sexta-feira, fevereiro 16, 2018

Vida ao extremo seria vida “ancestral”?

Pensar em formas de vida independentes de oxigênio até há algum tempo foi considerado um evento absurdamente improvável. Mais improvável, por assim dizer, é que nós e a grande maioria dos seres vivos sobrevivamos em alguns tipos de ambientes, como em lugares onde as temperaturas são extremamente elevadas ou em depressões nas quais não há oxigênio, o elemento base para a nossa respiração acontecer. Entretanto, alguns organismos nos surpreendem, e fazem desse impasse uma solução. É o caso do Sulfolobus solfataricus, um microrganismo que habita fontes termais localizadas ao lado de vulcões, onde a temperatura chega a 88 °C. Mas não se compadeça, essa é a temperatura “ótima” para esse organismo viver. Em um ambiente onde muitos literalmente cozinhariam, o Sulfolobus desfruta de momentos de lazer como se estivesse a nadar tranquilamente em uma piscina térmica. E, por viver nessas condições, esse curioso micróbio utiliza o enxofre como sua fonte de energia, diferentemente dos outros seres.[1] Já o Pyrococcus furiosus, outro “esquentadinho” da lista, tolera até 100 °C,[2] superando seu colega citado acima. Mas ainda mais surpreendente é o Pyrolobus fumarii, uma espécie de arqueobactéria, que habita as paredes das fendas termais no fundo do oceano Atlântico, onde as temperaturas chegam a incríveis 113 °C.[3]
           
Por outro lado, especificamente no outro extremo da situação, as coisas não divergem, pois em 2012 uma equipe de cientistas encontrou um apanhado de bactérias vivendo sob condições congelantes na Antártida,[4] em um lago salgado sem luz e sem oxigênio, onde a temperatura chega a marcar -13 °C. Esse lago, chamado Vida, possui concentrações elevadas de elementos nocivos para a maioria dos organismos, como amoníaco, nitrogênio, hidrogênio, enxofre e óxido nitroso.
           
A temperatura, todavia, não é a única condição de ambiente célebre (e extremo) que chama a atenção. Mesmo o Mar Morto só é “morto” no nome, porque, contrário ao que muitos pensam, há vida nele. Embora seja um ambiente onde as taxas de salinidade são absurdas e onde os organismos expostos são violentamente desidratados, a bactéria Haloarcula marismortui excede o padrão.[5]
           
Embora esses microrganismos sejam minúsculos, o impacto de sua descoberta foi enorme: houve uma revolução a partir de 1970 no modo como os organismos eram classificados (as arqueobactérias, anteriormente incluídas no domínio Bacteria, foram desmembradas para formar um novo domínio, o das Archaea[6]); a indústria da biotecnologia ganhou campo e lugar com o achado desses novos seres com DNAs capazes de suportar temperaturas elevadas de cozimento, necessárias para as pesquisas obterem sucesso; e os evolucionistas se empolgaram com seres vivos habitando ambientes extremos, aumentando as esperanças deles de que poderia existir vida em outro lugar do Universo, intensificando assim as pesquisas “astrobiológicas”.[7]
           
Mais estreito foi o caminho que tomaram alguns cientistas, ao assumir a crença de que, no suposto passado primitivo, a origem da vida tenha acontecido ao redor de fontes hidrotermais, semelhantes aos habitats desse grupo especial de organismos: os extremófilos.[8] A vida nos primórdios da Terra (como alguns acreditam) possuía pouca luz solar, não havia fotossíntese e, portanto, pouco ou quase inexistente oxigênio.[9, 10]
           
A revelação da existência dos extremófilos foi muito bem recebida pela comunidade científica que antecipadamente comemorou a vitória sobre os criacionistas, pois, afinal de contas, por que Deus criaria organismos para viver em ambientes extremos? Por que o Criador, em sua infinita inteligência, criou seres tão diferentes aos habituais? Apesar desse entusiasmo, os extremófilos levantam novas dificuldades para os evolucionistas. Se eles tinham perguntas a fazer, também têm a responder: como se explica o motivo para um organismo ter evoluído a fim de sobreviver em ambientes extremos tão especializados como as chaminés de rocha nas profundidades dos oceanos que, se alcançarem os 350 °C, entram em erupção? Alguns cientistas alegam que foi exatamente em tais circunstâncias que a vida no planeta se originou – em um ambiente quente e com pouco oxigênio, banhado nos fluidos ricos em minerais que brotam das aberturas hidrotermais. Assim vivem os archaea, como (talvez) poderiam ter vivido há 3,5 bilhões de anos.[11] Mas nada mais nada menos que o pai das experiências modernas sobre a origem da vida, Stanley Miller, apontou que os “blocos de construção” da vida são muito instáveis para um início de vida quente.[12]
           
E, de qualquer forma, não existem microrganismos vivendo somente em ambientes  de extremo calor. Como explicar a evolução das archaeas que vivem nas calotas polares, em ambientes hipersalinos ou ácidos, em ambientes desérticos ou mesmo na densa atmosfera?[13] E ainda mais curioso e desafiador é o fato de que alguns extremófilos são capazes de suportar extremos físicos além de qualquer coisa presente no ambiente natural. Por exemplo, a bactéria Deinococcus radiodurans foi encontrada em latas de carne que foram esterilizadas (ou assim se pensou) com radiação gama.[14] Enquanto milhares de rads de radiação ionizante são suficientes para matar uma pessoa adulta, essa bactéria pode sobreviver a 12 milhões de rads! De acordo com a teoria da evolução, um organismo possuirá apenas os atributos de que precisa para sobreviver. Então, onde a Deinococcus vivia que precisava suportar 12 milhões de rads de radiação gama, sendo que a radiação natural na Terra fica numa fração muitíssima abaixo desse valor? A melhor “escapatória” para essa interrogação foi sugerir que supostamente esse organismo evoluiu para resistir à extrema secura e, portanto, a resistência à radiação é apenas uma consequência fortuita desse processo evolutivo.[15]
           
Em contraste, para os criacionistas que acreditam na Bíblia, a habilidade da vida para “conquistar” e habitar ambientes extremos não deve ser tão surpreendente, já o Senhor ordenou que os seres vivos deveriam se multiplicar e “preencher” a Terra (Gênesis 1:28). E quando levamos em consideração esse texto, podemos compreender outros exemplos de criaturas que ocupam os locais mais severos do planeta, quebrando ainda mais os argumentos dos evolucionistas e eliminando qualquer pseudoparadigma para os criacionistas. Pois não são apenas organismos unicelulares (uma única célula) que vivem nesses ambientes hostis, mas criaturas multicelulares (muitas células) também. Por exemplo, o verme de Pompeia (Alvinella pompejana) vive em tubos que ele constrói ao lado das chaminés fumegantes mencionadas anteriormente. A temperatura dentro desses tubos foi medida em 85 °C [16] e também foi relatado um caso de um desses vermes que abandonou seu tubo e aderiu em torno da sonda de temperatura dos pesquisadores, mostrando 105 °C.[17] E o que dizer do Hesiocaeca methanicola que foi encontrado vivendo no fundo do mar no Golfo do México, em uma mistura cristalina de água, metano e outros hidrocarbonetos numa temperatura relativamente baixa.[18] Essas criaturas se adaptaram para viver em uma parede de gelo feita de metano, onde elas lentamente se enterram em seu habitat. Mas não é muito esforço simplesmente para ter uma moradia? Como um pesquisador comentou: “Por que esses vermes trocaram uma vida boa na lama por uma vida no gelo é um enigma.”[17, tradução do autor]
           
Mas de todos os organismos até agora identificados que podem viver em ambientes hostis, os mais resistentes do planeta são, de longe, os tardígrados. Você pode congelá-los, fervê-los, secá-los, não alimentá-los por semanas e ainda colocá-los no vácuo – eles sobreviverão. Cerca de 700 espécies de tardígrados já foram identificadas em lugares que vão desde os picos congelantes do Himalaia até os desertos mais quentes e secos. Como resistem a tais extremos do ambiente? Eles podem “desligar” seu metabolismo em condições desfavoráveis. Quando os ambientes ficam insuportavelmente quentes, ou frios ou secos, por exemplo, muitos tardígrados enrolam-se no formato de um barril, que é sua armadura de resistência.[19] Eles então fazem os preparativos bioquímicos para se “fechar” (mesmo a respiração cessa completamente). Mais tarde, quando as circunstâncias favoráveis retornam, o tardígrado se desenrola e a vida continua como antes, normalmente.
           
Até onde está conhecido, o registro de maior sobrevivência (neste caso, sem água) foi de 120 anos para tardígrados retirados do musgo seco de um museu na Itália.[20]
           
E os biólogos ficam espantados com o tipo de tratamento de laboratório que esses animais são capazes de suportar (muitas vezes, muito pior do que qualquer condição que poderiam experimentar na Terra). Por exemplo, eles “ressuscitaram” após terem sido congelados com hélio líquido (-272 °C), apenas uma fração acima do zero absoluto (-273 °C), a menor temperatura possível. Em outro exemplo, eles sobreviveram sendo aquecidos a 151 °C. Também resistiram após serem disparados raios-x com uma intensidade 250 vezes mais forte do que a frequência que mataria um ser humano. E há muitas outras coisas impressionantes que desconhecemos que essas criaturas conseguem realizar.[20]
           
Como apontado antes, a capacidade dos tardígrados de sobreviver ao serem submetidos a tratamentos de laboratório tão extremos (radiação, baixa temperatura, pressão hidrostática), muito mais severos que qualquer ambiente terrestre, apresenta uma clara dificuldade para a teoria evolutiva. E não são apenas os tardígrados. Com um aumento na pesquisa e exploração dos microrganismos extremófilos e outros organismos capazes de suportar condições muito mais severas do que em qualquer lugar da Terra, o desafio para os evolucionistas torna-se ainda mais intratável. Isso ocorre porque a seleção natural só pode selecionar as características necessárias para a sobrevivência imediata. Consequentemente, não se pode esperar que a evolução “invente demais”, transformando criaturas que possam suportar uma série de ambientes que nunca enfrentaram.
           
Para os cristãos, porém, o “excesso de design” dessas criaturas revela um Designer (Romanos 1:20), e não é de se surpreender que Deus também tenha incorporado em alguns seres vivos a capacidade de se deslocar e “preencher” o mundo inteiro, tal como Ele havia ordenado (Gênesis 1). E, de fato, vemos hoje essa ordem se cumprindo, ao encontrarmos vida desde os ambientes mais severos do oceano até o topo da montanha mais densa. De polo a polo, mesmo nas extremidades da Terra, a natureza revela seu Criador.

(Weliton Augusto Gomes é biólogo e diretor de ensino e pesquisa do Núcleo Curitibano da Sociedade Criacionista Brasileira [NC-SCB])

Referências:
[1] Brock, T. D. et al (1972). Sulfolobus: a new genus of sulfur-oxidizing bacteria living at low pH and high temperature. Archiv für Mikrobiologie, 84(1), 54-68.
[2] Fiala, G., & Stetter, K. O. (1986). Pyrococcus furiosus sp. nov. represents a novel genus of marine heterotrophic archaebacteria growing optimally at 100 C. Archives of Microbiology, 145(1), 56-61.
[3] Blöchl, E. et al (1997). Pyrolobus fumarii, gen. and sp. nov., represents a novel group of archaea, extending the upper temperature limit for life to 113 C. Extremophiles, 1(1), 14-21.
[4] Murray, A. E. et al (2012). Microbial life at− 13 C in the brine of an ice-sealed Antarctic lake. Proceedings of the National Academy of Sciences, 109(50), 20626-20631.
[5] Oren, A. et al (1990). Haloarcula marismortui (Volcani) sp. nov., nom. rev., an extremely halophilic bacterium from the Dead Sea. International Journal of Systematic and Evolutionary Microbiology, 40(2), 209-210.
[6] Para uma maior compreensão dessa mudança na classificação biológica e os estudos realizados por Carl Woese, ver: Woese, C. R. et al (1990). Towards a natural system of organisms: proposal for the domains Archaea, Bacteria, and Eucarya. Proceedings of the National Academy of Sciences, 87(12), 4576-4579.
[7] Des Marais, D. J. et al (2008). The NASA astrobiology roadmap. Astrobiology, 8(4), 715-730.
[8] Rothschild, L. J., & Mancinelli, R. L. (2001). Life in extreme environments. Nature, 409(6823), 1092.
[9] Gilbert, W. (1986). Origin of life: The RNA world. Nature, 319(6055), 618.
[10] Lal, A. K. (2008). Origin of life. Astrophysics and Space Science, 317(3-4), 267-278.
[11] Willmer, P. G. (2000). Extremophiles in the raw. Nature 408(6814):771.
[12] Miller, S. L. & Lazcano, A. (1995). The origin of life—did it occur at high temperatures?. Journal of Molecular Evolution, 41(6), 689-692.
[13] DeLeon-Rodriguez, N. et al (2013). Microbiome of the upper troposphere: species composition and prevalence, effects of tropical storms, and atmospheric implications. Proceedings of the National Academy of Sciences, 110(7), 2575-2580.
[14] Cox, M. M., & Battista, J. R. (2005). Deinococcus radiodurans—the consummate survivor. Nature Reviews Microbiology, 3(11), 882.
[15] Travis, J. (1998). Meet the superbug: Radiation‐resistant bacteria may clean up the nation's worst waste sites. Science News, 154(24), 376-378.
[16] Desbruyères, D. et al (1998). Biology and ecology of the “Pompeii worm”(Alvinella pompejana Desbruyères and Laubier), a normal dweller of an extreme deep-sea environment: a synthesis of current knowledge and recent developments. Deep Sea Research Part II: Topical Studies in Oceanography, 45(1-3), 383-422.
[17] Dor, S. (1998) Extreme worms. New scientist, 159(2144), 48-50.
[18] Fisher, C. R. et al (2000). Methane ice worms: Hesiocaeca methanicola colonizing fossil fuel reserves. Naturwissenschaften, 87(4), 184-187.
[19] Vecchi, M. et al (2018). The Microbial Community of Tardigrades: Environmental Influence and Species Specificity of Microbiome Structure and Composition. Microbial ecology, 1-15.
[20] Durvasula, R. V., & Rao, D. S. (Eds.). (2018). Extremophiles: From Biology to Biotechnology. CRC Press.