terça-feira, dezembro 05, 2017

Big Bang em xeque ou uma hipótese inválida?

De acordo com o site Sputnik, o físico brasileiro Juliano César Silva Neves, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explicou que a origem do universo exclui a necessidade de um Big Bang, aceito pela maior parte da comunidade científica como melhor explicação para o início de tudo. “Antes da visão cíclica, nós temos que resolver o problema da singularidade. Por Big Bang, eu quero dizer singularidade inicial. O modelo cosmológico que eu propus aceita, claro, a expansão do universo, aceita outros dados, como a radiação cósmica de fundo. A minha questão principal é o Big Bang, o Big Bang como a chamada singularidade inicial”, disse o cientista, explicando que essa singularidade consistiria em um estado em que as grandezas físicas, geométricas, calculadas a partir da Teoria da Relatividade, de Albert Einstein, não têm um valor definido. “Como os matemáticos falam, essas grandezas tendem ao infinito.”

Neves conta que essa questão é encarada como um problema da relatividade, que a maioria dos pesquisadores acredita poder ser resolvido com uma teoria quântica da gravidade, que acabaria com a singularidade. No entanto, segundo ele, é possível resolver a singularidade inicial sem recorrer a uma teoria quântica, que foi exatamente o que ele fez em seu trabalho, publicado recentemente na revista General Relativity and Gravitation

Na verdade, a ideia de que o universo se contrai até uma alta densidade para depois se expandir até certo limite e repetir o ciclo não é novidade e tem sido discutida há décadas. Por que não foi amplamente aceita? Porque gera inconsistências. Mas antes de falar na principal dessas inconsistências, é útil discutir um pouco o principal problema que a versão proposta pelo professor Neves tenta resolver.

Conta um mito popular que o modelo do Big Bang diz que o universo surgiu a partir de uma singularidade inicial. Mas o que é uma singularidade? Seria um ponto em que parâmetros de interesse, como densidade, tornam-se infinitos.

É comum encontrarmos singularidades em estudos matemáticos. Por exemplo, a função f(x)=1/x possui uma singularidade em x=0. Elas são úteis para resolver problemas reais e existem métodos que utilizamos em áreas como a Teoria Quântica de Campos que se baseiam em propriedades matemáticas das singularidades. Entretanto, quando uma fórmula prevê uma singularidade física associada a algo mensurável, isso é mau sinal. Tipicamente, indica que a fórmula está sendo utilizada fora dos seus limites de validade.

Voltemos agora ao referido mito. A Relatividade Geral (RG) é a teoria por trás tanto do modelo do Big Bang quanto da descoberta dos buracos negros e suas propriedades, das ondas gravitacionais e mesmo como parte integrante de soluções tecnológicas como GPS e outras. Há quem diga que, de acordo com a RG, existe uma singularidade no centro de cada buraco negro. Também há quem afirme que o próprio universo teria nascido de uma singularidade, pois essa seria uma das predições do modelo do Big Bang. Vamos tentar explicar por que essa concepção é falsa.

Para esclarecer esse assunto, vamos tratar de outro mais fácil primeiro. No Ensino Médio (ou Segundo Grau), ensina-se aos estudantes uma fórmula que descreve um aspecto do comportamento dos gases: pV=kNT, sendo p a pressão de um gás, V seu volume, N o número de moléculas, T a temperatura absoluta e k uma constante (de Boltzmann). Essa fórmula foi deduzida a partir de algumas aproximações. Por exemplo, supõe-se que a distância média entre as moléculas é muito grande comparada com seus volumes. Isso é verdade em muitos casos, mas não em todos.

Podemos usar a fórmula dos gases para, por exemplo, calcular a densidade de um gás em função da temperatura se a pressão for constante. Reorganizando os elementos da fórmula, obtemos a seguinte fórmula para a densidade (N/V): N/V = p/(kT).

O que acontece quando a temperatura absoluta é zero? Densidade infinita, isto é, uma singularidade. Podemos afirmar então que gases no zero absoluto formam singularidades? De maneira nenhuma. O que realmente acontece nessa situação é que tentamos usar a fórmula fora de sua região de validade. Com a redução da temperatura a pressão constante, o volume diminui. Quando esse volume se torna muito pequeno, pelo menos uma das hipóteses utilizadas para deduzir a fórmula se torna falsa: o volume de cada molécula não é mais tão pequeno quando comparado com a distância média entre elas. Isso invalida a fórmula.

Algo muito semelhante ocorre com a equação da RG a densidades muito altas. Ela perde a validade. Isso significa que as equações que constituem o modelo do Big Bang, que se baseiam na equação da RG, também se tornam inválidas a densidades muito altas. O que o modelo do Big Bang descreve é a expansão do universo, não sua criação. Ele nem mesmo pode ser usado para se afirmar que o universo veio de uma singularidade porque o modelo simplesmente não vale a densidades tão altas.

Como o modelo do Big Bang é incapaz de prever uma singularidade no início do tempo, quem tenta eliminar essa singularidade simplesmente tenta resolver um problema que não existe.

Agora voltemos à questão da inconsistência principal gerada pela ideia de que o universo sofre intermináveis ciclos de contração e expansão. Um dos motivos pelos quais a RG não funciona a densidades muito altas está ligado à instabilidade do próprio espaço-tempo nessas condições que levaria qualquer flutuação quântica a gerar inúmeros miniburacos negros, cada um com sua linha de tempo interna, fazendo o espaço-tempo parecer uma “espuma” sem uma direção definida que pudéssemos chamar de tempo. Em outras palavras, o conceito de espaço-tempo se perde nessas circunstâncias. Com isso, conceitos como “antes” e “depois” deixam de ser válidos. Isso torna sem sentido afirmações do tipo “o universo sofreu uma contração, chegou a uma situação de alta densidade e veio a expandir-se em seguida”. Isso não faz sentido porque, além da descontinuidade na validade da RG que acontece no meio do processo, perdem-se também informações ligadas a identidade e causalidade, o que nos proíbe de dizer se o universo que entrou em colapso é o mesmo que se expande. Além disso, não temos como conectar o tempo clássico de um com o do outro.

Para tratar propriamente desse tipo de questão é preciso utilizar uma teoria consistente de gravitação quântica (M-Theory?) e mesmo assim é bem provável que simplesmente se confirme que o tempo clássico realmente não existe nesse regime.

(Eduardo Lütz é físico e engenheiro de software)