terça-feira, novembro 14, 2006

Conspiração da Veja?

Até parece conspiração. Em sua edição do dia 25 de maio de 2005, a revista Veja publicou entrevista com o filósofo Michel Onfray, sob o título "Deus está nu". O texto é um verdadeiro manifesto ateísta, com frases de efeito como: "O mecanismo das religiões é o de uma ilusão." Num arroubo de pura arrogância, o filósofo ateu sustenta que "quando uma pessoa não se contenta apenas em acreditar estupidamente, mas começa a fazer perguntas sobre os textos sagrados, a doutrina, os ensinamentos da religião, não há como não chegar às conclusões que eu proponho".

Para Onfray, a necessidade de Deus é cultivada culturalmente e não existe de fato. Embora afirme isso com convicção, como se fosse uma verdade estabelecida, o francês ignora o fato de que outros pesquisadores de peso pensam de maneira diametralmente oposta. Um exemplo é o professor de Neurologia e Psiquiatria da Universidade de Viena e criador da Logoterapia, Viktor Frankl. Autor de mais de 30 livros, Frankl garante que existe uma "fé inconsciente" e um "inconsciente transcendental", que inclui a dimensão religiosa.

Onfray diz que rejeitar a idéia de Deus significa tornar-se livre. Frankl afirma que "somente a pessoa espiritual estabelece a unidade e totalidade do ente humano. Ela forma essa totalidade como sendo bio-psico-espiritual... Somente a totalidade tripla torna o ser humano completo" (A Presença Ignorada de Deus, pág. 21). É difícil imaginar uma pessoa incompleta e livre...

Para Onfray, a idéia da criação divina é uma espécie de "doença infantil do pensamento reflexivo". Por outro lado, segundo Frankl, "o homem irreligioso se deteve antes do tempo no seu caminho em busca de sentido, já que não foi além de sua consciência, não perguntou para além dela. É como se tivesse chegado a um pico imediatamente inferior ao mais alto. Por que não vai adiante? É porque não quer perder o ‘chão firme sob seus pés’, pois o verdadeiro pico não está visível para ele, está oculto na neblina, e nesta neblina, nesta incerteza, ele não se arrisca a penetrar. Somente a pessoa religiosa assume este risco" (Ibidem, pág. 45).

Já era previsível a grande repercussão de assunto tão polêmico. Na edição seguinte (1º de junho), Veja acusou o recebimento de 290 mensagens comentando a entrevista, superando mesmo a reportagem de capa, sobre corrupção. Estranhamente, apenas uma carta foi publicada – de um filósofo ateu de Alagoas, apoiando as idéias de Onfray.

E as outras 289 mensagens? Só eu conheço três jornalistas que enviaram e-mail opinando contra as idéias batidas do filósofo francês (por exemplo, quando afirma que "Deus e a religião são invenções puramente humanas, assim como a filosofia, a arte e a metafísica", Onfray está, na verdade, recorrendo ao escritor cristão Hans Andersen). Por que nenhuma outra opinião foi publicada? Não parece algum tipo de conspiração anti-religião?

Para reforçar essa minha "tese conspiratória" (talvez seja mera coincidência), na mesma edição de 1º de junho, Veja publicou outra entrevista de cunho ateísta, desta vez com o zoólogo britânico Richard Dawkins ("O devoto de Darwin"), inimigo figadal dos criacionistas.

Na verdade, a entrevista aproveita o "gancho" do lançamento do novo livro de Dawkins, O Capelão do Diabo, coletânea de ensaios que dá uma amostra de sua paixão pela ciência e de sua oposição à religião. O zoólogo diz que se recusa a debater com criacionistas para não dar "verniz de respeitabilidade intelectual" a esses oponentes. Para Enézio de Almeida Filho, coordenador do Núcleo Brasileiro de Design Inteligente, essa recusa é duplamente estratégica. Visa a denegrir oponentes e evitar que as insuficiências epistêmicas do neodarwinismo venham à tona de modo mais intelectualmente aceitável. Dawkins não se recusa apenas a debater com criacionistas; ele se negou até mesmo a trocar idéias com Michael Behe e William Dembski, proponentes do Design Inteligente.

Segundo Dawkins, os processos evolutivos descritos por Darwin "devem acontecer em qualquer lugar do Universo onde porventura exista vida". Mas a questão sobre a origem casual da vida (efeito sem causa) continua não-respondida satisfatoriamente. De onde provieram a tremenda informação genética e as leis afinadas da física, que regem a realidade?

A despeito disso, o zoólogo afirma que a teoria de Darwin é "muito elegante", esquecendo-se das palavras da famoso físico dinamarquês Niels Bohr, para quem "não existem teorias bonitas e teorias feias. Existem teorias verdadeiras e teorias falsas".

Dawkins afirma ainda que "postular a existência de um Deus que criou a vida é o tipo de idéia que só complica as coisas. É um raciocínio contraprodutivo, pois traz a necessidade adicional de explicar a existência desse ser". Seria a repetição das perguntas: "Quem fez Deus?" "Como Ele pode ser eterno?" Mas podemos replicar: se a matéria "apareceu" num certo momento, deve ter sido criada. Por outro lado, se ela é eterna, não tem autor. Se colocamos a palavra "matéria" em lugar de Deus, concluímos que não existe matéria, afinal, tudo quanto existe tem que ter um autor. E se a matéria não tem autor, logo, não existe!

Conforme escreveu o jornalista e editor de livros didáticos Ivacy Furtado de Oliveira, em mensagem enviada a Veja e não publicada, "Michel Onfray não apresenta novidade a não ser ampliar e teorizar o que Dostoiévski coloca na fala de uns de seus personagens: ‘Se Deus não existe, tudo é permitido.’ Nietzsche anunciou a ‘morte de Deus’ e morreu louco, quem sabe, por combater durante toda a sua vida Aquele que Se manifestou através de Jesus: ‘E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.’ João 8:32.

"Pergunto: o que seria do mundo, se, ao invés do que pregaram, elementos históricos como Jesus e Paulo tivessem difundido algo parecido com o que é defendido pelo filósofo da moda ou ‘bola da vez’ na filosofia contemporânea?

"Michel Onfray é o Bin Laden das religiões monoteístas. Como todo factóide, logo será esquecido ou legado ao limbo da História. Graças a Deus, que ele nega, mas que nos dotou de livre-arbítrio, o Sr. Onfray [e o Sr. Dawkins também] tem liberdade para dizer o que bem entende. Ainda bem."

Michelson Borges