sábado, julho 14, 2018

A criação das plantas antes da luz (parte 2)

Uma leitura superficial dos primeiros capítulos de Gênesis pode trazer algumas dúvidas interessantes. Uma dessas dúvidas é com relação à existência das plantas antes da luz solar. Se o Sol teria sido criado no quarto dia, como as plantas sobreviveram sem a luz dele, sendo que elas foram criadas no terceiro dia e precisam de luz para sobreviver?

Gênesis 1:11, 12: "Então disse Deus: 'Cubra-se a terra de vegetação: plantas que deem sementes e árvores cujos frutos produzam sementes de acordo com as suas espécies.' E assim foi. A terra fez brotar a vegetação: plantas que dão sementes de acordo com as suas espécies, e árvores cujos frutos produzem sementes de acordo com as suas espécies. E Deus viu que ficou bom."

Como já explicamos na primeira parte desta série, Deus cria todas as plantas no terceiro dia da criação. E seguindo a narrativa bíblica temos a impressão de que as plantas não poderiam existir nem sobreviver sem a luz solar (ou qualquer outra fonte de luz) nesse terceiro dia da criação.

Sabemos que Deus é onipotente e poderia manter a criação em perfeito estado, dependendo somente Dele (Ap 21:23, 24). Porém, na narrativa bíblica vemos que as plantas ficaram no máximo 24 horas sem luz solar, já que essa luz apareceu somente no quarto dia. Não há problema nenhum em ficar um dia sem luz solar; na verdade, o período "sem luz" é essencial para a floração da planta.[1] Por meio de experimentos com fotoperíodo, deduziu-se que o estímulo para a floração resulta de determinado tempo ininterrupto no escuro e não da duração do dia. Algumas experiências provaram que a reação ao fotoperíodo é provocada pela folha.

Variação estacional do fotoperíodo em diferentes latitudes do Hemisfério Sul. Adaptado de Bergamaschi (2009)

Os fitocromos são pigmentos protéicos das células vegetais, que respondem pela absorção da luz, exercem influência na floração, na germinação de alguns tipos de semente. O fitocromo R, inativo, absorve luz de comprimento de onda de 660 nm; é a forma mais estável do pigmento. O fitocromo F absorve a luz vermelha de comprimento de onda mais longo: 730 nm, e é o pigmento ativo.

A Zamioculca (Zamioculcas zamiifolia) é uma planta que precisa de pouca luz solar para se desenvolver. Geralmente é cultivada em ambientes fechados e usada para ornamentação
Ou seja, o período escuro é tão importante quanto o período de luz em que a planta é exposta. Isso nos mostra que Deus preparou todos os detalhes da criação em perfeito estado de funcionamento. Todas as coisas foram criadas funcionando do jeito que era para funcionar.

Apesar de já termos a elucidação do problema de forma simples pelo texto, queremos dar outra explicação para essa criação das plantas "sem a luz do sol". Vamos ler o texto que se segue, Gênesis 1:14-19: "Disse Deus: 'Haja luminares no firmamento do céu para separar o dia da noite. Sirvam eles de sinais para marcar estações, dias e anos, e sirvam de luminares no firmamento do céu para iluminar a terra.' E assim foi. Deus fez os dois grandes luminares: o maior para governar o dia e o menor para governar a noite; fez também as estrelas. Deus os colocou no firmamento do céu para iluminar a terra, governar o dia e a noite, e separar a luz das trevas. E Deus viu que ficou bom. Passaram-se a tarde e a manhã; esse foi o quarto dia."

Evidentemente que no momento da criação já havia matéria presente na Terra antes do primeiro dia. Havia água, e água em estado líquido. Água cobrindo um planeta rochoso que estava sem forma e vazio. Sabemos que para haver água ou qualquer outra matéria é necessário que haja fótons. A água, como qualquer outra substância, é feita de moléculas. Moléculas são feitas de átomos conectados por forças eletromagnéticas. A própria estrutura do átomo existe por causa de forças eletromagnéticas, pois é esse tipo de interação que mantém a eletrosfera (nuvem eletrônica) presa ao núcleo do átomo. As interações eletromagnéticas consistem em fótons virtuais e reais. Não existem interações eletromagnéticas sem fótons. Sem interações eletromagnéticas, não há átomos, nem moléculas e nem matéria como a conhecemos.

O Sol já existia no momento da criação das plantas. Porém, do ponto de vista de um observador, ainda não era visto. Deus ainda não tinha "revelado" o Sol ao ponto de vista da Terra. Quem sabe os gases da atmosfera ainda cobrissem a face da Terra impedindo que a luz solar chegasse de forma plena. Quando Deus separa as águas da criação a narração nos diz que "apareceu a terra seca". E a mesma narrativa acontece no quarto dia da criação, quando o Sol "aparece" para a Terra. Devemos ter cuidado em analisar o texto, pois a expressão do versículo 16 "fez também as estrelas" não está explícita no original. Esse trecho apenas foi inserido para dar sentido ao texto.

Gênesis 1:16, onde podemos verificar que "fez também as estrelas" não pertence ao texto original
A teoria criacionista do intervalo-passivo dá conta de que o Universo é antigo, foi criado em um período anterior, em um tempo indeterminado. E a vida na Terra é jovem. Em seu livro Origens, o zoólogo e paleontólogo Dr. Ariel Roth, ex-diretor do Geoscience Research Institute, nos informa que esse modelo é considerado uma variação do criacionismo da Terra Jovem.[2: p. 330] O modelo defende que Deus criou o Universo (espaço-tempo), estrelas e sistemas planetários, incluso a matéria da Terra (partículas elementares) em eras anteriores (época indeterminada), mas preparou a Terra para a vida e criou a vida somente poucos milhares de anos atrás, em seis dias (note a semelhança com o modelo geral da Terra Jovem).[3]

Comparando os modelos da Terra jovem e do intervalo passivo

Nesse caso, a semana da criação relatada em Gênesis corresponde, portanto, somente ao período de modelagem da Terra (que sucedeu o período indeterminado desde a criação do Universo) para ter as condições necessárias para a existência da vida, bem como a própria vida em todas as suas manifestações.[4, 5] Nesse segundo caso, ainda, os demais planetas e luas do Sistema Solar teriam permanecido em seu estado original, sem forma e vazios, como eram desde o início da época indeterminada que precedeu a semana da criação.[1: p. 23]

Mais informações sobre o universo antigo e o intervalo passivo podem ser encontradas em outros artigos aqui no blog.

Então não vemos nenhuma contradição no relato da criação. Além da soberania de Deus, que é o Sol da justiça e poderia ter mantido a criação em pleno funcionamento até o surgimento dos "luzeiros", temos os fotoperíodos vitais para as plantas e que foram respeitados em Gênesis. Mas tudo indica que o Sol e todas as estrelas e astros do Universo já estavam presentes antes do primeiro dia da criação, conforme o modelo do intervalo passivo.

Alex Kretzschmar 


Referências:

[1] Zadoks, J.C., T.T. Chang, and C.F. Konzak. 1974. A decimal code for the growth stages of cereals. Weed Res.
[2] Roth AA. Alternativas entre a Criação e a Evolução. Capítulo 21, pp.328-41. In: Roth AA. Origens. 2. Ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2016.
[3] Sanghoon J. Interpretations of Genesis 1:1. Journal of Asia Adventist Seminary 2011; 14(1): 1-14.
[4] Coffin HG. Origin by Design. Hagerstown, MD: Review and Herald, 1983, 292–293.
[5] Widmer M. Older than creation week? Adventist Review 1992; 169(4):454-62.