domingo, setembro 28, 2008

Quarteto para o fim dos tempos

Os furacões e terremotos de ordem natural e econômica das últimas semanas levaram os arautos do fim do mundo a soarem suas trombetas mais uma vez. Contudo, o que está acontecendo são sinais de tempos apocalípticos sérios e que merecem nossa compreensão? Ou será esta nova crise generalizada apenas mais uma turnê do fim do mundo? Se observarmos os eventos atuais de maneira isolada, compartimentada, obteremos somente uma visão parcial e pouco confiável do que se chama "eventos finais". Porém, se tivermos uma perspectiva mais global, se compreendermos a interrelação de fatos concretos, encontraremos evidências de uma crise conjuntural diferenciada. Consideremos, então, alguns acontecimentos utilizando a forma de um "quarteto para o fim dos tempos".

1º movimento - O declínio americano: a invasão do Iraque pelos Estados Unidos acirrou os ânimos anti-americanos de várias partes do mundo; a difusão de uma cultura estética erotizada, violenta e efêmera fez recrudescer o ímpeto ultra-conservador norte-americano; a queda dos mercados, a aguda crise de instituições financeiras centenárias, o declínio da pujança econômica estadunidense arrastando de roldão mercados emergentes. O país do “Estado laico” e do “livre-mercado” é a mesma nação tomada pela dissolução ética, por elevados índices de poluição e pelo clima anti-terror que produziu vigilância inconstitucional, prisões arbitrárias e tortura. Esse mesmo país governado pela ultra-direita cristã estende as mãos sobre o Atlântico para o Vaticano em nome da ética global, instaura uma fobia anti-terrorista e converge a opinião da grande mídia em defesa de suas ações, e agora “estatiza” organizações financeiras independentes e falidas.

2º movimento - Condenação do materialismo: na reformulação de suas identidades, as religiões universais encontram na ecologia e na ética um referente global. A denúncia do consumismo também faz parte da nova retórica religiosa. O budismo prevê o equilíbrio na produção de bens e de consumo, o islamismo combate o mundo materialista como um anátema demoníaco e a idéia de holismo media a perspectiva do pensamento ecológico integrado. A crítica a uma sociedade esbanjadora e consumista, porém, opõe-se visivelmente à ascese e moderação do protestantismo tradicional e das religiões orientais. Na China, prega-se o budismo econômico para os pobres enquanto o capitalismo mais desenfreado é adotado pelas outras classes sociais. O neopentecostalismo e o novo protestantismo estimulam agressivamente o consumo de bens “sacralizados e ungidos”. E Bento XVI condena o materialismo e ao mesmo tempo usa sapatos Prada, casula com 15 km de fios de prata e anel de ouro 24 quilates.

3º movimento - A defesa da Terra: aumento da poluição, escassez de água, desmatamento irrefreável, aquecimento global, esgotamento dos recursos materiais de sobrevivência. Um cenário apocalíptico de destruição do homem pelo homem causando a agonia lenta e gradual do planeta. Pano de fundo próprio para os defensores do ambiente atenderem ao pedido de socorro da Terra, certo? Certo, mas não é só isso. Não apenas os ambientalistas do verde-que-te-quero-verde, não só os xiitas do GreenPeace, mas a Igreja Católica entrou pra valer na ecologia (digite "ecologia" no site zenit.org de informação católica). Leonardo Boff, o padre que relia o evangelho segundo o marxismo, direciona suas boas intenções para o alerta eco-teológico, a olhar para o recente conteúdo de seus livros – Ecologia, mundialização e espiritualidade e Nova Era: a civilização planetária. Sua visão do evangelho agora privilegia a existência de um Deus ecologicamente orientado e de um conhecimento ecocentrado em que o universo divino e o planeta Terra holisticamente se fundiriam no mesmo cosmos, inaugurando um novo modo de ser. A ecologia torna-se um paradigma que reorienta os caminhos da humanidade.

4º movimento - Uma ética global: fome, pobreza, crime organizado, corrupção política, opressão econômica, conflitos raciais e guerras étnicas. Retratando o colapso dos sistemas laicos de governo e regulação social, o Parlamento das Religiões Universais, realizado em Chicago-1993, enfatiza em sua declaração final a necessidade de um consenso global e uma atualização de vínculos morais entre pessoas que dividem o mesmo destino e o mesmo planeta. Caberia, então, às entidades religiosas o papel de administrar, em conjunto com as instituições democráticas legais, a profusão de problemas e sua complexidade de resolução. Assim, o discurso religioso voltaria a ter uma dimensão de atuação planetária ao pressupor uma moral planetária, desta vez sob a justificativa de uma nova ética mundial.

Como num concerto erudito, os “movimentos” quando escutados separadamente proporcionam uma audição incompleta. Contudo, ao escutarmos todas as seções do mesmo concerto, podemos entender a intenção do compositor, o estilo da interpretação do instrumentista, o que o autor e o intérprete estão comunicando. Relacionando os quatro “movimentos” acima é possível situar-se no tempo e na história e compreender de forma mais abrangente tanto os eventos que já se foram quanto aqueles que estão por vir.

O título desse texto é uma referência à obra-prima musical de Olivier Messiaen.

(Nota na Pauta)