terça-feira, abril 10, 2012

Preconceito da revista Época

Publicada na edição nº 346 da revista Época (3/1/2005), a reportagem “E no princípio era o que mesmo?”, da jornalista Eliane Brum, gerou polêmica na ocasião e descontentamento por parte das fontes consultadas. Como recentemente alguém tocou no assunto, no Twitter, resolvi republicar e recordar aqui as reações enviadas à revista da Ed. Globo e publicadas na íntegra no site da Sociedade Criacionista Brasileira (SCB), na seção “Controvérsia”. A primeira “carta” é a minha:

Quando fui contatado pela jornalista Eliane Brum e forneci algumas informações a respeito do criacionismo e de meus livros, conhecendo um pouco de seu trabalho e postura jornalística, sinceramente pensei que desta vez alguém publicaria uma matéria isenta de preconceitos e que realmente contribuiria para esclarecer os principais pontos de vista dos modelos evolucionista e criacionista. Mas confesso que, com a publicação de sua reportagem na revista Época de 3 de janeiro de 2005, minhas esperanças mais uma vez foram frustradas. Digo mais uma vez porque ela não foi a primeira a expressar tão grande partidarismo e mesmo preconceito ao abordar a controvérsia entre a criação e a evolução.

Logo de início o texto menciona o biólogo Richard Dawkins – inimigo declarado dos criacionistas –, e a afirmação de que crer no relato bíblico de Gênesis é “fruto da ignorância”. Assim, sem rodeios, já se percebe a tônica da matéria.

O texto prossegue trazendo outras inverdades e generalizações. Eliane afirma que “o resultado mais nefasto desse embate entre criação e evolução não é o surgimento de uma nova geração de criacionistas, mas as levas de estudantes que saem da escola sem entender a teoria de Darwin”. Embora eu tenha fornecido a ela o telefone e contatos no Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp), cujo curso de Biologia vai além dos requisitos exigidos pelo MEC, ao ensinar tanto o criacionismo quanto o evolucionismo (mesmo os alunos evolucionistas não reclamam), ela ignorou (deliberadamente?) essa informação.

Aliás, há outras generalizações que, creio, deram ao leitor uma impressão equivocada sobre o assunto. Embora a matéria mencione as subdivisões dentro do criacionismo, Eliane sustenta que “os criacionistas afirmam que o homem, o mosquito da malária e o protozoário causador da doença responsável por 2,7 milhões de mortes anuais no mundo são criaturas do plano da criação de Deus”. A jornalista também induz o leitor a pensar que os criacionistas creem que todas as características geológicas que vemos hoje são resultado do dilúvio bíblico, e não dos processos geológicos descritos pelos cientistas (como o movimento das placas tectônicas). E dispara: “Para a ala mais fundamentalista dos criacionistas, o maremoto que matou milhares na Ásia... não seria causado por movimentos das placas terrestres (pois não acreditam que elas aconteçam), mas um flagelo enviado por Deus.” Eu dei a ela o telefone do doutor em Geologia pela USP, Nahor Neves de Souza Jr., autor de um livro que descreve, no contexto criacionista, os fenômenos geológicos globais. Mas ela o consultou? Consultou algum geólogo criacionista ao menos? Não faltou aí o contraponto? Onde estão os “dois lados” da questão?

Quando fala do evolucionismo, Eliane dá a entender que seus defensores concordam em tudo e que há consenso nos arraiais evolucionistas. Será assim mesmo? No dia 13 de dezembro de 1998, o caderno “Mais!” da Folha de S. Paulo trouxe na capa o título “Extremos da Evolução”. Nos artigos, foram abordadas as divergências entre expoentes evolucionistas como Richard Dawkins e Stephen Jay Gould. Apesar das discordâncias, o comentário de John Maynard Smith, um dos papas da biologia moderna, é conclusivo: “Por causa da excelência de seus ensaios, [Gould] tornou-se conhecido entre não-biólogos como o mais destacado teórico da evolução. Em contraste, os biólogos evolucionistas com quem discuti seu trabalho tendem a vê-lo como um homem cujas ideias são tão confusas que quase não vale a pena ocupar-se delas, mas alguém que não se deve criticar em público por ao menos estar do nosso lado contra os criacionistas” (New York Review of Books, novembro de 1995). Bastante esclarecedoras essas palavras.

Quando se refere ao movimento do Design Inteligente, Eliane diz que ele se baseia em “argumentos sofisticados e supostamente baseados na ciência”, mas não dá espaço suficiente para a defesa desses argumentos. Fica tudo mais ou menos na opinião. Depois ela ainda arremata, dizendo que “os cientistas não concordam com essa visão”. Bem vago isso, não? E Michael Behe – citado por ela – e outros, o que são? Não são cientistas?

Aliás, questionamentos levantados por Behe, em seu livro A Caixa Preta de Darwin, ainda não foram adequadamente respondidos. Ele escreveu: “Nenhum dos trabalhos publicados no Journal of Molecular Evolution durante todo o curso de sua vida editorial propôs um modelo detalhado através do qual um sistema bioquímico complexo poderia ter sido produzido à maneira darwiniana, passo a passo, gradualmente”, e “nunca houve conferência, livro ou artigo sobre detalhes da evolução de sistemas bioquímicos complexos” (A Caixa Preta de Darwin, p. 179, 183). Behe informa ainda que “numerosos estudantes aprendem em seus livros a ver o mundo através de uma lente evolucionista. Eles, contudo, não aprendem como a evolução darwiniana poderia ter produzido qualquer um dos sistemas bioquímicos notavelmente complicados que tais textos descrevem” (p. 187).

Quando menciona frases do Dr. Ruy Vieira, presidente da Sociedade Criacionista Brasileira, Eliane deixa novamente transparecer preconceito. Ao informar que ele foi diretor-científico da Fapesp e fundador da Academia de Ciências de São Paulo, além de representante do MEC na Agência Espacial Brasileira, ela diz que isso é “curioso”, reafirmando a ideia de que quase não há pesquisadores sérios no meio criacionista (embora ela tenha dito que leu meu livro Por Que Creio, no qual apresento entrevistas com uma dúzia deles).

Mas acho que o cúmulo da sua argumentação preconceituosa ocorreu ao comparar a proposta de se ensinar criacionismo e evolucionismo nas escolas com o revisionismo a respeito do Holocausto judeu. “Esse argumento capcioso”, afirma Eliane, “é o mesmo utilizado pelos revisionistas do Holocausto judeu, que, apesar das fotografias, dos relatos dos sobreviventes, dos documentos, das evidências materiais, da confissão dos algozes e do reconhecimento do Estado alemão, continuam afirmando que o Holocausto foi uma ‘armação’”. Os criacionistas sérios respeitam e se pautam pelo método científico. Se a teoria da evolução tivesse evidências factuais como o episódio do Holocausto, obviamente que não haveria cientistas que advogariam o modelo criacionista. Não precisa ser criacionista para perceber que a comparação foi meio forte e descabida. Lamento também o fato de a matéria não ter publicado sequer uma entrevista com um criacionista sério, tendo dado espaço, por outro lado, a duas entrevistas com evolucionistas declarados: o astrofísico Marcelo Gleiser e o sociólogo Maurício Martins.

Acho que o jornalismo científico foge às suas propostas (elogiáveis) de esclarecimento quando divulga artigos carregados de preconceito e premissas questionáveis, formando opiniões unilaterais. De minha parte, continuarei aguardando o dia em que uma revista da importância da Época possa abrir espaço para a publicação de reportagens, entrevistas e artigos criacionistas sérios [desde 2005, continuo esperando...], escritos por bons autores e pesquisadores criacionistas, e não apenas a interpretação do que seja criacionismo, do ponto de vista evolucionista. Talvez, se houvesse um debate mais aberto e respeitoso, ainda que não se chegasse a um consenso, haveria maior clareza com relação ao que ambos os lados pensam e pregam.

Se a ciência e a imprensa se detivessem aos fatos, deixando o juízo de valores (ou as conclusões quanto às origens) aos leitores, estariam cumprindo de forma mais efetiva seu papel.

Michelson Borges

Leia a seguir a reação de outros leitores da matéria da Época:

“Prezada jornalista Eliana, lamento muito ter gasto tanto tempo precioso para monologar consigo. Realmente, opus et oleum perdidi. Fico na dúvida se toda a responsabilidade pela peça de ficção jornalística foi somente sua, ou se houve interferência do establishment, como sóe acontecer praticamente sempre! Parafraseando trecho do texto, ‘o mais curioso é que ela é jornalista’! De qualquer forma, tenho certeza de que pessoas inteligentes (como você me pareceu, por telefone) e isentas de posições preconcebidas (o que finalmente, ao ler sua reportagem, percebi não ser o seu caso), poderão ser incentivadas a cavar mais fundo para buscar compreender melhor o que realmente existe no âmbito da controvérsia Criação/Evolução. Concordo com o Prof. Enézio Almeida Filho: os leitores da Época ficaram sem saber da crise epistêmica que vem sofrendo o paradigma vigente. Da próxima vez, farei como o Prof. Christiano da Silva Neto, da ABPC – tudo por escrito! Verba volant, scripta manent!” (Ruy Carlos de Camargo Vieira, presidente da Sociedade Criacionista Brasileira)

“Sr. Diretor de Redação: A Teoria do Design Inteligente é uma teoria científica. Fomos descaracterizados na reportagem ‘E no princípio era o que mesmo?’ como criacionistas. Apesar de ter enviado bibliografia comentada à repórter Eliane Brum sobre as improbidades científicas das atuais teorias da origem e evolução da vida, os cientistas evolucionistas sequer foram questionados. Não houve objetividade científica, imparcialidade nem ousadia na sua reportagem, mas um belo exemplo de um mau jornalismo de divulgação científica: um panfleto atrelado aos ditames ideológicos da Nomenklatura científica. Os leitores de Época ficaram sem saber sobre a crise epistêmica que vem sofrendo o paradigma vigente. Atenciosamente registro aqui o meu protesto.” (Enézio E. de Almeida Filho, coordenador do Núcleo Brasileiro de Design Inteligente)

“Prezados senhores, li com atenção o tema especial ‘E no princípio era... o que mesmo?’. Certamente é motivo de grande atenção o fato do enorme fracasso do ensino obrigatório, exclusivo do evolucionismo durante o último século no Brasil, apoiado pelas cátedras e coadjuvado pela mídia, ter produzido apenas 11% de evolucionistas ateus! A causa principal desse fracasso é que as evidências estão destruindo a frágil ideia da evolução. Vejamos algumas: (1) nada em biologia faz sentido à luz do acaso cego. O acaso nega o conceito científico de causa e efeito, introduz conceitos mitológicos e mágicos inaceitáveis sob o ponto de vista científico, mas defendidos por ‘cientistas’ evolucionistas. [...] É uma maneira enganosa de não explicar nada. (2) A abiogênese é uma crendice popular aceita e defendida pela evolução! Desde 1864, Louis Pasteur, cientista criacionista convicto, destruiu essa crendice que continua até hoje nos livros de biologia. Eis um excelente exemplo para tirar das trevas nossa ciência, pois, como Pasteur, estaríamos produzindo vacinas e fazendo a verdadeira ciência progredir. (3) Os ‘incontáveis’ elos de Darwin não foram encontrados. Não encontramos mais do que 30 supostos elos intermediários. Deveriam ser bilhões. A árvore da vida evolutiva está comprometida. (4) Os fósseis contestam a evolução. Os fósseis, segundo a evolução, seriam poucos e escassos. Só o fato de encontrarmos milhões, toneladas de fósseis animais e bilhões de toneladas de carvão fóssil vegetal, além das toneladas de fósseis nas gélidas turfeiras e o petróleo fóssil, desmentem a evolução. Os fósseis surgem por soterramento rápido, afogamento na lama. Catástrofe. Nada de uniformismo lento! (5) A ancestralidade comum está em cheque. A embriologia evolucionista é uma fraude. Ensino enganoso e fraudulento já contestado desde 1868, mas teimosamente defendido por cientistas descuidados. A similaridade da morfologia dos ossos ou órgãos homólogos aponta para um arquiteto, engenheiro e Criador inteligente. Os órgãos vestigiais humanos inventados pelo evolucionismo (que chegou a ter mais de 150 órgãos vestigiais listados) são produto da ignorância. (6) A seleção natural fracassou. Os exemplos citados são muito frágeis. As 13 ‘espécies’ dos tentilhões de Darwin se cruzam entre si e dão descendentes férteis. Confundiram variedades com espécies. A mariposa Biston betularia está sendo contestada, e a resistência de bactérias [a antibióticos] e outros seres vivos são exemplos frágeis. (7) O coordenador do Projeto Genoma Humano é criacionista [em parte, talvez]. O Dr. Francis Collins afirma com todas as letras que o genoma humano sempre foi conhecido por Deus, pois Ele é o Criador e codificador dessa enciclopédia informativa, o nosso DNA. No princípio, Deus. Nada dos ‘zilhões’ de anos que o propagandista evolucionista Richard Dawkins precisa para aplicar ao seu relojoeiro cego que nunca fez coisa nenhuma. No princípio, a cegueira evolutiva...? Sugerimos uma entrevista com o Dr. Francis Collins. Lembramos ainda que Nicolau Copérnico, Galileu Galilei, Johannes Kepler, Francis Bacon, Isaac Newton, Carlos Linneu, Gregório Mendel, Louis Pasteur – todos eles foram criacionistas. Os modernos criacionistas estão nos ombros de gigantes da ciência. Merecem o mesmo nível de atenção, respeito e exposição na mídia e na cátedra. O resultado da pesquisa do IBOPE mostra o óbvio: 89% dos leitores da revista Época, os pais dos alunos e os estudantes não aguentam mais esse ensino evolucionista unilateral! Acordem! Está na hora de despertar, comparar e discutir o criacionismo com o evolucionismo, na base das evidências científicas dentro das salas de aulas, desde o ensino fundamental até a pós-graduação. Daqui a pouco o evolucionismo, o maior mito científico, pode estar banido, como querem 75% dos brasileiros.” (Roberto César de Azevedo, bacharel e licenciado em Biologia pela Universidade de São Paulo)

“O artigo ‘E no princípio era o que mesmo?’ apresentou-se muito ideológico e pouco analítico. Como exemplo, gostaria de observar que a frase ‘os cientistas não concordam com essa visão e alegam que o salto na realidade é bastante simples’, que aparece na página 77, não esclarece como os cientistas explicam o simples salto das substâncias ‘inorgânicas’ para uma célula viva completa, com todo seu maquinário autônomo e com todo o seu conteúdo de informação necessário para seu funcionamento e reprodução. Não imagino como artigos desse tipo podem ajudar as pessoas a pensar sobre o mundo e se tornar capazes de formar sua visão de mundo como idealiza Marcelo Gleiser em sua entrevista.” (Urias Echterhoff Takatohi, doutor em Física e professor no Unasp, campus São Paulo)