terça-feira, outubro 02, 2018

Darwin presidente: o evolucionismo na base (de toda) política (parte 1)

Com a corrida eleitoral 2018 no Brasil, incendiaram-se os debates entre os candidatos (e entre a população). No entanto, poucas pessoas sabem que as ideologias de esquerda, direita e terceira posição (extrema-direita) têm algo em comum: adotam na sua base os princípios evolucionistas, não importa se incluem ou não Deus no discurso. E isso traz consequências para você. Esta é a primeira de uma série de três posts nos quais discorreremos sobre como o evolucionismo influencia todas as visões políticas que fundamentam os partidos não apenas do Brasil mas também do mundo.

Quais são as principais correntes ideológicas políticas da atualidade

Antes de partir para a questão do evolucionismo na política e sociologia, precisamos rapidamente entender os pressupostos das grandes correntes políticas que governam o mundo no século 21:

1. Marxismo. O movimento político mais bem delimitado não só no Brasil como no mundo é o Marxismo, origem dos partidos da assim chamada "esquerda". É mais bem delimitado porque, mais do que nos outros movimentos, é fácil identificar os partidos e seus integrantes, não apenas pelo vermelho que seus defensores usam, mas, principalmente, pelas pautas que eles apresentam, que seguem fielmente a cartilha dos pensadores alemães Karl Marx e Friedrich Engels em tópicos sobre capital e distribuição de renda, estrutura da família, papel do Estado, direitos das minorias, dos trabalhadores e do "proletariado", frequentemente reivindicados dos "burgueses". O Marxismo prega a distribuição da renda entre todos, a eliminação das classes sociais, a relativização do conceito de propriedade privada, a liberdade total da sexualidade humana e se opõe ao modelo familiar definido na Bíblia como sendo de criação divina, modelo esse que constitui o fundamento das sociedades ocidentais capitalistas. O marxismo influenciou fortemente a política mundial ao longo do século 20, tendo expoentes nomes como os dos ditadores Joseph Stalin, na Rússia, e Mao-Tsé Tung, na China. Houve diversos países que tentaram implantar as premissas marxistas no movimento Socialista, como Rússia, China, Vietnã, Coreia do Norte, a antiga Alemanha Oriental e outros. Na América Latina encontra forte amparo nos movimentos revolucionários que surgiram em países como Cuba e Venezuela, tendo passagens menores mas significativas em vários outros países sul-americanos.

2. Capitalismo liberal. Porém, o Marxismo surge como reação a uma configuração social mais antiga, a do capitalismo que era praticado como derivação da burguesia comercial da Europa no fim da Idade Média. Essa burguesia, por sua vez, tinha se originado da distribuição de recursos e poder nos feudos dos antigos reinos europeus, e substituiu a relação de senhorio e vassalagem que era ubíqua no Velho Continente até então. O Capitalismo não segue uma cartilha tão estreita como a do Marxismo, mas se baseia fortemente na visão  do Estado mínimo, do livre comércio, do direto à propriedade e da garantia dos contratos. Ou seja, o Capitalismo se interessa em condições favoráveis à prosperidade econômica. Ainda apregoa que a oferta e a demanda equilibram a distribuição de riquezas a preços justos, que seriam definidos por um mercado em que todos os agentes tivessem plena liberdade para estabelecer o valor de seus produtos. Estes pressupostos são obtidos na visão da "Mão Invisível" de Adam Smith e outros, e desde então vêm avançando com força até atingir o estado do chamado neoliberalismo, que bebeu fundo no poço do Tatcherismo inglês dos anos 1980. A maioria das sociedades ocidentais segue o modelo capitalista em maior ou menor grau, com destaque aos Estados Unidos que são, notadamente, a maior economia do mundo e considerados os grandes campeões dessa visão. Por ser uma espécie de rebelião contra o Capitalismo, denunciando as explorações e injustiças deste, o Marxismo é considerado "esquerda". Por inferência, então, o capitalismo passou a ser considerado "direita".

3. Terceira posição. Mas não é tão simples. Chamar de direita o que não é esquerda causa um problema de super-simplificação. Existem outras visões que não se alinham totalmente com o capitalismo liberal econômico que vimos acima. Dentre essas visões não marxistas, vamos destacar aquela que causou maior impacto no cenário geopolítico no século 20: a "extrema-direita" ou fascismo. A titulação de fascismo vem do movimento fascista italiano que surge com o general Benito Mussolini no início do século 20, seguido logo após pelo seu espelho alemão, o Nazismo, cujo expoente principal foi o ditador alemão Adolf Hitler. A história do fascismo se confunde com a das duas grandes guerras, e não dá tanta importância às questões econômicas quanto o liberalismo. A extrema direita geralmente arrebanha adeptos em torno da causa da luta contra a ameaça externa à nação, que é reverenciada como valor supremo (nacionalismo). Os Estados, na visão fascista, estariam constantemente em guerra, declarada ou não, e apenas um governo forte, mantido geralmente por um líder visionário, seria capaz de mobilizar a população, os recursos econômicos e a tecnologia para dar combate aos inimigos nacionais. Controle rígido da ordem, poder total do Estado (totalitarismo) e legitimação do uso da violência  são práticas onipresentes nos movimentos fascistas. Geralmente remetem à superioridade do povo (raça, etnia) e  ao culto às armas. Por ter pouca coisa em comum com o capitalismo liberal que vimos no tópico 2, alguns autores chamam esse movimento de "terceira posição", ou seja, o mesmo não se enquadraria totalmente nem nas premissas do capitalismo liberal, nem nas do marxismo, embora as práticas fascistas tenham muito em comum com o encontrado nas ditaduras de esquerda do século 20 e seus idealizadores tenham se posicionado como pertencendo à direita.

A Evolução e o Marxismo

A filosofia marxista é, admitidamente, um racional ateísta no qual a religião não passaria de um estratagema finamente concebido para manter as classes oprimidas (trabalhadores, pobres) debaixo do poder das classes dominantes (capitalistas, os burgueses) através do medo de um inferno e da cobiça de uma vida melhor no pós-morte. Marx chamou então a religião de "ópio do povo".[1] Na verdade, a teoria da Origem das Espécies através da Seleção Natural, do naturalista inglês Charles Darwin, foi fundamental para o desenvolvimento da teoria de Marx.[2] Marx teria enviado um exemplar da segunda edição alemã da obra O Capital ao próprio Darwin com uma nota de agradecimento e reconhecimento da valiosa contribuição da obra do naturalista britânico para a sua teoria. Engels, amigo de Marx, chegou a afirmar que Darwin "descobriu" a Evolução na biologia [sic] e que Marx havia descoberto a evolução na história social [sic].[2]

Seria, de fato, inconcebível que a filosofia marxista fosse, de alguma forma, tolerante a qualquer ideia que pudesse admitir a existência e soberania do Deus cristão, haja vista seus pressupostos. Marx rejeitava qualquer interpretação espiritual da realidade, afirmando que o presente estado de coisas nada mais é do que uma luta de agentes humanos regidos por leis físicas em busca do controle dos recursos da natureza, dando força à visão materialista da existência.[5]

Juntamente com a exclusão de Deus do racional marxista vem o alijamento das estruturas sociais judaico-cristãs tidas como sagradas no cânon bíblico. A família, na visão de Marx, era nada mais do que uma construção social que havia sido artificialmente implantada por grupos dominantes e que servia ao sistema opressor do capitalismo europeu. Marx afirmou que:
"A família moderna contém em germe não apenas a escravidão (servitus), mas também a servidão, [e] desde o princípio esta está relacionada aos serviços agrícolas. Esta contém, em miniatura, todas as contradições que mais tarde se estendem através de toda a sociedade e o seu Estado."[6, tradução livre]
Engels, possivelmente o segundo maior nome no desenvolvimento da filosofia socialista, via a família como um arranjo evolucionário ditado pelas circunstâncias dos grupos primitivos humanos que lutavam pela sobrevivência nas eras remotas. Para Engels, as famílias ocidentais se originaram e se mantêm graças à dominação masculina, que se dá através do exercício do poder econômico. Com a extinção da supremacia masculina, para o filósofo, viria paralelamente a ruína do modelo monogâmico, através da proliferação dos casos de divórcio e da prática de formas mais "livres" de "amor".[7]

A teoria da evolução, no entanto, não deixaria de produzir seus efeitos mais explícitos e funestos no pensamento marxista. Se o ateísmo, que se apropriou indevidamente de uma parte do método científico para tentar "provar" seus pressupostos materialistas e existencialistas, obteve alguns trunfos racionalistas para se estabelecer como uma verdade plausível, também abriu as portas para a miséria da não existência de um código moral universal e atemporal. Esse código seria encontrado apenas no conceito da Divindade monoteísta que tanto foi atacada por esse movimento. Também deu passagem para a consideração da moralidade (ou, ao menos, da racionalidade) do domínio do mais forte sobre o mais fraco, e também para a ideia de que existam diferenças qualitativas entre humanos e suas raças em termos evolutivos.

Curiosamente, Marx se mostrou um racista notável (ou detestável). Em 1862, sua aversão aos judeus e desprezo às raças negras levou-o a declarar a respeito de um de seus inimigos políticos:
"É agora perfeitamente claro para mim, como a forma de sua cabeça e o crescimento dos seus cabelos indicam, que ele é um descendente de negros que se uniram à fuga de Moisés do Egito (a menos que sua mãe ou avó no lado do pai tenha cruzado com um negro). Essa união de judeu e alemão em uma base negra foi de forma a produzir um híbrido extraordinário."[4, tradução livre]
Marx era adepto da frenologia, uma filosofia surgida no século 19 e que examinava a forma do crânio das pessoas para tentar definir características de personalidade e inteligência.[4] Sua declaração esboça um pensamento que dificilmente seria aceito por um indivíduo socialista do século 21.

O marxismo alegadamente defende as minorias e as classes mais baixas da sociedade, razão pela qual encontra tantos adeptos desses grupos. Mas o que não produz é a percepção de que a igualdade inerente dos homens foi destruída ao eliminar a figura do Criador como o originador da vida e das raças humanas. Esse é o aspecto normativo da igualdade do homem: respeitamos (amamos) o próximo porque ele é nosso igual, e porque isto é moral, ou seja, correto à vista do Criador.

Pode-se alegar, no entanto, que a teoria da evolução social de Marx leva não ao racismo e à intolerância, à exploração do mais fraco pelo mais forte, pelo fato de que todos os indivíduos de uma sociedade são importantes para o grupo, e podem executar uma função em prol da coletividade. No entanto, mesmo que desconsideremos que essa seja uma interpretação restrita e forçada dos pressupostos da evolução, essa visão define uma moralidade utilitarista, em um aspecto instrumental ou pragmático. Isso significa dizer que, de acordo com a sociologia evolucionista, um indivíduo só terá valor na medida em que for útil para o grupo. Na melhor das hipóteses, a sociedade humana seria um enxame de abelhas, ou talvez um pouco menos do que isso.

No próximo post da série discutiremos sobre o evolucionismo no capitalismo liberal. Não perca!

Alexsander Silva

Referências:

creation.com
The Doctrine of Fascism by Benito Mussolini (1932) (in English
Authorized translation of Mussolini's "The Political and Social Doctrine of Fascism" (1933)
Readings on Fascism and National Socialism by Various – Project Gutenberg
"Eternal Fascism: Fourteen Ways of Looking at a Blackshirt"Umberto E
(1) MARX, Karl. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Marxists Internet Archive
(2) Engels, F., Selected Works, 3 vols., International Publishers, New York, p. 153, 1950.
(3) Kirschke, S., Darwin Today, Geissler, E. and Scheler, W. (Eds.), Akademie-Verlag, Berlin, p. 55, 1983.
(4) Marx and Engels, 41, p. 388-390, in: The making of modern economics: The lives and ideas of the great thinkers, p. 146. 
(5) Kelly, J.M., A Short History of Western Legal Theory, Oxford University Press, Oxford, p. 309, 2007.
(6) Marx, K. in: Engels, F.  Origins of the family. Marxists Internet archive.
(7) Engels, F.  Origins of the family. Marxists Internet archive.