quinta-feira, agosto 02, 2018

Terra nova em um universo antigo

Sentimos que há divergências no pensamento cristão sobre uma questão que envolve o livro de Gênesis e nossas origens. Alguns defendem que o Universo e a Terra são jovens, que sua idade é de cerca de seis mil anos. Outros defendem que o Universo é antigo, mas a vida na Terra é jovem. E aí existe uma confusão de termos e muitos acabam rejeitando pensamentos mesmo antes de compreendê-los. Muitos até acham que são teorias opostas, que se contradizem e mal sabem que uma é o upgrade da outra. O projeto Onze de Gênesis e este blog defendem o Universo antigo, porém não vemos nenhum problema na defesa da Terra jovem. Longe de estarmos em cima do muro, vemos que este debate é uma oportunidade de crescimento para o criacionismo. Neste texto, vamos defender a ideia do Universo antigo.

Antes de mais nada, queremos deixar claro que não estamos defendendo a interpretação alegórica de Gênesis. Rejeitamos as teorias do intervalo ativo, da lacuna (hiato) e do caos e restauração. Defendemos a literalidade do texto bíblico e cremos que a semana da criação ocorreu em um período recente (vida jovem) e de dias literais de 24 horas. Ou seja, qualquer tentativa de figuração do texto de Gênesis não é a visão que o projeto Onze de Gênesis e este blog defendem. Também cremos que Deus é soberano e pode ter criado tudo pronto e funcional; que Seu poder pode ter formado todas as coisas com aparência de antigas e isso encerra nossa discussão.[1] Deus fez e ponto final! Sidlow Baxter, quando comenta sobre Gênesis, diz: Pelo fato de ter sido colocado logo no início dos 66 livros, Gênesis nos faz dobrar os joelhos em obediência reverente diante de Deus, por exibir diante dos nossos olhos, e trovejar em nossos ouvidos, aquela verdade que deve ser aprendida antes de todas as outras em nosso trato com Deus, em nossa interpretação da história e em nosso estudo da revelação divina, a saber, a soberania divina.[2]

Porém, discutir as questões da criação é algo maravilhoso. Renova e fortalece nossa fé. Para entendermos as duas propostas, elaboramos um infográfico:

Comparando os modelos da terra jovem e do intervalo passivo
Após retirarmos todas as interpretações alegóricas das declarações preliminares, restam-nos os dois modelos bíblicos de interpretação. Infelizmente, às vezes os rótulos tendem a atrapalhar essa discussão. Quando assumimos que somos da “turma” do universo antigo, parece que defendemos a teoria darwinista; alguns entendem que estamos endossando os “milhões de anos” evolutivos e contrapondo os dias literais de Gênesis. Mas, na verdade, quem defende o universo antigo pode crer em uma Terra jovem (terraformação). Vamos definir os dois pensamentos:

Modelo da Terra jovem - Defende que o Universo, incluindo o sistema solar, e todas as manifestações de vida, e todos os exércitos celestiais foram criados em um tempo recente. Cerca de seis mil anos atrás.
Universo e planeta Terra com seis mil anos de idade.
Modelo do universo antigo (ou intervalo passivo) - Defende que o Universo (espaço-tempo) foi criado anteriormente em algum momento indeterminado do passado. Mas Deus modelou a Terra, ou seja, preparou a Terra para a vida em um tempo recente - cerca de seis mil anos atrás.
Universo em um tempo anterior indeterminado e terraformação recente com seis mil anos de idade.
Então, aqui já identificamos o problema. O problema é quando o Universo começou a existir? Pois da semana da criação em diante existe concordância com os termos. Quais as evidências e os problemas para um universo jovem? Quais as evidências e problemas para um universo antigo?

Quem defende que o Universo é jovem tem afirmado que a palavra “céus” em Gênesis 1 significa “espaço sideral” ou “Universo”, e que a palavra “terra” se refere ao nosso planeta Terra. Porém, essas passagens não são suficientes para se afirmar tal coisa. A palavra “céus” pode significar Universo (de acordo com o pensamento atual) ou significa apenas atmosfera (conforme definido em Gênesis 1:8). Levando isso em conta, não podemos fazer afirmações sobre a criação do Universo com base em Gênesis 1. O termo “universo” nem existia quando o livro de Gênesis foi escrito. O escritor estava concentrando sua narração nos acontecimentos deste planeta. O foco era a Terra e a ação de Deus neste lugar.
Interpretação dos termos “céus” e “terra” em Gênesis 1.


Porém, temos outro texto que parece conflitar com a ideia de um universo antigo. Em Êxodo 20:11 lemos: Em seis dias fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia descansou; portanto abençoou o Senhor o dia do sábado, e o santificou.

Perceba que não há referência ao Universo nesses versos. Achar que “céus” seja uma referência ao Universo é um anacronismo, isto é, atribuir significados atuais a palavras do texto bíblico. É preciso buscar o sentido nos próprios textos bíblicos. Gênesis 1:8 explica o que está sendo chamado de “céus”: a expansão que separa as águas de cima das debaixo. Se não apelarmos para hipóteses mirabolantes e lembrarmos que a Bíblia fala nas águas de cima como sendo a fonte de onde vem a chuva, fica bem claro que “céus” é a atmosfera. E em Gênesis 1:10 é dito que “terra” é a porção seca. Então basta ler o texto e usar as definições que ele mesmo traz para entender que “céus e terra” não significa “Universo e planeta Terra”, mas “atmosfera e solo”, isto é, “céus e terra com todo o seu exército” é simplesmente o planeta Terra com tudo o que ele tem.
Em defesa do universo antigo existem textos como Provérbios 8, que volta no tempo até falar de uma época em que nem sequer o princípio do pó deste mundo existia. Outro texto interessante é Jó 38 e Hebreus 11:3.

Mas o fato é que não podemos estabelecer pelo texto bíblico quando o Universo foi criado; isso passa a ser uma questão de preferência intelectual na hora da interpretação. Ambos os modelos possuem textos ambíguos sobre quando o Universo foi criado.

No entanto, aqui estão outros argumentos que ajudam a sustentar a ideia do universo antigo. Vou enumerar os argumentos que creio sejam válidos para defender esse pensamento:

1. UMA TERRA SEM FORMA E VAZIA (Gn 1:2)
Um planeta sem forma antes da semana da criação nos chama a atenção. Quando Deus criou isso? E aqui, logicamente, não verificamos que havia algo antes da terraformação? Deus começa o ato criativo, em dias literais, com um planeta sem ordem e vazio. E Deus começa a criar a ordem lógica para a vida existir nesse planeta. Organiza a rotação do planeta, organiza a atmosfera, a porção seca, as plantas, o Sol se torna visível, os animais e o ser humano são criados. Existe uma ordem lógica olhando desse ponto de vista. Além disso, existe algo intrínseco nesse argumento: a presença de fótons. E sem fótons não há matéria.

A água, como qualquer outra substância, é feita de moléculas. Moléculas são feitas de átomos conectados por forças eletromagnéticas. A própria estrutura do átomo existe por causa de forças eletromagnéticas, pois é esse tipo de interação que mantém a eletrosfera (nuvem eletrônica) presa ao núcleo do átomo. As interações eletromagnéticas consistem em fótons virtuais e reais. Não existem interações eletromagnéticas sem fótons. Sem interações eletromagnéticas, não há átomos, nem moléculas e nem matéria como a conhecemos.

Antes da semana da criação havia matéria. Isso indica que o universo físico já era existente.

2. ÁGUA LÍQUIDA
Água em forma líquida indica que o Sol já existia antes da semana da criação. Muitos defendem que essas águas mencionadas aqui estavam em estado gasoso ou sólido, mas o texto bíblico é claro. A palavra hebraica mayim (מים) se refere a água em estado líquido.[3]

3. SOL, LUA E ESTRELAS NO QUARTO DIA
No quarto dia da criação é mencionado o aparecimento do Sol e da Lua, mas não o das estrelas, por exemplo – o texto em hebraico diz que Deus fez o luminar grande para dominar o dia e o pequeno para dominar a noite e as estrelas, não fala em criação das estrelas. Algumas traduções em português acrescentaram o termo para dar sentido ao texto. O texto também fala que os astros “apareceram” do ponto de vista do observador. A mesma coisa ocorreu com a terra seca, que apareceu quando as águas se juntaram (Gn 1:9). Ou seja, tanto a terra seca quanto as estrelas existiam e só foram reveladas.

Uma densa nuvem no primeiro dia da semana da criação ocultava o Sol, a Lua e as estrelas. Embora presentes, não eram visíveis a partir da Terra. Podemos comparar com um dia nublado, e a retirada completa desses gases (poeiras) foi no quarto dia. Por isso que os luminares são mencionados somente no quarto dia.
4. FORÇAS FÍSICAS
A criação do Sol no quarto dia não se encaixa no restante da sequência lógica. Quando um item B depende de um item A, Deus cria primeiro A e depois B. Por exemplo, plantas precisam de ar. Então Deus prepara a atmosfera antes da criação das plantas. Animais terrestres precisam de terra seca. Então Deus faz emergir a terra seca antes de criar os animais terrestres. O ciclo noite-dia depende do Sol, assim como a manutenção da temperatura adequada na Terra e o próprio ciclo de noite e dia são condições importantes para as plantas. Deus poderia sustentar as plantas pelo Seu poder, mesmo sem atmosfera, mas isso seria desnecessário, pois bastaria criar a atmosfera antes das plantas. O mesmo vale para o Sol. A Lua é importante para estabilizar a rotação da Terra para que o ciclo noite-dia seja regular.

5. UNIVERSO JOVEM E FALSOS ARGUMENTOS
Como falamos acima, biblicamente pode ser uma questão de interpretação e gosto literário. O problema é quando o cristão desinformado tende a defender esse ponto de vista usando argumentos falaciosos. Isso faz com que o trabalho criacionista seja envergonhado por opositores e caiamos em descrédito. Você já deve ter ouvido frases do tipo: “Se a evolução é verdadeira, por que não estamos mais evoluindo?”, ou: “Dinossauros foram criados por evolucionistas e seus fósseis foram produzidos para enganar os cristãos!” Quando não estudamos, não nos informamos, corremos o perigo de cair em uma espécie de “fideísmo do ridículo” e isso é péssimo para a reputação cristã. Enumeramos alguns argumentos estranhos usados por quem defende o universo jovem:

  • Existe material interestelar com temperaturas não tão baixas (nuvens de poeira, nebulosas). Se o Universo fosse antigo, esse material já estaria muito frio.
  • Se levarmos em conta a velocidade das estrelas em cada galáxia, constataremos que as galáxias não são estáveis e não podem durar muito, pois as estrelas se dispersarão pelo espaço ao longo do tempo.
  • Galáxias chocam-se entre si. Se o Universo fosse antigo, todas as galáxias já teriam se chocado.
  • Galáxias espirais não podem ser antigas, pois as espirais se desfazem depois de algum tempo.[4]
Imagens de galáxias colidindo capturadas pelo Telescópio Espacial Hubble.
Existem outros argumentos que, como esses, podem parecer razoáveis para os leigos, mas soam absurdos para quem conhece mais detalhes desses assuntos.

Note que interessante: um fenômeno que demora bilhões de anos para acontecer é usado como “evidência” de que o Universo é jovem. Evolucionistas têm acusado criacionistas de desonestidade intelectual quando se deparam com argumentos assim. Podemos culpá-los por isso?

6. CRIAÇÃO EM DUAS ETAPAS
Para fins didáticos, podemos dizer que a criação se deu em dois estágios. Primeiro Deus criou o Universo (espaço e tempo) e depois criou a vida. Portanto, o relato da criação apresenta a ação de Deus em dois estágios: o primeiro, criando a matéria (Gn 1:1, 2); e o segundo, dando forma a essa matéria e trazendo à existência seres viventes (Gn 1:3-31). Para alguns teólogos,[5] a ideia de uma criação em duas etapas não é nova. Na criação do homem, Deus usou o pó da terra (matéria pré-criada) para formar Adão e lhe deu o fôlego de vida. Para criar Eva, Deus usou a costela de Adão. Entendemos o Criador como um oleiro ou arquiteto, que faz uso de material existente para modelar a obra que tem em mente.

Esse processo criativo em duas etapas é usado em diversos momentos nas Escrituras: a criação de um “novo coração” (S1 51:10), de uma “nova aliança” (Jr 31:33), ou do “novo céu e nova Terra” (Is 65:17; 66:22; Ap 21-22). Se cremos que Deus realizará uma criação escatológica envolvendo duas etapas, usando matéria já existente para criar os renovados céus e Terra, não seria anormal Deus ter seguido a mesma estratégia em Gênesis 1 e 2.

7. DEUS CRIOU COM A APARÊNCIA DE ADULTO
De fato, Deus é poderoso para criar tudo pronto, com a aparência de adulto. Mas não é apenas a aparência de antigo que encontramos no Universo. Recebemos imagens animadas nos mostrando eventos que ocorreram muito antigamente. Por exemplo, em 1987 testemunhamos a explosão de uma supernova em uma galáxia satélite da Via Láctea, a Grande Nuvem de Magalhães. Essa explosão aconteceu a 168 mil anos-luz de distância. Isso significa que a luz, trazendo as imagens do evento, demorou 168 mil anos para chegar até nós. Também recebemos uma rajada de neutrinos pouco depois, exatamente como esperado no caso de uma explosão de supernova. Se a velocidade da luz tivesse variado significativamente nesse período, isso teria consequências bastante fáceis de se observar. Mas essas consequências não existem. Se o Universo tivesse apenas seis mil anos de idade, ele não apenas teria aparência de idade, mas memórias falsas do passado. Se as coisas são assim, tudo o que observamos no espaço profundo é uma “mentira” elaborada por Deus para nos fazer pensar que o Universo é antigo. É o suprassumo da teoria da conspiração, sendo que nesse caso o vilão conspirador é o próprio Criador.

A hipótese de que o Universo é jovem com aparência antiga e imagens falsas de um passado que não existiu equivale a Deus criar Adão não apenas com um organismo adulto, mas com memórias falsas de infância.

CONCLUSÃO
Os dois modelos não são opostos; um é um upgrade do outro. Ambos são literais e descrevem uma vida jovem. Não podemos usar o texto bíblico para provar que o Universo é antigo ou novo, apesar de sabermos que Deus é poderoso para fazê-lo recentemente com aparência de adulto. A interpretação do texto bíblico é uma questão de preferência intelectual de quem estuda. Porém, o Universo não parece ser recente. E ignorar as informações científicas sobre o assunto é perigoso no sentido de cairmos em descrédito. Assim como não ignoramos dados de outras áreas do conhecimento, por que ignoraríamos os da astronomia?

(Alex Kretzschmar e Eduardo Lütz)

Referências
1. SMITH, Ralph, Teologia do Antigo Testamento. p. 172.
2. BAXTER, Sidlow, Examinais as Escrituras. V. 1, p. 29.
3. Dicionário Hebreu e Inglês do NTC, © 1997 Achiasaf Publishing House, Ltd.
4. Humphreys, Russell. 2005. Evidence for a Young World. Acts and Facts, Impact Article #384, Institute for Creation Research.
5. DEODATO, Isaac, Gênesis Analogia e Interpretações Bíblicas. Edição 2, 2017, São Paulo.