quarta-feira, julho 25, 2018

No princípio: por uma explicação das origens que inclua Deus

Vivemos ainda na tão proclamada pós-modernidade, sob o guarda-chuva conceitual do “Deus está morto” nietzschiano, seja qual for a interpretação dada a esse pensamento. Sendo assim, esta é uma época caracterizada pela incerteza e, como tal, um tempo de pluriontologias em que – na opinião das pessoas guiadas pelo nietzscheísmo ou por outras filosofias relativistas – não há resposta última, absoluta ou definitiva para explicar a realidade. A impressão que se tem, no entanto, é a de que as metanarrativas não morreram com a suposta morte de Deus, mas continuam por aí competindo entre si e guerreando com as “espadas” da ciência, da filosofia e da teologia.

O pluralismo ontológico - estranho desafio à metafísica - “sustenta que realmente não há uma resposta certa para muitas perguntas ontológicas. De acordo com o pluralista ontológico, há apenas maneiras diferentes de descrever a realidade, e nenhuma delas é mais correta ou mais precisa do que a outra. Não há nenhuma verdade absoluta em resposta a essas perguntas”. Em resumo, tudo é provisório, e estar convicto de algo seria o mesmo que se autoenganar ou, quando muito, participar de um jogo de linguagens. Consequentemente, a pergunta “o que é a verdade?” perde o sentido, restando apenas a crença de que a verdade é um construto da mente humana. Todavia, há um impulso por respostas profundas agitando o íntimo do homem, sempre incomodando-o. Ele não abre mão, sobretudo, de tentar entender a origem do Universo e do mundo nos quais está inserido. Inquieta e curiosa, a humanidade lança o olhar ao longínquo e nebuloso passado e indaga: “Qual ontologia poderia me dizer de onde eu vim e quem eu sou?”

Na concepção científica majoritária, a teoria geral da evolução (nas suas modalidades de evolução cósmica, química e biológica) constitui o fator explanatório por excelência “capaz” de apresentar respostas acerca das origens. O discurso de seus porta-vozes mais dogmáticos propõe: “Darwin efetivamente varreu o propósito para o lado no mundo vivo”, e “todas as reimposições do propósito são artifícios dos religiosos para alimentarem a sua fé”. Pensando assim, Peter Atkins, químico de Oxford, não vê nenhuma contribuição a ser oferecida pela religião, pois ela só apresenta “soluços vazios e flatulência verbal que passa por exposição teísta”. Na imaginação radical desse cientista ateu, “a humanidade deve aceitar que a ciência eliminou a justificação para crer no propósito cósmico”. Em seu livro Creation Revisited, Atkins acredita que o Universo surgiu porque “por acaso houve uma flutuação no vazio”: tese mais espantosa e fantástica do que apelar para o Criador!

Os opositores do modelo bíblico das origens acentuam a superioridade da teoria da evolução como o melhor modelo apresentado pela ciência, caso Deus seja excluído das explicações. Entretanto, conforme salienta o zoólogo criacionista Ariel Roth, “a perseverança que os evolucionistas têm demonstrado é altamente elogiável. Mas, após dois séculos de uma busca essencialmente infrutífera, chegou a hora de os cientistas considerarem com seriedade alternativas não naturalistas. O planejamento da vida por uma inteligência racional como Deus parece necessário para explicar aquilo que a ciência está continuamente descobrindo”. Porém, esclarece Roth, “essencialmente Deus é excluído dos compêndios e revistas científicos. Como atualmente praticada, a ciência é uma combinação peculiar de pesquisa em busca da verdade sobre a natureza, e de filosofia secular excludente de Deus. Lidamos hoje com uma comunidade científica que tem esse forte compromisso materialista (mecanicista, naturalístico), que considera anticientífico incluir Deus como fator explanatório na ciência. Não é permitida a presença de Deus no cardápio das possíveis explanações científicas. Isso desmente o quadro usual da ciência, que é apresentada como pesquisa aberta da verdade, que segue os dados da natureza para onde eles possam conduzir”.

De várias maneiras, há esforços poderosos a fim de eliminar Deus da paisagem do mundo natural. É “pecado” mencioná-Lo. Quanto a decifrar o enigma das origens, a ciência materialista proclama sua total confiança na razão humana e em suas ferramentas de laboratório. Nada contra a tentativa, uma vez que “pode ser inofensivo pesquisar além do que a Palavra de Deus revelou, se nossas teorias não contradizem fatos encontrados nas Escrituras; mas aqueles que deixam a Palavra de Deus e procuram explicar Suas obras criadas por meio de princípios científicos, estão vagando sem mapa nem bússola em um oceano desconhecido”, adverte Ellen G. White.

O orgulhoso cientificismo não reconhece a existência de uma fronteira demarcada pela Revelação, além da qual não podemos passar; limite imposto pelo “está escrito”. Em palavras mais exatas: “Precisamente como Deus realizou a obra da criação, jamais Ele o revelou ao homem; a ciência humana não pode pesquisar os segredos do Altíssimo. Seu poder criador é tão incompreensível como a Sua existência”. Essa declaração de Ellen G. White encontra eco em Phillip Johnson, um dos proponentes do Design Inteligente: “A investigação científica da origem da vida está efetivamente fechada como se Deus tivesse reservado o assunto apenas para Si mesmo.” Seria isso arbitrariedade divina, capricho, tal como a mítica ação de Zeus que acorrentou Prometeu nos rochedos do Cáucaso porque o titã roubou o fogo dos deuses e levou o conhecimento aos homens? Por que então a porta da explicação última continua fechada? Quem sabe para levar o homem ao reconhecimento de suas limitações; para mostrar-lhe que o domínio total da matéria é de outro Ser; para conscientizá-lo de que não é um deus, mas criatura; para frear o seu poder destruidor sobre a natureza e até para lhe permitir avançar no conhecimento. E o mais importante: deixar viva no homem a necessidade de adoração. Por isso, o Criador pergunta aparentemente em tom de desafio:

 

Onde você estava


Quando os elétrons bailaram pela primeira vez / E o Universo ferveu, aceso, no calor da criação?
Por acaso, assistiu / Quando as bolhas de fogo giraram em rodas amarelas, / E romperam, com chamas, os limites da escuridão?

Você não viu./ Nem contemplou o esplendor, / Pois seus olhos humanos / Não suportariam o calor. / Mas Eu vi!

E foi você / Quem escreveu a melodia que ressoou em ondas, / Chamando os átomos para dançar com as estrelas? / Certamente não foi, / Pois essa música foi escrita em tons maiores, / E veio autenticada com as Minhas chancelas.

Você não a compôs. / Nem seguiu a melodia, / Pois sua voz humana / Não alcança a escala. / Mas Eu cantei.

E como se atreve a dizer, / (Você, fraco, frágil e passageiro) / “Eu sou quem observa: sem mim nada existe!”? / Tolo! Como se vivesse para sempre! / Nem viu seu filho se formar no útero da mãe. / Ao nascimento do Cosmos, há Um só que assiste.

Sim, Eu observei. / Eu fiz os traços / E dirigi os passos / Eu sou o Senhor da Dança / Sou Eu.

No estudo da natureza não precisa haver duelo entre Deus e homem. As sentenças poéticas acima podem ser entendidas como um convite à investigação, ao raciocínio e à pesquisa, os quais levem em consideração o Agente divino como o fundamento da realidade material. Vemos desafio semelhante nos capítulos 38 a 41 do livro de Jó, onde Deus Se apresenta como o “grande Inquisidor”, levantando perguntas sobre o mundo natural perante o sofrimento inexplicável de Sua criação. O texto mostra um Pai que cuida do mundo, especialmente dos seres humanos (Mateus 10:29-31), evidenciando o controle e a soberania divina sobre todos os fenômenos e acontecimentos, mesmo os mais dramáticos.

Investigar a natureza, dominando-a benignamente, significa encontrar a Fonte espiritual da matéria, porquanto “qualquer que seja o ramo de investigação a que procedamos com um sincero propósito de chegar à verdade, somos postos em contato com a Inteligência invisível e poderosa que opera em tudo e através de tudo”. As coisas criadas estão aí para nos ensinar não apenas sobre elas mesmas, mas também acerca do seu Autor. Esta é a tese de Jó ao declarar: “Mas, pergunta aos animais, e cada um deles te ensinará, e às aves dos céus, e elas te farão saber; ou fala com a terra, e ela te instruirá, até os peixes do mar te informarão. Qual dentre todas essas coisas não sabe que a mão do Senhor fez isto?” (Jó 12:7-9). Igual pensamento tinha o teólogo e filósofo medieval Boaventura. Ele acreditava ser a criação um guia para o Criador: “Todas as criaturas deste mundo sensível conduzem a alma da pessoa sábia e contemplativa para o Deus eterno, já que são as sombras, ecos e efígies, os vestígios, imagens e manifestações desse primeiro princípio mais poderoso, sábio e melhor que há; dessa origem eterna, luz e plenitude, dessa Arte produtiva, exemplar e ordenadora. São postos diante de nós para que conheçamos Deus; são sinais divinamente dados. Pois toda criatura é, por natureza, um tipo de retrato e semelhança dessa Sabedoria eterna.”

No tocante a processos empíricos e laboratoriais, explicar o funcionamento das leis da natureza permitiu à ciência grande desenvolvimento. Contudo, a ciência humana ainda é uma criança assustada e impotente quando se depara com o “início dos tempos”. Sonhar, conjecturar, hipotetizar e construir modelos teóricos é o máximo que ela consegue. Verdadeiramente, “pensar os pensamentos de Deus de acordo com Ele”, consoante o ilustre astrônomo Johannes Kepler, deveria ser o objetivo do empreendimento científico, já que “o principal objetivo de todas as investigações do mundo exterior deveria ser o de descobrir a ordem racional nele imposta por Deus e por ele revelada na linguagem da matemática”.

No princípio...

Em se tratando das origens, sempre nos sustentaremos em argumentos de autoridade: ou no que afirmam os cientistas e filósofos com suas controversas especulações ou no que declara a Revelação. Com Gênesis ou sem o fiat divino, essa busca por explicações só indica uma coisa: queremos saber! Não há objetivo filosófico e científico mais nobre. Entretanto, a resposta última e mais adequada terá características sempre metafísicas e religiosas: Deus fez! Quando os cientistas, com seus processos de investigação, reconhecerem tal fato, terão realizado sua maior descoberta e dado o maior salto de humildade da história.

Frank de Souza Mangabeira