Com o título infame “Fósseis
transicionais, evolução biológica e a infâmia do criacionismo”, o jornal O Estado de S. Paulo publicou na
editoria de ciência uma matéria que tenta associar os movimentos tectônicos
(para os quais há muitas evidências, como os terremotos) com a teoria da
evolução, na qual ainda hoje há muitas lacunas, especialmente quando o assunto
é a macroevolução. Trata-se de argumentos requentados e reapresentados com o
intuito de reforçar o discurso evolucionista e acuar os criacionistas. Para que
o discurso se mantenha, é preciso que de quando em quando uma matéria “lacradora”
seja publicada em algum jornal ou alguma revista de divulgação popular, de
preferência com um título bombástico tipo “a infâmia do criacionismo”. Já que a
maioria absoluta das pessoas lê apenas os títulos das matérias, o propósito se cumpre, pois elas seguem para o dia a dia pensando que mais uma vez o
criacionismo foi encurralado.
Vamos analisar alguns trechos da
matéria:
“A união, no passado distante, dos
continentes que hoje conhecemos também é notável, por exemplo, no perfeito
encaixe entre a América do Sul e África, bem como nos fósseis encontrados nas
rochas de um lado e de outro do Atlântico.”
Eles começam com um fato notório e
inquestionável, preparando o terreno para afirmações não tão factuais, como
esta: “Para alguns [religiosos], fatos como a evolução biológica e o movimento
dos continentes são abomináveis, quando não os próprios cientistas.”
De quem
estão falando exatamente? O título da matéria menciona o “criacionismo”, então
por que não perguntaram a um pesquisador criacionista? Um geólogo criacionista,
por exemplo, desmontaria essa afirmação leviana ao dizer que, sim,
criacionistas acreditam na deriva continental e no trincamento dos continentes
causado por uma catástrofe de proporções globais (mas obviamente que o repórter
mudaria de assunto para não ter que ouvir a respeito dessa catástrofe). O
repórter poderia também descobrir que, em lugar de “abominar” os cientistas,
centros de pesquisa como o Geoscience Research Institute e outros mantêm cientistas
em seus quadros, realizando pesquisas sérias e publicando seus dados. Mas isso
desmontaria a espinha dorsal do artigo. Melhor não perguntar e só afirmar,
afinal, o objetivo é “lacrar” e manter o
discurso, não conhecer a verdade dos fatos.
Outro parágrafo bombástico: “O
criacionismo nasceu da rejeição à ciência, da falta de entendimento dos textos
bíblicos e na busca por explicações dos fenômenos naturais. Usando, em
especial, os dois primeiros capítulos do livro de Gênesis, e versículos no Velho
e Novo Testamentos, criacionistas tentam explicar o que nem mesmo era a
intenção de Moisés, de outros profetas e dos apóstolos.”
Evolucionistas sabem de tudo! De
geologia e biologia até teologia! Falta aos teólogos criacionistas que se
dedicam ao estudo da Bíblia o que sobra nos autores do texto do Estadão:
entendimento dos textos bíblicos. Como assim o criacionismo nasceu da rejeição
à ciência?! Os precursores da ciência, como se sabe, eram em sua maioria cristãos
devotos. Newton, Copérnico, Galileu, Pascal e vários outros criam em Deus e na
Bíblia, e nos legaram as bases do pensamento científico que ainda sustenta o
emprego dos pesquisadores de hoje.
A
matéria do Estadão continua: “O fato [Fato?! Cadê os
números?] é que a maioria dos cristãos vive apavorada com as promessas de
terríveis castigos determinados àqueles que ‘desobedecerem à palavra de Deus’.
Como desconhecem o sentido das metáforas, preferem não arriscar, e entendem as
escrituras ao pé da letra: ‘Deus criou tudo, incluindo Adão e Eva, nos sete
primeiros dias.’”
Sou criacionista há três décadas e não vivo apavorado com “promessas
de terríveis castigos”. Na verdade, vivo animado com a expectativa de viver no
mundo que meu Criador vai recriar. Vivo animado com a esperança de que o mesmo
Deus que criou o Universo e este planeta tem poder para transformá-lo de novo
no Éden perdido. Quando era evolucionista é que eu vivia sem esperança, afinal,
havia aprendido que tudo terminaria (1) em um big crunch cósmico, ou (2) na expansão
eterna de toda a matéria, ou ainda (3) na calcinação da Terra por um Sol moribundo.
De qualquer forma, pela concepção naturalista/evolucionista, a vida está fadada
à extinção. Então, não me venham falar em medo do futuro e desesperança!
“Já os grandes dinossauros e todas as
outras criaturas extintas morreram e foram soterrados no dilúvio.” Bem,
apresentem-me explicação melhor para a abundância de fósseis bem preservados em
todos os continentes... A hipótese não unânime do meteorito de Yucatán explica
esse fenômeno? Fossilização depende basicamente de soterramento rápido sob
lama.
“Sobre a organização estratigráfica
dos fósseis, isto é, seu empilhamento lógico e ordenado nas sucessivas camadas
de rochas; e os grandes eventos de explosão de diversidade seguidos à terríveis
extinções em massa, preferem não comentar.”
Pelo contrário, comentamos, sim. Especialmente
a pedra no sapato dos evolucionistas chamada “explosão cambriana” (apontada
como um grande problema pelos evolucionistas honestos). Como explicar que a
vida (os principais filos) surja já complexa lá no período Cambriano? Como
explicar que complexidade exista em toda a coluna geológica, de alto a baixo,
sem evidências de ancentrais menos complexos antes do “big bang da vida”.
Querem mesmo falar sobre isso?
A seguir a reportagem se aventura a
falar na suposta história evolutiva do ser humano, mas não menciona as inúmeras
revisões e fraudes envolvendo esse conto das cavernas; histórias amplamente
documentadas aqui neste blog.
E o texto termina assim: “É impossível
rejeitar a evolução, bem como a imensa idade da Terra. [...] O trabalho dos
cientistas é brilhante, pois buscam a verdade de forma honesta e aberta. Já os
criacionistas se perderam dos propósitos originais de Deus e da Bíblia,
tornando-se piores que Tomé, pois cegados pela infâmia em que se meteram,
negando a evolução, nem mesmo podem ver para crer.”
É impossível rejeitar qual evolução?
Aquela que ensina que bactérias desenvolvem resistência a antibióticos, mas continuam
sendo bactérias? Aquela que afirma que iguanas de Galápagos evoluíram porque
passaram a comer algas e ficaram mais escuras, mas são idênticas às iguanas do
continente? Enfim, aquela que chama de evolução meras adaptações ou
diversificações de baixo nível? Ou a teoria da evolução que sustenta a ideia hipotética
de que toda a biodiversidade existente no mundo teria provindo de uma suposta protocélula primordial? É preciso antes de mais nada delimitar o termo antes de
falar dele. Mas a confusão semântica se presta bem aos propósitos dessa matéria
anticriacionista.
Ah, sim, os cientistas buscam a
verdade de forma honesta, inclusive os cientistas criacionistas, que não se “perderam
dos propósitos de Deus e da Bíblia” (obviamente conhecidos dos autores do
texto), que, segundo o apóstolo Paulo em Romanos 1:19 e 20, é também revelar
Seu poder criador por meio das coisas criadas. Cientistas criacionistas buscam
entender o mundo que os rodeia e encontrar as assinaturas do Designer;
cientistas evolucionistas dão as costas para essa possibilidade, porque
decidiram a priori que ou Deus não
existe ou não criou o mundo como narra a Bíblia.
Finalizo perguntando: Quem é o pior
cego, aquele que rejeita enxergar o mundo com as lentes da verdadeira ciência e
da boa teologia, ou aquele que, como Newton e outros, aceita seguir as
evidências, levem aonde levar, e não procura salvar a hipótese dos fatos,
mantendo um discurso a todo o custo?
Michelson
Borges é jornalista, mestre em Teologia e pós-graduando em Biologia Molecular