segunda-feira, setembro 23, 2024

Criacionistas fazem pesquisas sobre dinossauros na Bolívia

Entre as montanhas da Bolívia, cientistas e pesquisadores de várias partes do mundo se reuniram para um evento que une ciência e fé de forma singular. De 4 a 7 de setembro, a cidade de Cochabamba e o Parque Nacional Torotoro deram lugar ao 5º Encontro Sul-Americano de Fé e Ciência.

Organizado pela sede sul-americana adventista e pela Universidade Adventista da Bolívia (UAB), o encontro atraiu mais de 70 especialistas de oito países, incluindo palestras, workshops e uma expedição para estudar o maior registro de pegadas de dinossauros do planeta. Mais do que um simples evento científico, foi uma oportunidade para refletir sobre a harmonia entre a fé criacionista e a investigação científica.

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quinta-feira, setembro 12, 2024

Elo perdido?

No dia 3 de setembro deste ano, foi publicada uma notícia no site “Olhar Digital” (Di Lorenzo), que diz o seguinte: “‘Elo perdido’ que explicaria a origem da vida na Terra foi encontrado por cientistas”. Naturalmente, os títulos de reportagens, notícias e outros tipos de conteúdos divulgados nas mídias populares tendem a ser sensacionalistas no sentido de que precisam ser chamativos e atrair a atenção do público, mas, muitas vezes, não expressam a realidade do assunto divulgado.


Que os pesquisadores têm esperança de que a bactéria pesquisada por eles, Candidatus Uabimicrobium helgolandensis, possa ser um “elo” entre organismos procariontes e a formação de organismos eucariontes, é verdade (Wurzbacher et al.). No entanto, afirmar que isso foi demonstrado pelas pesquisas e que explica a origem da vida na Terra já é esticar a verdade além de seus limites. É esperado que as mídias façam isso, apenas é bom que tenhamos consciência de que é assim.


Antes de prosseguir, só para relembrar, procariontes são organismos formados por uma única célula, como as bactérias e as arqueas, que não possuem um núcleo envolvido por membrana, nem organelas, apenas cromossomos e ribossomas, além de plasmídeos (DNA circular). Eucariontes são os organismos em que as células contêm núcleo e organelas envoltos por membrana.


A questão da evolução de organismos eucariontes a partir de procariontes é uma que pesquisadores da evolução dos seres vivos procuram desvendar, mas é uma questão bem distante da origem da vida, já que uma bactéria, mesmo a mais simples, já é um mundo em comparação com as moléculas orgânicas que formam os seres vivos. O surgimento das moléculas orgânicas complexas que formam os seres vivos é o desafio com o qual os pesquisadores da origem da vida têm se defrontado por cem anos. Esse problema não está nem perto de ter sido resolvido.


O principal problema das pesquisas sobre a origem da vida e os desafios monumentais que elas têm enfrentado tem a ver com a premissa errada de que a vida é definida pela junção de seus componentes básicos e que, se em algum laboratório forem simuladas as condições primitivas da Terra e moléculas orgânicas essenciais aos serem vivos, tais como ácidos nucléicos, proteínas e fosfolipídios, forem formados, isso representaria o começo da vida na Terra. Uma analogia para esse tipo de premissa seria a suposição de que a formação dos componentes básicos de um computador e a montagem dele, por algum conjunto de situações ideais ocorridas ao acaso, levaria a um computador funcionando perfeitamente e realizando tarefas.


E antes de prosseguir com a explicação dessa analogia, quero esclarecer que a palavra “acaso” para ela não provém de má informação da minha parte. Porque as leis físicas e as consequentes leis da química que dirigem quaisquer experimentos sobre origem da vida não têm preferência por originar moléculas e reações químicas que sejam as específicas e compatíveis com a vida. Por causa disso, porque o que está dirigindo esses experimentos é o acaso, geralmente são formados todos os tipos de moléculas, as que interessam à vida e seus isômeros, entre outros problemas. E também as reações químicas que acontecem são as que interessam para a vida e outras que atrapalham e dificultam essas reações.


Voltando à minha analogia com a construção de um computador, digamos que o computador tenha sido montado corretamente ao acaso, o que aconteceria quando ele fosse conectado a uma fonte de energia e ligado? O computador não faria nada. Por quê? Porque faltaria uma coisa essencial para que ele funcionasse: um sistema operacional, um programa que possibilita que ele realize as tarefas de um computador. Da mesma forma, a vida não está na organização e estruturação dos componentes orgânicos dos seres vivos, mas na “programação” que faz com que suas partes ajam inteligentemente, ou seja, a vida é processamento de informação!


Quanto ao caso das bactérias que estão sendo cogitadas como um elo entre seres procariontes e eucariontes, a ideia por trás dessa proposta é que, pelo fato de elas poderem fazer algo parecido com fagocitar (englobar e digerir) outras bactérias, isso poderia ser um primeiro passo para a formação de organelas com membrana dentro de uma bactéria primitiva. Porque há muito tempo têm sido ensinado em disciplinas de evolução que a mitocôndria (organela celular que produz energia) teria se originado de uma bactéria primitiva que foi englobada por outra célula primitiva e acabou se tornando parte da célula como uma organela. Esse teria sido o caso de cloroplastos e outros plastídeos também. Mas o fato é que se duvidava que uma célula procarionte pudesse ter energia suficiente para fazer algo assim, já que não possuía mitocôndrias que permitissem uma produção de energia bem mais eficiente.


A conclusão de que a bactéria que faz “fagocitose” seria um “elo perdido” entre procariontes e eucariontes se apoia no fato de que existem bactérias que vivem no interior de outros organismos e são conhecidas como endossimbiontes. Outra notícia que teria reforçado a hipótese da origem endossimbiótica de mitocôndrias e cloroplastos foi sobre uma suposta bactéria endossimbionte de uma alga marinha que evoluiu para uma organela (Coale et al. 217-222). Na verdade, os pesquisadores supunham que ela fosse uma bactéria endossimbionte, mas, ao examiná-la mais detidamente, concluíram que ela parece ser uma organela


O cenário imaginado para a teoria endossimbiótica é o de que algumas organelas celulares teriam sido formadas por endossimbiose bacteriana dentro de células que já eram eucariontes. Outra hipótese é de que a célula eucarionte teria se originado através de uma série de endossimbioses por diferentes bactérias (Bodył and Mackiewicz 484-492).


Encontrei um artigo em que foi feito mais do que ver como as pistas na natureza sobre este assunto podem apontar para uma conclusão e concluir que foi de fato assim (Libby et al.). O problema disso é que quando se encontra uma resposta possível para algo é preciso que se verifique se essa é a única resposta possível. Concluir que a primeira opção encontrada é a verdadeira porque é nossa resposta preferida para o problema não é a atitude de um verdadeiro investigador. Os autores do artigo que encontrei fazem estimativas quantitativas da viabilidade de organismos procariontes prosperarem numa associação endossimbiótica, já que, como eles disseram, “a endossimbiose é extremamente rara em bactérias e arqueas”.


Eles desenvolveram uma abordagem quantitativa para estimar a influência da compatibilidade metabólica entre os organismos procariontes vivendo em endossimbiose. Essa compatibilidade metabólica estimada significa “a capacidade do hospedeiro e do endossimbionte crescerem com os mesmos recursos”.  


Explicando seus métodos e resultados, os autores dizem o seguinte:

“Aqui, apresentamos uma estrutura quantitativa usando redes metabólicas em escala genômica que avalia o papel da compatibilidade metabólica nos diferentes estágios da evolução da endossimbiose procariótica: viabilidade, persistência e capacidade de evolução. Descobrimos que mais da metade dos pares aleatórios de metabolismos podem formar endossimbioses viáveis; no entanto, as endossimbioses resultantes frequentemente enfrentam custos de aptidão em termos de crescimento que dificilmente serão superados através de mutações. …No entanto, a robustez metabólica reduzida, as taxas de crescimento e a capacidade de evolução que estas endossimbioses provavelmente enfrentam limitam severamente a sua persistência e potencial para irradiar espetacularmente. As altas taxas de extinção e as baixas taxas de especiação resultantes dessas considerações metabólicas sustentariam apenas uma diversidade relativamente baixa de endossimbioses procarióticas existentes, confinadas a ambientes nos quais são menos propensas a serem superadas por hospedeiros ancestrais ou linhagens de endossimbiontes, tais como ambientes pobres em nutrientes.”


Ou seja, é pouco provável que bactérias endossimbiontes em células procariontes prosperariam para formar células eucariontes futuramente. Esses resultados acima mencionados me trazem à memória a história das pesquisas sobre a origem da vida que tenho acompanhado ao longo dos anos.


Em um artigo que foi publicado em 2020, por ocasião de um encontro em que pesquisadores em início de carreira se reuniram para considerar as perspectivas do futuro da pesquisa sobre a origem da vida, são citadas as palavras que  Oparin escreveu em seu livro em 1924:


“Todo um exército de biólogos está estudando a estrutura e organização da matéria viva, enquanto um número não menor de físicos e químicos  está diariamente nos revelando novas propriedades de coisas mortas. Como dois grupos de trabalhadores perfurando as duas extremidades opostas de um túnel, eles trabalham para o mesmo objetivo. O trabalho já percorreu um longo caminho e muito, muito em breve as últimas barreiras entre os vivos e os mortos desmoronarão sob o ataque do paciente e poderoso pensamento científico.”


Os autores desse artigo concluem: “O ‘muito, muito em breve’ não aconteceu até hoje”.

Oparin escreveu o primeiro livro sobre origem da vida que descreve o cenário de uma evolução química das moléculas e células primitivas que foram passando gradativamente, de forma espontânea, do estado não vivo para o de vivo (Oparin).

Freeman Dyson, em seu livro Origins of Life, declarou que a teoria de Oparin foi popular entre os cientistas por cerca de meio século “não porque houvesse qualquer evidência para apoiá-la, mas, antes, porque ela parecia ser a única alternativa para o criacionismo bíblico.” (Dyson)

Mais tarde, em 1953, Miller realizou seu famoso experimento que produziu aminoácidos. Mas o fato é que esse experimento não foi um sucesso. Encontraram-se evidências físicas e geológicas de que a atmosfera não era como seu experimento simulava, os aminoácidos produzidos não permaneciam muito tempo no ambiente em que eram formados senão seriam todos destruídos e descobriu-se que até os vidros dos tubos e balões onde ocorriam as reações reagiam com as moléculas da mistura.

Então, na década de 1980, Thomas R. Cech e Sidney Altman, trabalhando independentemente, descobriram que moléculas de RNA (moléculas muito parecidas com DNA) podem se dobrar de formas complexas e catalisar (acelerar) reações bioquímicas como fazem as proteínas enzimáticas (“The Nobel Prize in Chemistry 1989 - Press release”). 

Leslie Orgel, químico que ficou conhecido como o pai da teoria do mundo de RNA, e Gerald Joyce, bioquímico, idealizaram o que ficou conhecido como “o sonho do biólogo molecular”, mas que acabou se tornando “o pesadelo do químico prebiótico”. A molécula de RNA teria sido a primeira molécula importante para a vida porque conteria os genes codificadores de seres vivos e ao mesmo tempo poderia catalisar as reações de sua própria formação devido a sua função enzimática. Mas o que parecia uma resposta perfeita para o início da vida na teoria, se demonstrou um fracasso nas tentativas experimentais de produzir moléculas de RNA em um cenário prebiótico (de antes da vida começar).

A alternativa ao mundo de RNA consistia em um modelo de origem da vida através de um metabolismo primitivo, mas em 2010, um estudo (Vasas et al. 1470) dos cenários de origem da vida através de metabolismo, utilizando um modelo baseado em simulações computacionais para avaliar quantitativamente a viabilidade deles, concluiu o seguinte:

“A replicação da informação de compostos é tão imprecisa que os mais ajustados genomas de compostos não se mantêm pela seleção e, portanto, falta-lhes capacidade de evolução… Concluímos que esta limitação fundamental de conjuntos de replicadores adverte contra teorias de origem da vida de metabolismo primeiro.”

Um autor, em 2018, examinando a plausibilidade dos vários cenários para a origem da vida propostos (Tessera), cenários em que os compostos orgânicos que surgissem deveriam evoluir para originar seres vivos antes de haver uma evolução darwiniana (que atua sobre seres vivos), concluiu o seguinte:

“A partir desta revisão crítica infere-se que o conceito de ‘evolução pré-darwiniana’ parece questionável, em particular porque é improvável, se não impossível, que qualquer evolução em complexidade ao longo do tempo possa funcionar sem multiplicação e herdabilidade permitindo o surgimento de linhagens genética e ecologicamente distintas nas quais a seleção natural possa operar.”

Em outras palavras, sem multiplicação e herança, não poderia haver uma evolução química das moléculas até surgirem seres vivos.

O fato de estes resultados de pesquisas sobre a origem da vida me virem à mente quando li o artigo sobre a análise quantitativa da viabilidade de endossimbiose é porque estas duas situações demonstram justamente o que acontece quando as pessoas utilizam um conceito fraco de ciência que se originou com os filósofos iluministas e não com os pioneiros da ciência. Vejamos a diferença entre estes últimos e os primeiros.

Declarações de Roger Bacon em Opus Majus (Bacon)

“Passo agora à Matemática, o fundamento e a chave para todas as outras ciências, estudada desde as primeiras eras do mundo, mas que tem sido negligenciada ultimamente. Tratarei a seguir de sua aplicação ao conhecimento humano, ao conhecimento divino e ao governo da igreja... Temos a confirmação da experiência daqueles que conseguiram as maiores distinções em ciência. Eles devem seus resultados ao fundamento matemático de seus estudos... Passando dos métodos aos objetos de estudo, descobrimos ser impossível fazer progresso sem Matemática... Vimos a potência da Matemática quando aplicada a coisas seculares. Passamos agora a sua aplicação a coisas divinas. Filosofia é impossível sem Matemática, Teologia sem Filosofia. Todo o conhecimento está contido, direta ou indiretamente, nas Escrituras. Assim, para o correto entendimento da Escritura, conhecimento da natureza é necessário. Nas Escrituras, há um duplo significado, literal e espiritual. O primeiro é necessário para o segundo: e, como temos mostrado, conhecimento matemático é necessário para isso. Certamente os patriarcas estudaram Ciência Matemática e a transmitiram aos caldeus e egípcios, de onde ela chegou aos gregos. Isso é provado por Josefo e confirmado por Jerônimo e outros doutores, assim como por filósofos como Albumazar. Além disso, os próprios pais louvaram o valor da Ciência Matemática, como pode ser verificado em passagens de Cassiodoro, Agostinho, Bede e outros… O preconceito contra Matemática ganhou força pela luta do paganismo contra o cristianismo, em que a magia era usada pelo primeiro e em que os milagres cristãos eram considerados como magia.”

Declarações de Leonardo da Vinci (Da Vinci)

“Que nenhum homem que não seja um matemático leia os elementos de meu trabalho... Oh! estupidez humana, não percebes que, embora tenhas convivido contigo mesma toda tua vida, ainda não estás ciente da coisa que mais possuis, que é tua tolice? e então, com a multidão de sofistas, enganai-vos a vós mesmos e a outros, desprezando as ciências matemáticas, nas quais a verdade habita e o conhecimento das coisas nelas está... Ciência é a capitã e a prática são os soldados... Aqueles que se apaixonam pela prática sem a ciência são como aqueles que entram em um navio sem leme ou bússola e que nunca podem ter certeza de para onde estão indo... Nenhuma investigação pode ser chamada de ciência real se não puder ser demonstrada matematicamente... Portanto, ó estudantes, estudem Matemática e não construam sem fundamentos... Aqueles que condenam a suprema certeza da Matemática alimentam-se de confusão e nunca podem silenciar as contradições das ciências sofistas que levam ao eterno charlatanismo.”

Declarações de Galileu Galilei (Galilei)

“Em Sarsi pareço discernir a firme crença de que, ao filosofar, devemos apoiar-nos na opinião de algum autor célebre, como se nossas mentes devessem permanecer completamente estéreis e infrutíferas exceto quando casadas com o raciocínio de outra pessoa. Possivelmente, ele pensa que filosofia é um livro de ficção de algum escritor, como Ilíada ou Orlando Furioso, produções nas quais a coisa menos importante é se o que foi escrito é verdadeiro. Bem, Sarsi, não é assim que as coisas funcionam. A filosofia está escrita nesse grandioso livro, o universo, que permanece continuamente aberto a nossa vista. Mas esse livro não pode ser entendido a menos que primeiro se aprenda a entender a língua e a ler as letras com as quais é composto. Ele está escrito na língua da matemática, e seus caracteres são triângulos, círculos, e outras figuras geométricas sem as quais é humanamente impossível entender uma simples palavra dele; sem eles, fica-se a vagar em um labirinto escuro... Colocando de lado as dicas e falando abertamente e lidando com a ciência como um método de demonstração e raciocínio acessível ao uso humano, sustento que quanto mais isto participa da perfeição, menos proposições prometerá ensinar, e menos ainda provará conclusivamente. Consequentemente, quanto mais perfeita ela é, menos atrativa será e menor será seu número de seguidores. Por outro lado, títulos magníficos e muitas promessas grandiosas atraem a curiosidade natural dos homens e os mantém para sempre envolvidos em falácias e quimeras, sem nunca oferecer-lhes uma amostra sequer da nitidez da verdadeira prova pela qual o gosto pode ser despertado para saber o quão insípida é a ração diária da filosofia. Tais coisas manterão uma infinidade de homens ocupados, e será realmente afortunado o homem que, guiado por alguma luz interior fora do comum, puder sair dos confusos labirintos nos quais ele poderia ter permanecido perpetuamente errante com a multidão e tornando-se cada vez mais enredado.”


Agora vejamos as considerações sobre filósofos como Francis Bacon e Denis Diderot

“O Iluminismo, como a época em que a ciência natural experimental amadurece e se destaca, admira Bacon como ‘o pai da filosofia experimental’. A revolução de Bacon (promulgada, entre outras obras, em The New Organon, 1620) envolve conceber a nova ciência como (1) fundada na observação e experimentação empírica; (2) obtida através do método de indução; e (3) como objetivo final e confirmada por capacidades práticas melhoradas (daí o lema baconiano, ‘conhecimento é poder’). (Bristow)” 

“Denis Diderot foi um escritor e filósofo cujo corpus de trabalho contribuiu para as ideias da Revolução Francesa. Ele foi editor das seções de arte e ciência da enciclopédia. Ele foi um ‘teórico científico’ original do Iluminismo, que conectou a mais nova tendência científica a ideias filosóficas radicais como o materialismo. Ele foi especialmente interessado nas ciências da vida e seu impacto em nossas ideias tradicionais sobre o que é uma pessoa ou humanidade. (Kumar 59)”

A diferença entre os primeiros e os últimos é que os primeiros nos legaram uma ciência que se baseia em métodos matemáticos. Esta foi a ciência que inspirou Newton a descobrir o Cálculo que levou à “investigação do calor, luz, eletricidade, magnetismo e química atômica” (Williams). Newton “foi a figura culminante da Revolução Científica do século XVII” (Westfall). O tipo de ciência de Newton, baseado em métodos matemáticos levou ao desenvolvimento da física e da química, que levaram ao desenvolvimento da biologia, da medicina, da engenharia e da tecnologia.

Em contrapartida, as idéias dos filósofos iluministas, baseadas numa ciência que se apoia na razão humana, no raciocínio indutivo, em métodos de tentativa e erro, produziram resultados como a Revolução Francesa e o naturalismo metodológico.

A diferença entre estas duas ciências é que a primeira nos legou um método capaz de ajudar a humanidade a transcender as falhas do raciocínio humano quando ele tenta lidar com coisas que ultrapassam a experiência do cotidiano e que não são possíveis de serem imaginadas para serem observadas e se levantarem hipóteses a respeito. Ela provê insights sobre a realidade que provêm dos métodos matemáticos utilizados. Enquanto que a segunda, limita-se ao que o ser humano consegue imaginar para poder testar, baseia-se em coisas que parecem perfeitamente lógicas para o raciocínio filosófico, mas que na prática, levam a becos sem saída como as pesquisas sobre a origem da vida e o surgimento das primeiras células eucariontes.

(Graça Lütz é bióloga e bioquímica)

Obras citadas:

Bacon, Roger. Opus Majus. Oxford, Clarendon press, 1897.

Bodył, A., and P. Mackiewicz. Brenner’s Encyclopedia of Genetics. 2nd ed., vol. 2, Wrocław, Elsevier Inc., https://open.icm.edu.pl/server/api/core/bitstreams/2e5ba617-0224-403c-8f09-ac1acaacd762/content.

Bristow, William. Enlightenment. Edward N. Zalta & Uri Nodelman, 2023, https://plato.stanford.edu/archives/fall2023/entries/enlightenment/.

Coale, Tyler H., et al. “Nitrogen-fixing organelle in a marine alga.” Science, vol. 384, no. 6692, 2024, pp. 217-222. Science, https://www.science.org/doi/10.1126/science.adk1075. Accessed 10 09 2024.

Da Vinci, Leonardo. The notebooks of Leonardo da Vinci. 1955. Internet Archive, Braziller, https://archive.org/details/noteboo00leon/page/n6/mode/1up. Accessed 11 09 2024.

Di Lorenzo, Alessandro. “'Elo perdido' que explicaria a origem da vida na Terra foi encontrado por cientistas.” Olhar Digital, 03 09 2024, https://olhardigital.com.br/2024/09/03/ciencia-e-espaco/elo-perdido-que-explicaria-a-origem-da-vida-na-terra-foi-encontrado-por-cientistas/. Accessed 10 09 2024.

Dyson, Freeman. Origins of life. Cambridge, Cambridge University Press, 1999/2000.

Galilei, Galileu. Il Saggiatore. Roma, Rome Giacomo Mascardi, 1623.

Kumar, Sanjeev. “Impact of intellectuals and philosophers in French revolution 1789.” International Journal of History, vol. 2, no. 1, 2020, pp. 56-59.

Libby, Eric, et al. “Metabolic compatibility and the rarity of prokaryote endosymbioses.” PNAS, 2023. PubMed Central, https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC10151612/. Accessed 10 09 2024.

“The Nobel Prize in Chemistry 1989 - Press release.” The Noble Prize, https://www.nobelprize.org/prizes/chemistry/1989/press-release/. Accessed 11 09 2024.

Oparin, A. I. The Origin of Life. 2nd ed., New York, Dover Publications, Inc., 1953.

Tessera, Marc. “Is pre-Darwinian evolution plausible?” Biology Direct, vol. 13, no. 18, 2018. BMC, https://biologydirect.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13062-018-0216-7. Accessed 11 09 2024.

Vasas, Vera, et al. “Lack of evolvability in self-sustaining autocatalytic networks constraints metabolism-first scenarios for the origin of life.” PNAS, vol. 107, no. 4, 2010, pp. 1470-1475.

Westfall, Richard S. Isaac Newton. Encyclopedia Britannica, https://www.britannica.com/biography/Isaac-Newton. Accessed 10 2020.

Williams, L. Pearce. History of Science. Encyclopedia Britannica, https://www.britannica.com/science/history-of-science. Accessed 11 2022.

Wurzbacher, Carmen E., et al. “'Candidatus Uabimicrobium helgolandensis'—a planctomycetal bacterium with phagocytosis-like prey cell engulfment, surface-dependent motility, and cell division.” mBio, 2024. ASM Journals, https://journals.asm.org/doi/10.1128/mbio.02044-24. Accessed 10 09 2024.

terça-feira, junho 25, 2024

Leis: de onde vieram?

Quando me perguntam o que, para mim, há de mais fascinante na Física, minha resposta é fácil e rápida: “O seu objetivo primário!”. E qual seria? Encontrar as Leis que regem o comportamento da natureza. Este é o “santo graal” da Física, e o que mais me atrai nela.

Pensar sobre a realidade com rigor e métodos precisos o suficiente para nos permitir vislumbrar a maneira como o universo funciona é profundamente estimulante para mim. Entretanto, uma pergunta que poucas vezes vejo ser feita é “Como essas leis foram formadas?” ou, de outra forma, “Como vieram a existir?”. Estamos sempre dispostos a questionar como a matéria e a energia surgiram, mas não perguntamos como as leis, sobre as quais nos fundamentamos para investigar a origem daquelas, passaram a existir.

Como exemplo, pensemos sobre a lei da gravidade. Hoje, expressa matematicamente pela Teoria da Relatividade Geral, esta interação descreve como os corpos do universo afetam uns aos outros. A partir desta lei, a cosmologia pôde afirmar que o tempo e o espaço tiveram um começo através do modelo do Big Bang, mas não há qualquer mecanismo, ou proposta de mecanismo, para explicar como tal lei emergiria da natureza.

Dessa constatação, poderíamos pensar em algumas implicações. A principal delas é que, antes de afirmar que somos capazes de explicar como o universo veio a existir do nada, e de maneira natural, precisamos saber como as leis físicas que usamos para explicar essa origem vieram a existir nesse “NADA”. Não podemos sequer, como muitos fazem ao tratar da origem do universo, usar o conceito de vácuo quântico, no qual existem flutuações quânticas de energia a partir das quais partículas possam ser formadas, pois este processo somente pode ser descrito por leis físicas pré-existentes, cuja origem não foi explicada.

Além de precisarmos incluir, em nossa formulação sobre uma causa naturalista para o universo, a origem das leis que usamos, é importante que o mecanismo sugerido traga consigo a explicação de como uma condição caótica, sem leis ou propriedades, poderia ser formadora de leis matemáticas tão precisas como a lei da gravidade.

Por outro lado, explicar a existência de leis como resultante de uma ação intencional primordial, oriunda de uma mente que já possui em si a complexidade necessária para a formulação de tais leis da natureza, é não apenas possível, mas provável, frente à realidade observada. Portanto, a crença em um Deus criador e legislador é a melhor resposta para entender a origem de Leis “Naturais”, e traz consigo tanto a motivação para a investigação de tais leis como a legitimidade de nossa capacidade em compreendê-las, pois ambos, os seres humanos e as leis, são originários da mesma inteligência: o Deus criador!

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(Rafael Christ Lopes é doutor em Cosmologia)

A luz na trilha: ciência e a busca pelo significado

Finalmente o dia da trilha chegou. Apesar de iniciante, você está muito ansioso para fazer essa trilha de 5 horas através de uma floresta com paisagens exuberantes, em uma região vizinha à sua cidade. Após arrumar tudo o que precisaria em sua mochila, parte em direção à entrada da trilha e começa sua jornada. Entretanto, após algumas horas, nota algo estranho. Ainda não alcançou o objetivo final. Como, após mais de 5 horas, você ainda não estava vendo nem sinal da cidade? A resposta é só uma: você está perdido! E, para piorar, está anoitecendo. É nesse momento que decide pegar sua pequena lanterna e seguir sua jornada só com essa pequena luz.

Mesmo a lanterna sendo simples e limitada, em meio à completa escuridão em que estava, ainda era seu único instrumento de orientação para chegar à cidade de destino. A lanterna não é o seu objetivo; é apenas um meio que lhe ajudará a alcançar a luz maior da cidade de chegada. E, finalmente, já por volta da meia-noite, você enxerga uma pequena luz ao fundo, que vai aumentando à medida que você caminha na direção dela. Quanto mais próximo, seu caminho, que antes era iluminado apenas pela pequena lanterna, agora é confirmado pela intensa luz da cidade no fim da trilha. Tudo faz sentido agora!

E se a ciência, como prática de pesquisa, for como uma luz que, em meio às trevas de um mundo desconhecido e incerto, serve como indicativo de algo maior, mais luminoso, e que preencherá a vida de significado?

Desde sua origem, a pesquisa científica tem como objetivo primordial compreender a realidade ao seu redor. Tal objetivo tem sido realizado com bastante êxito ao compararmos o conhecimento que possuímos nas diversas áreas científicas e como ele resulta na melhoria da vida humana. Porém, há algo que parece estar além do escopo científico: a determinação de um significado para a realidade. Por mais que tentemos, os métodos científicos não conseguem dar uma resposta para o porquê e o propósito de nossa existência. Isso se dá especialmente porque sua luz, apesar de eficiente, ilumina somente uma perspectiva da realidade. Portanto, mesmo com todo o seu poder explicativo, a jornada científica não produziu uma explicação sobre o significado e propósito da realidade. E isso não é um problema do método, mas da natureza da pesquisa científica. A própria natureza do método científico não abarca as diversas perspectivas da existência como um todo. Então, o que faremos? Ficamos às cegas, só com uma lanterna (a ciência humana) em meio a essa trilha complexa e incerta da existência, tateando, com pouca luz, algumas pistas ao redor, a fim de encontrar o caminho?

Assim como a lanterna teve um papel crucial em nossa história inicial, a pesquisa científica também tem. Por outro lado, tal como a lanterna, o resultado da investigação científica ilumina aspectos específicos da realidade, os quais nos indicam o caminho para algo mais amplo e significativo, que irá atender nossas necessidades plenamente. Mas onde encontrar esta luz mais ampla? Não pode ser apenas na natureza, pois se assim fosse, a pesquisa científica seria suficiente para alcançar esse objetivo. É preciso que a fonte de significado transcenda o natural, que seja algo revelado, que apresente o porquê e o propósito da existência.

Há somente uma fonte que atende a estes critérios: alguém que tenha o conhecimento e a autoridade para apresentar o significado do quadro maior da realidade. O Deus Criador! Só Deus é absoluto, autoexistente e o criador não criado. Por ser criador, ele sabe quem somos e para que fomos criados. Só nEle poderemos encontrar a real satisfação de nossos anseios e não continuarmos perdidos e inseguros nessa incógnita trilha da vida!

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(Rafael Christ Lopes é doutor em Cosmologia)

quarta-feira, maio 15, 2024

O grande conflito e a criação: uma breve análise

A partir de 2023, a Igreja Adventista do Sétimo Dia iniciou a distribuição em massa do best-seller O Grande Conflito, da escritora norte-americana Ellen G. White. O projeto pretende entregar, gratuitamente, um bilhão de exemplares (200 milhões impressos e o restante em formato digital), alcançando 12% da população da Terra, em apenas dois anos.[1] A mensagem do livro trata da crença bíblica do grande conflito entre o bem e o mal. Esse ensino importante está relacionado com o criacionismo bíblico.

 

Qual é a relação entre a doutrina do grande conflito e a criação? Como esses dois conceitos podem ser definidos e como eles afetam nossa vida? Vamos tentar responder a essas perguntas com a Bíblia, os escritos de Ellen White e outros autores.    

 

O grande conflito e a criação são crenças fundamentais da Igreja Adventista do Sétimo Dia.[2] O livro Nisto Cremos esboça e comenta esses dois ensinos. O grande conflito está presente na seção “a doutrina da salvação”, e constitui a crença oito: “Toda a humanidade está agora envolvida no grande conflito entre Cristo e Satanás quanto ao caráter de Deus, sua Lei e Sua soberania sobre o Universo. Esse conflito se originou no Céu, quando um ser criado, dotado de liberdade de escolha, por exaltação própria, tornou-se Satanás, o adversário de Deus, e conduziu à rebelião uma parte dos anjos. Ele introduziu o espírito de rebelião neste mundo, ao induzir Adão e Eva ao pecado. Esse pecado humano resultou na deformação da imagem de Deus na humanidade, no transtorno do mundo criado e em sua consequente devastação por ocasião do dilúvio global, conforme retratado no relato histórico de Gênesis 1 a 11. Observado por toda a criação, este mundo se tornou o palco o conflito universal, dentro do qual será finalmente vindicado o Deus de amor. Para ajudar Seu povo nesse conflito, Cristo envia o Espírito Santo e os anjos leais para os guiar, proteger e amparar no caminho da salvação” (Gn 3; 6-8; Jó 1:6-12; Is 14:12-14; Ez 28:12-18; Rm 1:19-32; 3:4; 5:12-21; 8:19-22; 1Co 4:9; Hb 1:14; 1Pe 5:8; 2 Pe 3:6; Ap 12:4-9).[3]

 

A crença “A Criação” está presente na seção “a doutrina do ser humano”, e constitui a crença 6: “Deus comunica por meio das Escrituras o relato autentico e histórico de Sua atividade criadora. Ele criou o Universo e, em uma criação recente, de seis dias, o Senhor fez os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e descansou no sétimo dia (Êx 20:11). Assim Ele estabeleceu o sábado como memorial perpétuo da obra que Ele realizou e terminou em seis dias literais que, junto com o sábado, constituem a mesma unidade temporal que hoje chamamos de semana. O primeiro homem e a primeira mulher foram formados à imagem de Deus como obra-prima da criação, foi-lhes dado domínio sobre o mundo e atribuiu-se-lhes a responsabilidade de cuidar dele. Quando o mundo foi concluído, ele era muito bom, proclamando a glória de Deus” (Gn 1-2; 5; 11; Êx 20:8-11; Sl 19:1-6; 33:6, 9; 104; Is 45:12, 18; At 17:24; Cl 1:16; Hb 1:2; 11:3; Ap 10:6; 14:7).[4]

 

Com a ascensão do modernismo, através do Iluminismo, a realidade de seres sobrenaturais como anjos e demônios foi amplamente questionada e, com frequência, descartada. Antes do modernismo, porém, a realidade de um conflito cósmico foi amplamente defendida pelos cristãos.[5] Um pouco antes dessa fase, também influenciado pelo Iluminismo e o Racionalismo, o cristianismo ficou dividido sobre a doutrina da criação. A publicação do livro A Origem das Espécies, por meio da seleção natural ou a luta pela existência na natureza, de Charles Darwin (em 1859), levou muitos cristãos a rejeitarem o Criador e Sua obra.

 

Grande conflito: concepção adventista

 

Os adventistas consideram o grande conflito sua cosmovisão para explicar a realidade. Para eles essa crença “é fundamental, pois serve de base para descrever a história do planeta Terra juntamente com as implicações que envolvem a raça humana”. Em outras palavras, “a expressão o grande conflito é utilizada” pelos adventistas como referência a uma interpretação bíblica da história humana. O centro dessa mensagem específica é a luta entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, entre Cristo e Satanás, onde o campo de batalha é o planeta Terra”.[6]     

 

As referências bíblicas sobre o grande conflito formam “um mosaico da verdade”, que explica a mensagem total da Escritura com maior clareza. O conflito moral, que tem perturbado o Universo, acha-se estreitamente vinculado ao plano de salvação, que prevê “a libertação da humanidade da escravidão do pecado, e uma teodiceia para a Divindade contra as acusações de Satanás”.[7] Para o teólogo Fernando Canale, o grande conflito constitui uma “metanarrativa que segue a lógica interna e a progressão histórica das atividades divinas envolvidas no plano e realização da redenção cósmica”.[8]

 

Mark Finley explica que os três temas mais importantes da Bíblia (Jesus, o plano da salvação e a cruz) “se desdobram tendo como base um cenário ainda mais abrangente: ‘o grande conflito’. Esse tema permeia a Bíblia, de Gênesis a Apocalipse”.[9] O grande conflito, portanto, aglutina e explica os demais temas bíblicos, como uma assadeira de bolo que recebe os ingredientes e lhes dá forma e sabor. O estudo da Bíblia com as lentes do conflito cósmico, então, amplia a compreensão de episódios isolados e dá significado ao quadro completo. Alberto Timm explica que, para os adventistas, o grande conflito constituiu “a moldura de seu pensamento teológico”.[10]

 

Ellen White, o grande conflito e a criação

 

Para Ellen White, a “história do grande conflito entre o bem e o mal, desde o tempo em que, a princípio, se iniciou no Céu até à ruína final da rebelião e extirpação total do pecado, é também uma demonstração do imutável amor de Deus”.[11] Esse tema tornou-se para ela “seu princípio organizador. Todas as áreas de seu pensamento se desenrolavam a partir desse princípio internamente consistente”.[12] Ela sistematizou o tema na série O Conflito dos Séculos (cinco livros), que descreve o conflito cósmico entre Cristo e Satanás ao longo da história, desde a queda da Lúcifer no Céu até o fim do milênio.[13]

 

Segundo Márcio Costa, o “tema do grande conflito talvez seja a maior contribuição teológica de Ellen White”[14], e George Knight afirmou que o “segundo tema fundamental que corre como um fio por toda a sua obra é o grande conflito”.[15]

 

A criação também recebeu um destaque especial nos escritos da autora. Ela afirmou a criação literal da Terra, o sábado como memorial desse feito e o impacto dessa crença na história bíblica. Ela também rejeitou, categoricamente, a teoria da evolução:   

 

“Deus criou o homem à Sua própria imagem. Não há aquí misterio. Não há lugar para a suposição de que o homem evoluiu, por meio de morosos graus de desenvolvimento, das formas inferiores da vida animal ou vegetal. Tal ensino rebaixa a grande obra do Criador ao nível das concepções estreitas e terrenas do homem. [...] Os seres humanos são tão persistentes em excluir a Deus da soberania do Universo, que degradam ao homem e o despojam da dignidade de sua origem. [...] A genealogia da humanidade, conforme é dada pela inspiração, remonta sua origem não a uma linhagem de micróbios, moluscos e quadrúpedes que se desenvolveram, mas ao grande Criador.”[16]

 

Ellen White defendia que a criação foi concluída no fim da primeira semana literal e sua extensão foi global; que Deus criou a Terra em perfeição; que a humanidade recebeu a imagem divina “tanto na aparência exterior como no caráter”, e que a queda ocasionou a devastação da Terra e a degradação humana. Ela ainda afiançou o dilúvio global e assegurou a restauração da Terra ao seu estado original, por Deus.[17]

 

Para a Igreja Adventista, a “criação é a verdade fundamental das Escrituras. Todos os ensinamentos bíblicos, incluindo a encarnação de Cristo, Sua morte na cruz, Sua segunda vinda e todos os outros ensinos estão fundamentados na verdade de que nosso mundo foi criado pelo Senhor”.[18]

 

Michelson Borges escreveu: “Graças à teoria da evolução, o relato da criação, em Gênesis, gradualmente passou a ser visto” apenas como um mito. Minando a credibilidade do relato de Gênesis, desencadeia-se um “efeito dominó”, derrubando toda a teologia bíblica. Se a criação não foi exatamente como está descrita, não houve queda e, por conseguinte, a redenção não é necessária. Nesse caso, para que Jesus voltará ou para que o sábado como memorial da criação e selo de Deus?[19]

 

Para o historiador Justo González, “criacionismo é a resposta de alguns cristãos conservadores à teoria da evolução, visto como ameaça à doutrina cristã da criação. […] de acordo com os criacionistas, o relato bíblico […] da criação é científicamente defensável, e há uma irreconciliável diferença entre a doutrina cristã da criação e a teoria científica da evolução”.[20]

 

O geólogo Nahor N. Souza Jr. define criacionismo como uma “cosmovisão em que ocorrem associações intuitivas ou intencionais entre o conhecimento bíblico (historicidade de Gn 1 a 11), o conhecimento de Deus (origens, sustentação e restauração) e o conhecimento da natureza (nos seus aspectos científicos e estéticos).”[21]

 

O próprio nome “adventista do sétimo dia” está tão intimamente ligado à criação que as crenças que leva implícitas são chaves no grande conflito entre Deus e Satanás. No contexto dessa batalha cósmica, amplamente difundida, a crença da evolução é uma das fortalezas do inimigo. Com referência ao passado, Deus é despojado de Seu poder criador; com referência ao futuro, Satanás, por meio de seus agentes, luta pelo culto supremo que somente o Criador merece.[22]

 

Grande conflito e criação: relações

 

O grande conflito e a criação estão relacionados de muitas maneiras. Essa conexão envolve a origem e desfecho de ambos. A criação é mais antiga, pois em Cristo “foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele é antes de todas as coisas. Nele tudo subsiste” (Cl 1:16, 17). A queda de Lúcifer e sua obra caluniosa contra seu criador antecederam a criação da Terra.[23] Sua guerra contra Cristo, derrota e expulsão do Céu transladaram o conflito para a Terra (Ap 12:7-12; Gn 3). Esse conflito foi vencido por Cristo ao bradar na cruz “está consumado” (Jo 19:30). “Era o propósito de Deus repovoar o Céu com a família humana”,[24] o que se cumprirá após o milênio, quando Satanás e seus seguidores (demônios e ímpios) serão aniquilados e a Terra recriada. O conflito terá seu desfecho, o bem vencerá o mal e a harmonia do Universo voltará, como fora no princípio (Ap 20–22).[25]

 

Três áreas importantes nessa correlação são a teológica, a hermenêutica e a missiológica. Teologicamente, os dois conceitos fornecem as bases para a correta compreensão sobre quem é Deus, o que é a realidade, como Ele age em relação às Suas criaturas e como os seres humanos devem se relacionar com Deus e com seus semelhantes. Enquanto o grande conflito é a moldura do pensamento teológico adventista, a criação é seu fundamento ou ponto de partida. A criação aponta para Deus, o originador de tudo o que existe, e o grande conflito expõe Seu caráter no trato com Suas criaturas.  

 

Baseando-se nas ideias de James W. Sire, Carlos Flávio Teixeira afirma que a estrutura da cosmovisão cristã “parte da criação do mundo, observando especificamente os efeitos catastróficos do pecado na mente e no coração humano, a guerra espiritual cósmica onde a verdade sobre a realidade e o significado da vida estão em jogo, a graciosa irrupção do reino de Deus dentro da história humana na pessoa e obra de Jesus Cristo, que torna o conhecimento do Deus verdadeiro e de Sua criação possível ao crente”.[26]

 

Segundo John Peckham, “uma teologia canônica que busque extrair sua estrutura conceitual do cânon das Escrituras é obrigada a incorporar uma estrutura baseada no conflito cósmico”.[27] De igual maneira, negar o relato da criação afeta a compreensão das demais doutrinas básicas, como o matrimônio, o sábado, a salvação e a escatologia.[28] Como disse Ruy Viera, “as crenças adventistas do sétimo dia fundamentam-se na revelação bíblica sobre a criação”.[29]

 

Segundo Hiran Jacobini, o conflito cósmico é um princípio hermenêutico implicado pela própria Palavra de Deus e, portanto, essencial à sua interpretação e compreensão; (2) a temática do conflito cósmico é parte integrante na cosmovisão dos autores bíblicos; e, portanto, uma pré-suposição importante na construção do mapa teológico das Escrituras; (3) o Conflito Cósmico é um fundo harmônico que permeia todas as narrativas bíblicas.[30] O mesmo poderia ser dito acerca da criação, que é parte intrínseca do pensamento bíblico e precisa ser levada em conta em sua correta interpretação. Jesus, ao interpretar as Escrituras, fez alusões à criação e ao conflito entre o bem e o mal (Mt 13:18-30, 36-43; 19:1-12; Lc 23:13, 25-32). Se não levarmos em conta o conflito e a criação, podemos distorcer o texto bíblico ou interpretá-lo, por um lado alegoricamente (negando a criação literal), e por outro humanisticamente (negando o conflito cósmico). A negação desses princípios e suas implicações para a vida e ética parece influenciar as interpretações alternativas atuais do relato bíblico.[31]

 

Tanto o grande conflito quanto a criação ocupam espaço privilegiado nas Escrituras, com grandes porções a respeito. O propósito disso não é apenas representativo, mas interpretativo. É significativo que a Bíblia comece com a criação e muitos livros bíblicos com uma evocação a esse evento (1Cr 1:1; Is 1:2; Ec 1:1-11, 1:9; Dan 1:12; Jo 1:1-14, etc.). Da mesma forma, os autores bíblicos apontam a realidade do grande conflito, em muitas passagens e episódios (Jó 1; Dn 10; Zc 3; Ef 6; Ap 12). Ambos os conceitos são apresentados como reais e não alegóricos. O conflito, embora envolva seres sobrenaturais invisíveis, pode ser percebido no fluxo da história bíblica e secular.[32]

 

Há ainda uma relação missiológica entre o conflito cósmico e a criação. Ismael da Silva e Rodrigo Follis afirmam que “a teologia do cotidiano contemporânea, através dos seus símbolos e de sua mística, encontra na metanarrativa do grande conflito cósmico um cenário propício para que a cosmovisão cristã seja contextualizada e desenvolvida na mentalidade pós-moderna”.[33] Segundo Vanderlei Dornelles, “o apelo do primeiro anjo, em Apocalipse 14:6, 7, para que os povos da ‘terra’ adorem ‘Aquele que fez o céu, e a terra, e o mar’, mostra que a temática da criação está no centro do conflito final descrito” nas visões de Apocalipse 12-14[34] e faz parte de sua proclamação final. O movimento criacionista moderno, iniciado pelos adventistas por meio de George McCready Price (1870-1963), contribuiu para essa proclamação.[34]  

 

A compreensão do grande conflito, em sua relação com a criação é fundamental. O significado dessas doutrinas afeta a vida espiritual,[35] contribuindo no amadurecimento espiritual até alcançarmos a estatura da plenitude de Cristo (Ef 4:16). “Ellen White percebia a conexão direta entre o tema do grande conflito, com foco na restauração, e sua filosofia de educação, observando seu propósito e objetivo mútuos: ‘Restaurar no homem a imagem de ser Autor, levá-lo de novo à perfeição em que fora criado. [...] Essa devia ser obra da redenção.”[36]

 

(Ribamar Diniz é Mestre em Teologia, Especialista em Missão Urbana [SALT/FADBA], Mestre em História Social [Unifap]; membro da Sociedade Criacionista Brasileira e do LEHME [Laboratório de Estudos da História e Memória do Unasp] e pastor na Missão Pará-Amapá)

 

Referências:

1. Mais detalhes sobre o projeto em https://greatcontroversyproject.org/. Acesso: 22 de abril e 2024.

2. Sobre o Grande Conflito veja Frank B. Holbrook, O Grande Conflito. In Rauol Dederen, (editor), Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia, (Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2011), p. 1070-1112; Associação Ministerial da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia. O Grande Conflito. In: Nisto Cremos: as 28 crenças fundamentais da Igreja Adventista do Sétimo Dia. 10 ed. Tradução: Hélio L. Grellmann. Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2018), p. 124-133. John C. Peckham, Teodiceia do Amor: O Conflito Cósmico e o Problema do Mal (Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora, 2022). Sobre a criação veja Nisto Cremos, p. 86-98; William H. Shea, Criação. In: Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia, p. 467-511 e a série de livros publicados no site da www.scb.org. 

3. Nisto Cremos, p. 124.

4. Nisto Cremos, p. 86.

5. Pecham, Teodiceia do Amor, p. 108.

6. Gladys Angélica A e Felipe Carmo da Silva, “A Magia Profunda”: As Crônicas de Nárnia à luz do Grande Conflito. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Salto - SP – 17 a 19/06/2016. Disponível em: https://portalintercom.org.br/anais/sudeste2016/resumos/R53-0734-1.pdf. Acesso: 22 de abril de 2024.

7. Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia, p. 1070.

8. Canale, F. From vision to system: finishing the task of adventist theology part iii sanctuary and hermeneutics. Journal of the Adventist Theological Society, v. 17. n. 2, 36-80, 2006. Disponível em: https://digitalcommons.andrews.edu/jats/vol17/iss2/3/ Acesso em: 19 nov. 2017.

9. Finley, O Grande Conflito, Lição da Escola Sabatina, abril-junho de 2024, p. 05.

10. Alberto R. Timm, O Santuário e as três mensagens angélicas: fatores integrativos no desenvolvimento das doutrinas adventistas. 6ta edição. Tradução: Arlete Inês Vicente (Engenheiro Coelho, SP: Unaspress, 2018), p. 228. Para um estudo sobre o conceito de conflito cósmico entre o bem e o mal nas religiões antigas ver, Cosmos, Chaos and the World to Come: The Ancient Roots of Apocalyptic Faith de Norman Cohn, publicado pela Yale University, 1993.

11. Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, Tatuí, 16ed. (São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2006), p. 33.

12. Denis Fortin e Jerry Moon, eds., Enciclopédia Ellen G. White (Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2018), p. 949.

13. Fortin e Moon, Enciclopédia Ellen G. White, p. 1295.

14. Revista Adventista, agosto de 2021, p. 20.

15. Para este autor o primeiro é o amor de Deus e os demais são Jesus, a cruz e a salvação por sua mediação; a centralidade da Bíblia; a segunda vinda; A mensagem do terceiro anjo e a missão da Igreja Adventista; o cristianismo prático e o desenvolvimento do caráter cristão. George R. Knight, Introducción a los escritos de Elen G. de White. Florida: Asociación Casa Editora Sudamericana, 2014), p. 140-162.

16. Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, 45.

17. Enciclopédia Ellen G. White, p. 789-791.

18. Lição da Escola Sabatina, jan-mar 2013, 04.

19. Michelson Borges, Nos Bastidores da Mídia, edição atualizada (Tatuí, São Paulo: CPB, 2016), p. 14.

20. Justo L. Gonzales, Essential Theological Terms (Louisville, KY: Westminster John Knox, 2005), p. 42.

21. Dr. Nahor Jr. Palestra no Congresso de Universitários APlaC, Brasília, 02 de fevereiro de 2013. Anotações do autor.

22. Marcos Terreros? Quien es um adventista? Alguien que exalta la creación. In: Theologika: Revista Biblico-Teologica, Vol. XVIII, n. 1, 2003, p. 14-15.

23. Veja Ellen G. White, A Verdade sobre os anjos, p. 32.

24. Ellen White, Carta 91, 1900. “O Céu triunfará, pois as vagas deixadas pelos anjos caídos de Satanás e seu exército serão preenchidas pelos redimidos do Senhor”. (Olhando Para o Alto, p. 56).

25. Ellen G. White, O Grande Conflito (Tatuí, São Paulo: CPB, 2005), p. 678.

26. Carlos Flávio Teixeira, Verdadeira: filosofia, cosmovisão e ética cristã. 1ra edição. Engenheiro Coelho, Unaspress, 2024), p. 49.

27. Peckham, Teodiceia do Amor, p. 110-111.

28. Elias Brasil de Souza e Adenilton Tavares de Aguiar. A criação e a teologia adventista: Gênesis 1 e a linguagem criacionista de João. In: Wellington dos Santos Silva (org). Criacionismo no Século 21: Uma abordagem multidisciplinar, 1ª ed. (Cachoeira, CePLiB, 2013), p. 187

29. Ruy Carlos de Camargo Viera, A semana da criação: examinando o relato bíblico deum ponto de vista moderno (Brasília: Sociedade Criacionista Brasileira, 2012), p. 11.

30. Hiran E. C. Jacobini. O Conflito Cósmico: um princípio hermenêutico das Escrituras. Monografia em Estudos Teológicos. Centro Universitário Adventista de São Paulo – Campus Engenheiro Coelho. Novembro 2011. Disponível em: https://cdn.centrowhite.org.br/home/uploads/2023/02/O-CONFLITO-COSMICO-UM-PRINCIPIO-HERMENEUTICO-DAS-ESCRITURAS-1.pdf. Acesso: 22 de abril de 2024.

31. Veja o artigo de Carlos Flávio Teixeira sobre as hermenêuticas alternativas em https://teste.ministeriopastoral.com.br/novas-leituras/. Acesso: 01 de maio de 2024.

32. As cenas do prolongado conflito entre o bem e o mal foram apresentadas a Ellen White. Entre outras coisas, ela viu que Satanás tem levado os homens “a adorar a criatura em lugar do Criador, pode ser divisado em toda a história passada. Os esforços de Satanás para representar falsamente o caráter de Deus, para fazer com que os homens nutram um conceito errôneo do Criador, e assim O considerem com temor e ódio em vez de amor; podem ser observados na história dos patriarcas, profetas e apóstolos, mártires e reformadores. O Grande Conflito, p. 12-13.  

33. SANTOS DA SILVA, I.; FOLLIS SANTOS, R. Por uma teodiceia bíblica: Contextualizando a cosmovisão cristã para a mentalidade pós-moderna. Kerygma, Engenheiro Coelho (SP), v. 16, n. 2, p. 23–41, 2022. Disponível em: https://revistas.unasp.edu.br/kerygma/article/view/1500. Acesso em: 22 abr. 2024.

34. Vanderlei dorneles, “Adorai aquele que fez: a narrativa da criação e o clímax do grande conflito em Apocalipse 12 a 14. Revista Criacionsita, nº 100, anual 2019, p. 6-21.

35. Michelson Borges, Há 150 anos nascia o pioneiro do criacionismo moderno. https://noticias.adventistas.org/pt/coluna/michelson.borges/ha-150-anos-nascia-o-pioneiro-do-criacionismo-moderno/. Acesso: 01 de maio de 2024.

36. Knight, Introducción a los escritos de Elen G. de White, p. 162: “O grande conflito, o amor de Deus e os outros grandes temas dos escritos de Ellen White não são para discutir-se em forma abstrata. Longe disso, afetam a nossa vida diária. Cada um de nós deve escolher viver no mundo real aceitando os princípios de Deus ou os de Satanás.”

Fortin e Moon, Enciclopédia Ellen G. White, p. 950.