sexta-feira, dezembro 01, 2017

O conceito de espécie em questão

[Artigo escrito em reação à notícia veiculada pela revista Veja e vários outros meios de comunicação.]

A Biologia é a ciência que se aventura na busca por respostas à compreensão do fenômeno vida. Nessa busca, perguntas importantes têm sido feitas na tentativa de compreender como esses mecanismos funcionam. Uma dessas perguntas tem que ver com a origem das espécies. Desde os filósofos gregos, a ideia de processos evolutivos conduzindo à vida já permeava a história da Terra. Com Darwin, a partir de 1859, surge uma proposta de mecanismo explicativo para esse processo evolutivo. Numa coletânea de ideias (de outros cientistas, inclusive), ele, de maneira organizada e por isso fácil de ler, estabeleceu esse mecanismo e usou em 1868, em seu livro Variação de Plantas e Animais Domesticados, as bases da pangênese (genética baseada nos conceitos de Hugo de Vries) para explicar esse processo.

Assim, o conceito mais básico e biológico de espécie (existem outros à disposição) é o de indivíduos de populações que cruzam – ou tem o potencial de cruzar – naturalmente. Mas existem alguns equívocos no desenrolar desse pensamento.

Alguns organismos podem ser anatomicamente diferentes e, ainda assim, serem da mesma espécie. Isso é verificável, por exemplo, em formigas. A espécie Pheidole barbata possui forma anatômica distinta, dependendo das funções que os indivíduos desempenham na colônia.

Pode-se ver também, quanto à coloração, no vegetal hortênsia, que dependendo do pH do solo ele pode ser azul ou mesmo rosa.

Alguns organismos podem ter uma aparência muito próxima e, no entanto, serem de espécies diferentes. Podemos observar isso em cascudos (grupo Corydoradinae), também conhecidos dos aquaristas como peixes limpa fundo de aquários. Esses seres conseguem mimetizar (“copiam” a imagem, adotando padrões e cores similares), burlando os predadores, mas não se reproduzindo entre si.

Se achou isso complicado, imagine a seguinte situação: um grupo de muitos coelhos vivia numa localidade e, de repente, uma autoestrada isolou-os em dois grupos. Ao longo do tempo, esses grupos isolados poderiam ganhar características adaptativas distintas. Seriam duas espécies diferentes? Quanto tempo, geneticamente falando, deveria regredir esses grupos para saber se são parentes ou não?

E não é só isso. O que fazemos com organismos que se reproduzem de maneira assexuada? Ou ainda com aqueles que, de vez em quando, formam seres híbridos uns com os outros? Seriam novas espécies?

Essas são apenas algumas situações em que o termo pode ser “flexionado”. Poderíamos lidar, ainda, com o problema das espécies em anel, na tentativa de marcar o ponto de especiação; ou ainda das cronoespécies, na tentativa de dividi-las em espécies distintas.

Toda essa situação tem sido produzida pelo fato de o conceito biológico de espécie, até o presente momento, ter funcionado bem para muitos organismos e melhor ainda em sua influência para o crescimento da teoria da evolução.

A matéria publicada na revista Veja se refere a um fato que ocorre na ilha Daphne Major, em Galápagos. Tive a oportunidade de passar ao lado dela e conhecer esse estudo quando de minha visita à Estação Darwin, em Galápagos. O tentilhão de Darwin, chamado de Big Bird, parece estar mudando suas características morfofisiológicas, inclusive não cruzando mais com outros grupos, dando início, segundo o conceito discutido até aqui, a uma “nova espécie”.

Todo o problema reside no conceito. Ele é imprescindível ao processo evolutivo que depende de que uma nova espécie esteja surgindo a todo instante, caso contrário, a teoria “faria água”, ou seja, afundaria.

Esse caso é tão sério que mesmo biólogos famosos entendem essa carência, e já apostam no conceito filogenético de espécie para “resolver o problema”. Esse conceito informa que espécies são identificadas inferindo-se a filogenia de populações intimamente relacionadas e procurando-se o grupo monofilético mais restritivo. Esse exibiria, no mínimo, uma característica distintiva e unificadora, seja esta de caráter estrutural, bioquímico ou molecular. Tais características são chamadas de sinapomorfias.

Mas mesmo esse conceito não é consenso. Tanto que, provavelmente, você não o estudou em seu livro do Ensino Médio.

E se todos esses seres não evoluíram? E se todos são variações adaptativas às mais diversas situações da natureza? Essas são perguntas válidas que não são feitas, pois nesse estudo somente o evolucionismo é aceito. Não porque não são inferidas, mas porque não são permitidas. Esse problema se agrava quando todos os esforços são feitos no sentido de “provar” o processo Macroevolutivo.

Talvez o modelo de estudo de mecanismos genéticos mais estudado nesse sentido seja o das moscas-da-fruta (Drosophila melanogaster). Elas possuem em seus 14 mil genes muita similaridade mecânica com os humanos. Por isso seu estudo é tão importante para compreender a ação dos mecanismos moleculares de doenças humanas. Essa espécie vive entre 15 e 25 dias, o que permite um quadro de variação gênica muito rico por estar dentro de um tempo programado. Desde 1910 essas variações vem sendo estudadas e, por mais que se deseje, nenhuma característica evolutiva surgiu após esses anos todos, no sentido de aprimoramento genético ou macroevolutivo.

Todas as mutações estudadas evidenciaram destruição de patrimônio gênico, sendo altamente deletérias. Prejuízo no rendimento, aptidão/função (fitness), mostrando que, ao alterar um gene para melhor, outro pode ficar pior, resultando num empate ou perda final.

Mesmo que muitos neodarwinistas tenham comemorado o aparecimento de “novas espécies”, isso só foi possível levando em conta o conceito biológico de que espécie é um conjunto de indivíduos de uma “população reprodutivamente isolada”. Ampliando esse estudo, foram realizadas manipulação de genes em busca de uma característica evolutiva significativa. Mais uma vez os seres híbridos possuíam características degenerativas.

Do que se pode apreender, a entropia genética colabora com as evidências de que existe maior acúmulo de mutações prejudiciais, provocadas ou especiadas, e que esse acúmulo ocorre tão rapidamente que a própria seleção natural seria incapaz de deter.

Muito deveria ser o patrimônio genético inserido para gerar uma nova informação. Aliás, é preciso lembrar outro problema: De onde vem essa informação?

Bom, o que podemos analisar disso tudo? Muito tempo, esforço e dinheiro têm sido gastos na tentativa de “provar” que novas espécies aparecem em todos os cantos, “justificando” um processo macroevolutivo. Mas o que temos até agora, desde os testes em laboratório até as pesquisas de campo, é que a seleção natural só atua em variações e padrões morfofisiológicos que já existem nessa população, e qualquer estudo comprova que, ainda assim, de forma limitada.

Por mais que se force a “nova espécie”, ela ainda evidencia outro fator importantíssimo: esses seres continuam sendo eles mesmos. Pássaros “viram” “novas espécies” de pássaros. Moscas viram “novas espécies” de moscas, bactérias viram “novas espécies” de bactérias, e assim por diante.

Daí, fica outra pergunta: Cadê a megaevolução em que um anfíbio viraria réptil? Parece que isso fica mais facilmente elucidado em livros de Biologia mesmo!

E a luta, companheiro, continua – por ciência que siga dados e evidências, não dogmas. Dados para cima deles!

(Dr. Márcio Fraiberg Machado é biólogo e biotecnologista)

Referências:
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