terça-feira, março 19, 2019

Físico brasileiro Marcelo Gleiser ganha o Prêmio Templeton 2019


O físico e astrônomo brasileiro Marcelo Gleiser é o contemplado do Prêmio Templeton 2019, anunciou a fundação responsável pela premiação nesta terça-feira (19). Ele é o primeiro latino-americano a ganhar o prêmio, criado em 1972, e vai receber 1,1 milhão de libras esterlinas, o equivalente a R$ 5,5 milhões. A cerimônia de premiação será em 29 de maio, em Nova York. Gleiser tem 60 anos e vive atualmente nos Estados Unidos, onde ensina física e astronomia no Dartmouth College, em Hanover, New Hampshire. Ele já teve mais de cem artigos revisados e publicados até o momento e pesquisas sobre o comportamento de campos quânticos e partículas elementares e a formação inicial do Universo, a dinâmica das transições de fase, a astrobiologia e as novas medidas fundamentais de entropia e complexidade baseadas em teoria da informação. Ateu, seu trabalho se destaca por demonstrar que ciência e religião não são inimigas.

“O ateísmo é inconsistente com o método científico”, afirmou Gleiser à AFP na segunda-feira no Dartmouth College da Universidade de New Hampshire, onde é professor desde 1991. “Devemos ter a humildade para aceitar que estamos cercados de mistério.”

Sobre a teoria religiosa de criação da Terra em sete dias, Gleiser diz que não há inimigos. “Eles consideram a ciência como o inimigo, porque têm um modo muito antiquado de pensar sobre ciência e religião, no qual todos os cientistas tentam matar Deus”, disse. “A ciência não mata Deus”, completa.

Gleiser fundou em 2016 o ICE (Instituto de Engajamento à Interdisciplinariedade) em Dartmouth, com a ideia de promover o diálogo construtivo entre as ciências naturais e humanas, seja na esfera pública ou acadêmicas. O instituto tem apoio da fundação John Templeton. Em 2006, ele apresentou a série de 12 episódios “Poeira das Estrelas”, no Fantástico.

O prêmio Templeton foi criado para “servir como um catalisador filantrópico para descobertas relacionadas às questões mais profundas que a humanidade enfrenta”, de acordo com a instituição. A Fundação apoia pesquisas que vão desde a complexidade, evolução e emergência até a criatividade, perdão e livre-arbítrio.

De acordo com a fundação responsável pelo prêmio, Gleiser foi o escolhido pelo conjunto do seu trabalho que, ao longo dos anos, evoluiu para a quebra de simetria, transições de fase e estabilidade de sistemas físicos, conceitos que influenciariam sua crítica às “teorias de tudo”.

“O prêmio celebra o trabalho de muitos indivíduos maravilhosos, incluindo alguns dos grandes físicos e cientistas de nosso tempo, cujas pesquisas exploraram questões de significado e valor além dos limites tradicionais de suas disciplinas. Pensar que um dia eu seria incluído em um grupo distinto, sendo um imigrante do Brasil, é inacreditável”, disse Gleiser no site do Dartmouth College.

Além de Gleiser, a fundação já premiou 48 pessoas desde que foi criada em 1972. Entre eles estão Madre Teresa (1973), Dalai Lama (2012) e o Arcebispo Desmond Tutu (2013).


Nota: Como brasileiro, sinto-me orgulhoso pela conquista de Gleiser. Como admirador de seu primeiro livro A Dança do Universo (que li logo após seu lançamento, nos anos 1990), alegro-me com ele por essa premiação. Mas, como criacionista, não posso me esquecer das muitas críticas que ele fez ao modelo conceitual que eu advogo há quase 30 anos. A pior delas foi chamar de “criminosos” os que ensinam o criacionismo (confira). Mas tudo bem. Deixemos isso de lado agora e analisemos duas afirmações do físico publicadas no texto acima:

“O ateísmo é inconsistente com o método científico. Devemos ter a humildade para aceitar que estamos cercados de mistério.” Perfeito! De fato, ateísmo não é sinônimo de ciência. Ciência é uma caixa de ferramentas que o ser humano descobriu (e os pioneiros da ciência eram em sua maioria criacionistas) e que lhe ajuda a entender a realidade que o cerca. Para receber o prêmio (considerado o “Nobel da Espiritualidade”), Gleiser tem que manter esse discurso conciliador, obviamente.

Mas o físico não se segura quando o alvo são os criacionistas. Sobre a teoria religiosa de criação da Terra em sete dias, ele diz que não há inimigos. “Eles consideram a ciência como o inimigo, porque têm um modo muito antiquado de pensar sobre ciência e religião, no qual todos os cientistas tentam matar Deus. A ciência não mata Deus.” Quem disse que os criacionistas consideram a ciência inimiga? Repito: os pioneiros da ciência criam no relato bíblico das origens, e Gleiser deve saber disso (se leu meu livro que ganhou de presente há oito anos, ele deve saber também que os criacionistas “fazem boa ciência” e se pautam, sim, pelo método científico).

Desde 1972 o Prêmio Templeton é entregue a pessoas que, na opinião dos juízes, deram “uma contribuição excepcional para a afirmação da dimensão espiritual da vida, seja por meio de introspecção, descoberta ou trabalhos práticos”. O valor monetário do prêmio é ajustado de maneira que exceda o montante dado pelo Prêmio Nobel, uma vez que Templeton dizia que a espiritualidade era ignorada nos prêmios Nobel.

Bem, mais uma vez digo parabéns ao Gleiser e espero que ele continue aberto para a possibilidade de Deus existir (o que faz dele mais agnóstico do que ateu), mas fico pensando se não há pessoas importantes por aí que têm feito muito mais para afirmar a “dimensão espiritual da vida”... [MB]