quinta-feira, maio 30, 2019

Criacionismo é ciência?


Podem os cientistas ser imparciais e objetivos em suas pesquisas em busca da verdade? Francis Bacon acreditava que sim. Na concepção dele, os cientistas deveriam esvaziar a mente de quaisquer ideias preconcebidas e simplesmente se deixar guiar pelos dados rumo à verdade. Mais tarde, Karl Popper referiu-se a essa ideia como “o dogma ingênuo de Bacon”. Para Popper, o método mais adequado a ser adotado na pesquisa científica era exatamente o oposto: ao deparar-se com algum problema, o cientista não deveria esvaziar a mente, mas buscar nela alguma teoria que pudesse explicar sua observação.[1]

Popper afirmou ainda que a crença de que a ciência avança da observação para a teoria (como as pessoas costumam pensar que acontece) é absurda. Ele argumentou que a observação nunca é neutra, sendo sempre influenciada pelos interesses teóricos, as conjecturas e antecipações, e as teorias aceitas como pano de fundo pelo cientista.[2] Ou seja, a ideia de Popper é que o cientista, assim como qualquer outra pessoa, não é imparcial e que sua imparcialidade afeta suas pesquisas, já que seu ponto de vista acaba direcionando em algum grau suas observações, tornando-as, portanto, seletivas. Como forma de corrigir esse viés inevitável na ciência, Popper propôs o princípio da falseabilidade (adotado até os dias atuais), que consiste na tentativa, por parte da comunidade científica, de refutar, através de experimentos, hipóteses defendidas em pesquisas acadêmicas.[3] Caso essa tentativa seja bem-sucedida, diz-se que tais hipóteses foram falseadas (rejeitadas). Caso contrário, elas ganham o status de corroboradas. É dessa forma que a ciência progride, apesar do viés inerente a cada cientista.

O princípio da falseabilidade foi definido por Popper como o “critério de demarcação” da ciência – o delimitador do que é ou não ciência.[3] Logo, o que define o caráter científico de uma teoria não é sua origem, mas, sim, sua capacidade de fazer previsões (hipóteses) testáveis.[1] Sendo assim, podemos concluir que é cientificamente válido para um cientista adotar a cosmovisão criacionista ou evolucionista em suas pesquisas. A questão que surge aqui, portanto, é: O criacionismo pode fornecer hipóteses que possam ser submetidas à prova por meio de experimentação?

O projeto de pesquisa que vem sendo desenvolvido há cerca de 20 anos em uma região desértica, próxima à cidade de Ocucaje, no sul do Peru, por um grupo de cientistas criacionistas, que tem resultado na publicação de artigos em renomadas revistas científicas,[4, 5, 6] pode nos ajudar a responder essa pergunta. Leonard Brand, Raúl Esperante, Arthur Chadwick e outros analisaram minuciosamente centenas de fósseis de cetáceos (principalmente baleias) e outros animais marinhos dessa região, os quais são encontrados em várias camadas de rochas sedimentares da Formação Pisco (das épocas geológicas Mioceno e Plioceno). A pesquisa lhes permitiu constatar que tais espécimes fósseis apresentam, em geral, ótimo estado de preservação, o que os levou a concluir que essas baleias foram soterradas rapidamente, em um período de semanas a meses. Os dados que lhes permitiram formular essa hipótese são apresentados, de forma resumida, a seguir:

- Os sedimentos em que as baleias foram soterradas contêm inúmeras frústulas (carapaças de silício) de diatomáceas (algas marinhas) que não apresentam evidência de dissolução.

- Várias baleias fossilizadas caracterizam-se pela excepcional ocorrência de barbatanas fósseis (como as barbatanas não são tão resistentes quanto os ossos, elas rapidamente são deterioradas, sendo raras no registro fóssil) e ainda na posição de vida (observações em oceanos modernos demonstram que após a morte da baleia as barbatanas se destacam da gengiva da mandíbula superior em um intervalo de horas a semanas).

- Os ossos das baleias em geral estão bem articulados (em sua posição original), e não apresentam sinais de corrosão ou perfuração por vertebrados ou invertebrados, ou qualquer outro dano pós-morte.

- A maioria das baleias fósseis apresentam esqueleto completo e estão com o ventre virado para baixo (observações de carcaças de baleias à deriva no oceano demonstram que durante o processo de putrefação gases são produzidos em seu interior, fazendo-as inchar e rotacionar, chegando ao leito oceânico com o ventre virado para cima; o fato de as baleias da Formação Pisco não estarem nessa posição sugere que não houve muito tempo entre sua morte e soterramento).

- Não há evidência de bioturbação por invertebrados marinhos nos sedimentos que circundam os fósseis de baleias (nos dias de hoje, carcaças de baleias situadas no fundo oceânico são rapidamente colonizadas por invertebrados marinhos que, além de remover a carne e degradar os ossos, também perturbam os sedimentos adjacentes em busca de compostos orgânicos lixiviados das baleias).

Apesar de a geologia convencional (evolucionista) já admitir também a possibilidade de catástrofes ao longo da história geológica do planeta (atualismo), ainda é evidente a preferência de geólogos que trabalham dentro dessa cosmovisão por explicações que demandam muito tempo (milhões de anos), o que muito provavelmente se deve à grande confiança que depositam na datação radiométrica. No caso dos fósseis da Formação Pisco, por exemplo, inúmeros pesquisadores já os haviam estudado, no decorrer de décadas, mas nenhum deles havia notado (ou aceitado) as várias evidências que apontam fortemente para um rápido soterramento. As evidências sempre estiveram diante dos olhos deles, mas suas pressuposições os guiaram para longe da verdade. Por outro lado, em função da hipótese criacionista de altas taxas de sedimentação e rápida fossilização (derivada da crença no dilúvio e na vida recente na Terra, e da suspeita de um erro sistemático na datação radiométrica), os pesquisadores criacionistas puderam realizar descobertas significativas.

Este exemplo (que é apenas um de vários) demonstra que, além de fornecer hipóteses testáveis, o criacionismo tem ainda sido corroborado quando submetido à prova por meio de experimentos, podendo ser classificado, portanto, como ciência.

(David Ramos Pereira é geólogo e mestre em Geologia e Geoquímica pela UFPA)

Referências:
1. Brand, L. (2009). Faith, reason, and earth history: a paradigm of earth and biological origins by intelligent design. Andrews University Press.
2. Popper, K. R. (1982). Conjecturas e Refutações: o progresso do conhecimento científico; trad. Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília.
3. Popper, K. (2005). The logic of scientific discovery. Routledge.
4. Brand, L.R., Esperante, R., Chadwick, A.V., Poma, O., Alomía, M., 2004. Fossil whale preservation implies high diatom accumulation rate in the Miocene–Pliocene Pisco Formation of Peru. Geology 32, 165–168.
5. Esperante, R., Brand, L.R., Nick, K.E., Poma, O., Urbina, M., 2008. Exceptional occurrence of fossil baleen in shallow marine sediments of the Neogene Pisco Formation, Southern Peru. Palaeogeogr. Palaeoclimatol. Palaeoecol. 257, 344–360.
6. Esperante, R., Brand, L. R., Chadwick, A. V., & Poma, O. (2015). Taphonomy and paleoenvironmental conditions of deposition of fossil whales in the diatomaceous sediments of the Miocene/Pliocene Pisco Formation, southern Peru–A new fossil-lagerstätte. Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology417, 337-370.