraram um único fóssil capaz de confirmar nosso suposto passado primata (mas isso, de modo algum, é convincente o suficiente para negar tal ideia, não é mesmo?). Basta olharmos para as inferências equivocadas realizadas[4] que identificamos um desespero muito grande por parte dos evolucionistas para dar um fim à questão do “elo perdido” entre seres humanos e primatas.
           
O século 20 foi marcado como o século das descobertas paleontológicas em diferentes regiões do globo terrestre. Foram encontradas várias espécies fossilizadas, como plantas, animais vertebrados e a própria espécie humana, o que intensificou a expectativa de se encontrar o “ancestral comum” proposto no século anterior. Em 1925, Raymond Dart encontrou um crânio infantil da espécie Australopithecus africanus no sul da África e concluiu que aquela provavelmente fosse uma espécie intermediária entre símios e humanos.[5] Reinou durante muito tempo a teoria de que a raça humana se originou nessa região do planeta cerca de 2 ou 3 milhões de anos atrás. Mas décadas de estudo provaram que o fóssil possuía grandes diferenças com humanos e que podia muito bem pertencer a um gorila extinto.[6]
           
O A. africanus ficou para trás após a descoberta em 1974 de uma parte da tíbia e um pedaço do fêmur da Lucy (Australopithecus afarensis) por Donald Johanson e Tom Gray, em Hadar, na região de Afar, na Etiópia, tornando-se um marco para a paleantropologia.[7] A junção dessas duas peças mais um cálculo do ângulo da junção da articulação do joelho fizeram a dupla concluir que se tratava de uma espécie de andar bípede e que tivera sido um hominídeo há 3,2 milhões de anos.[8] Os evolucionistas comemoraram a descoberta e deduziram que enfim tinham a solução final para um antigo problema. Todavia, comemoraram antes da hora, porque um estudo da fisiologia de Lucy[9] demonstrou que ela provavelmente tenha sido simplesmente um macaco extinto, mais próximo a chimpanzés e gorilas, pertencente ao grupo Pongidae e não Hominidae. E muito menos andar ereta Lucy sabia... Outra análise da anatomia completa do fóssil anulou a bipedalidade nessa espécie.[10]
           
O próximo da lista foi o Darwinius masillae, encontrado em 1983 numa pedreira desativada na Alemanha. Jens L. Franzen e sua equipe[11] estudaram a morfologia do animal e concluíram, em 2009, que a espécie poderia ser o elo perdido entre prossímios e símios. O fóssil foi então exposto no Museu de História de Nova York com o título de “a oitava maravilha do mundo”, e ficou como protagonista por pouco tempo, pois um estudo mais apurado realizado pela Nature descartou a possibilidade de ele ser um ancestral desses grupos, descrevendo-o como mais próximo dos lêmures atuais que dos macacos, dos grandes primatas ou de nós.[12] Interessantemente, sua exclusão não recebeu tanto alarde quanto seu anúncio equivocado. O Ida, como foi carinhosamente apelidado pela equipe de Franzen, deveria ter características evolutivas antropoides depois que o grupo se separou dos lêmures e demais macacos menores, mas falhou miseravelmente nessa questão.
           
Até o século 21, a separação da espécie humana não ultrapassava mais que 3 milhões de anos hipotéticos. Mas logo em 2001 isso mudou bruscamente com o achado de um crânio com idade estimada em 7 milhões de anos, que pertencia ao Sahelanthropus tchadensis, denominado de Toumai.[13] O mais curioso é que a idade estimada da camada fossilífera não corresponde ao relógio molecular, o que aconteceu na maioria das vezes em que os fósseis foram estimados como tendo idades muito longas.[14, 15, 16]
           
Até o final do século 20 cria-se que os Australopithecus de aproximadamente 3 milhões de anos atrás, particularmente a Lucy, fossem os antepassados imediatos do clado Hominidae, unindo assim homem e macaco. Mas a descoberta dos Ardipithecus ramidus, S. tchadensis e Ardipithecus kadabba, todos datados do Plioceno médio, anulou essa ideia, revolucionando as perspectivas da evolução do homem e do desemaranhamento das espécies hoje vistas.[17] Por exemplo, o A. ramidus foi diagnosticado como tendo uma relação filogenética com o Australopithecus e o gênero Homo com base em poucas amostras de dentes caninos e um pequeno pedaço do crânio.[18] Esses recentes fósseis desconfiguraram toda a árvore genealógica dos hominídeos e empurraram a suposta separação de homens e macacos para mais de 5 milhões de anos,[19] além de levantar mais centenas de dúvidas acerca da paleobiologia dos primeiros seres humanos na Terra, dentre as quais a questão do reconhecimento de espécies por dedução com base em amostras de pequeno tamanho e a falta de uma demonstração clara da diversidade ecológica do período proposto.[19] A despeito disso, ainda assim é possível chegar a conclusões precipitadas, como fez Tim D. White (que parece estar com a síndrome de Lucy): “Nem chimpanzé nem humano, Ardipithecus revela a ascendência surpreendente de ambos.”[17, tradução do autor]
           
A descoberta do A. ramidus provocou uma convergência no pensamento do século 21 logo nos primeiros anos, exigindo uma revisão radical de como os primeiros antepassados prepararam o cenário para nossa chegada posterior.[20, 21] O número de espécies antropoides coexistindo num único período fez com que antropólogos como Haile-Sessalie chegassem à conclusão de que estão vivendo em uma época de “escuridão de informações” em relação à origem humana.[19] “Embora não haja dúvida de que essas novas descobertas fósseis abriram novas janelas em nosso passado evolutivo, elas também complicaram nossa compreensão da taxonomia hominiana precoce e das relações filogenéticas”, escreveu ele no artigo.[19, tradução do autor]
           
As fendas na teoria evolutiva da humanidade só aumentam a cada ano, como a recente descoberta de um fóssil de Homo sapiens no Marrocos[22] que, além de acrescentar cem mil anos à nossa suposta origem (antes tínhamos apenas 200 mil anos, agora temos 300 mil![sic]), também descartou a ideia (que perdurava havia tempos) de que o berço da raça humana fosse na região leste do continente africano. Essa revelação sacudiu a comunidade científica de modo geral, pois está ficando cada vez mais complicado encaixar as peças desse quebra-cabeça.
           
Fica claro que estamos longe de ter uma resposta evolutiva sobre nossas origens, porque até a bola da vez, o Ardipithecus, não tinha um andar bipedal antes de ser extinto e muito menos era um humano – havia mais semelhanças em seus fósseis com macacos do que com o ser humano, e a única semelhança estaria nos ossos dos dedos da mão,[23] o que levou os evolucionistas mais uma vez a forçar a barra em relação a uma nova descoberta fóssil. Como numa crise da infância, os defensores da evolução não têm conseguido passar para os galhos mais altos (nesse caso, mais baixos) da nossa ancestralidade e muito menos nos aproximar dos macacos. Nem estimar nossa idade estão conseguindo,[22] que dirá dizer quem é o nosso “tataravô primata”.
           
Concluindo, a tentativa desesperada de encontrar a resolução para as dúvidas da origem humana tem levado cientistas a resultados equivocados e conclusões precipitadas. Evolutivamente estamos muito longe de obter uma resposta plausível e um parentesco convincente com os símios. A árvore da vida parece existir somente na Bíblia mesmo.

(Weliton Augusto Gomes é biólogo e diretor de ensino e pesquisa do Núcleo Curitibano da Sociedade Criacionista Brasileira [NC-SCB])

Referências:
[1] Para mais informações sobre o LUCA, leia o seguinte artigo: Weiss, M. C. et al (2016). The physiology and habitat of the last universal common ancestor. Nature Microbiology, 1, 16116.
[2] Mayr, E. (1998). O Desenvolvimento do Pensamento Biológico. Brasília: Ed. UnB. 349-352 pp.
[3] Mayr, E. (1998). O Desenvolvimento do Pensamento Biológico. Brasília: Ed. UnB. p. 490.
[4] Vide Lopes, R. J. Folha de São Paulo Blog [Internet]. São Paulo: Reinaldo José Lopes. 2015 set. [citado em 19 set. 2017]. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2015/09/1676679-no-afa-cientistas-tem-classificado-fosseis-de-simios-como-hominideos.shtml
[5] Dart, R. A., & Salmons, A. (1925). Australopithecus africanus: the man-ape of South Africa. A Century of Nature: Twenty-One Discoveries That Changed Science and the World, edited by Laura Garwin and Tim Lincoln, 10-20.
[6] Kuhn, B. F. et al (2016). Renewed investigations at Taung; 90 years after the discovery of Australopithecus africanus. Disponível em: http://wiredspace.wits.ac.za/bitstream/handle/10539/21251/2016.V51.KUHN_ET_AL_Taung.pdf?sequence=3&isAllowed=y
[7] Johanson, D. C. et al (1978). A new species of the genus Australopithecus (Primates: Hominidae) from the Pliocene of eastern Africa. Cleveland Museum of Natural History.
[8] Johanson, D., & Edey, M. A. (1990). Lucy: The beginnings of humankind. Simon and Schuster.
[9] Stern Jr, J. T., & Susman, R. L. (1983). The locomotor anatomy of Australopithecus afarensis. American Journal of Physical Anthropology, 60(3), 279-317.
[10] Spoor, F., Wood, B., & Zonneveld, F. (1994). Implications of early hominid labyrinthine morphology for evolution of human bipedal locomotion. Nature, 369(6482), 645-648.
[11] Franzen, J. L. et al (2009). Complete primate skeleton from the middle Eocene of Messel in Germany: morphology and paleobiology. PloS one, 4(5), e5723.
[12] Seiffert, E. R. et al (2009). Convergent evolution of anthropoid-like adaptations in Eocene adapiform primates. Nature, 461(7267), 1118.
[13] Brunet, M. et al (2002). A new hominid from the Upper Miocene of Chad, Central Africa. Nature, 418(6894), 145.
[14] Ksepka, D. T. et al (2014). Flying rocks and flying clocks: disparity in fossil and molecular dates for birds. Proceedings of the Royal Society of London B: Biological Sciences, 281(1788), 20140677.
[15] Lee, M. S. (1999). Molecular clock calibrations and metazoan divergence dates. Journal of Molecular Evolution, 49(3), 385-391.
[16] Sanders, K. L., & Lee, M. S. (2007). Evaluating molecular clock calibrations using Bayesian analyses with soft and hard bounds. Biology letters, 3(3), 275-279.
[17] White, T. D. et al (2015). Neither chimpanzee nor human, Ardipithecus reveals the surprising ancestry of both. Proceedings of the National Academy of Sciences, 112(16), 4877-4884.
[18] Kimbel, W. H. et al (2014). Ardipithecus ramidus and the evolution of the human cranial base. Proceedings of the National Academy of Sciences, 111(3), 948-953.
[19] Haile-Selassie, Y. et al (2016). The Pliocene hominin diversity conundrum: Do more fossils mean less clarity?. Proceedings of the National Academy of Sciences, 113(23), 6364-6371.
[20] Lovejoy, C. O. (2014). Ardipithecus and Early Human Evolution in Light of Twenty-First-Century Developmental Biology. Journal of Anthropological Research, 70(3), 337-363.
[21] White, T. D. et al (2014). Ignoring Ardipithecus in an origins scenario for bipedality is… lame. Antiquity, 88(341), 919.
[22] Richter, D. et al (2017). The age of the hominin fossils from Jebel Irhoud, Morocco, and the origins of the Middle Stone Age. Nature, 546(7657), 293-296.
[23] Mastropaolo, J. An objective ancestry test for fossil bones. TJ 16(3) 2002: 84-88.