Recentemente,
um leitor manifestou dúvidas quanto a um texto publicado aqui a respeito da heresia do perfeccionismo. O questionamento
maior dele tem que ver com uma citação do livro Parábolas de Jesus, de Ellen White. Na página 69, ela afirma que
Jesus voltará quando Seu caráter estiver perfeitamente reproduzido em Seu povo.
A meu pedido [MB], o bibliotecário Vanderlei Ricken
desenvolveu um pouco mais o tema:
Quando
Ellen White fala da reprodução perfeita do caráter de Cristo para que Ele possa
então voltar, é claro que o texto está falando a verdade. Concordo em grau e
número. Ellen White diz também que “imperfeição de caráter é pecado” (Parábolas de Jesus, p. 330) e que “o
Senhor requer perfeição de Sua família redimida. Ele exige perfeição na
formação do caráter” (SDABC, v. 5,
p.1.085). E ainda diz que “a própria imagem de Deus tem de ser reproduzida na
humanidade. A honra de Deus, a honra de Cristo, acha-se envolvida no
aperfeiçoamento do caráter de Seu povo” (O
Desejado de Todas as Nações, p. 671).
O
que precisamos entender é que nem sempre o que lemos é exatamente o que
julgamos ter entendido. Se eu digo “árvore”, você imagina uma árvore, mas
provavelmente não será a mesma árvore que eu imaginei. Uma coisa é o significado da palavra e outra é a significante da palavra. Será que
quando Ellen White fala de perfeição de caráter o significante é o mesmo
que o seu?
Você
deve conhecer o texto dela de 1876, que diz: “Nenhuma partícula de carne entrou
em nossa casa desde que você partiu e muito menos antes disso. Algumas vezes temos
comido salmão, embora esteja muito caro” (citado em Mensageira do Senhor, p. 315).
No
meu entendimento, peixe é carne. Mas, na compreensão de Ellen White, foi feita
uma distinção entre a carne de peixe e as outras. Leia os demais exemplos
citados no mesmo livro, na página 315, como, por exemplo: “Não usei mais carne de
forma alguma... uso peixe quando posso obtê-lo.” É claro que, com isso, não
estou querendo dar a entender que o peixe está liberado de forma
indiscriminada, pois também existem outros textos sobre o assunto e que devem
ser considerados...
O
fato é que, se não existissem citações como as
apresentadas acima, eu teria uma compreensão diferente daquela que Ellen White
teve ao escrever. Portanto, devemos recorrer a vários outros textos
relacionados ao mesmo assunto para entender exatamente o que ela quis dizer.
Não é exatamente assim que fazemos ao estudar a Bíblia? Por que faremos de modo
diferente com os escritos de Ellen White?
Se
só houvesse o texto de Parábolas de Jesus,
página 69, eu teria a mesma compreensão que você teve, mas, graças a Deus,
existem outros textos que nos ajudam a entender o que ela de fato disse.
Veja
um texto que fala algo interessante sobre o caráter. Está no livro Caminho a Cristo, na página 57: “O
caráter se revela, não por boas ou más ações ocasionais, mas pela tendência das
palavras e atos costumeiros.”
Interessante,
né? Quer dizer que uma má ação ocasional não significa que o meu caráter não
seja perfeito diante de Deus. Isso porque o caráter é revelado não por atos
ocasionais e sim pelos que temos a tendência
de praticar.
Mas
o diabo ficará bastante animado se você achar que não pode deslizar em nada,
nunca, senão Jesus não voltará. Quando falo em deslize, me refiro, por
exemplo, até mesmo a pecados por ignorância, que também são pecados. E
como fica a perfeição do meu caráter?
O
texto que você citou diz: “...o caráter de Cristo se reproduzir perfeitamente
em Seu povo.” Você pode entender que isso significa ter o caráter exatamente igual ao caráter de Cristo,
mas será isso o que Ellen White tinha a intensão de dizer? Você deve saber que
uma reprodução nunca é igual ao original. Imagine eu pintar um quadro igual ao
original e querer substituí-lo num museu famoso. Serei preso! É impossível ser perfeitamente igual.
Ellen
White escreveu: “[Cristo] é um perfeito e santo exemplo, dado para que o imitemos. Não podemos igualar o modelo, mas não seremos
aprovados por Deus se não o copiarmos
e, segundo a capacidade que Deus tem
dado, assemelhá-lo” (Testemunhos Para a Igreja, v.2, p. 549;
grifos acrescentados).
Outro
texto semelhante: “Jamais podemos igualar o modelo; mas podemos imitá-lo e nos assemelharmos a Ele segundo a nossa capacidade” (Review and Herald,
5 de fevereiro de 1895, p. 81; grifos acrescentados).
Em
resumo, é o seguinte: cada um de nós tem uma capacidade concedida por Deus e
seremos julgados pelo uso que fizermos ou deixarmos de fazer dessa capacidade
individual. A sua pode ser maior do que a minha ou menor. Isso não interessa.
Cada um cuide da sua vida, procurando ser o mais semelhante possível a Cristo, o
grande Modelo.
Seremos
considerados por Deus perfeitos, se estivermos utilizando nossa capacidade
máxima individual. E isso só Deus poderá julgar.
Se,
por outro lado, você achar que todos devem ser perfeitos como você entende que
devem (significante para você), então o diabo conseguirá destruí-lo bem como aos
que estiverem próximos de você. Pois você estará sendo uma “mão amiga” de Satanás
na obra dele, conforme indica o texto abaixo:
“Enquanto
Jesus faz a defesa dos súditos de Sua graça, Satanás acusa-os diante de Deus
como transgressores. O grande enganador procurou levá-los ao ceticismo,
fazendo-os perder a confiança em Deus, separar-se de Seu amor e violar Sua lei.
Agora aponta para o relatório de sua vida, para os defeitos de caráter e
dessemelhança com Cristo, que desonraram a seu Redentor, para todos os pecados
que ele os tentou a cometer; e por causa disto os reclama como súditos seus.
“Jesus não lhes justifica os pecados, mas apresenta o seu arrependimento e fé,
e, reclamando o perdão para eles, ergue as mãos feridas perante o Pai e os
santos anjos, dizendo: ‘Conheço-os pelo nome. Gravei-os na palma de Minhas
mãos. Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um coração
quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus!’ (Sl 51:17). E ao acusador de
Seu povo, declara: ‘O Senhor te repreende, ó Satanás; sim, o Senhor, que
escolheu Jerusalém, te repreende; não é este um tição tirado do fogo?’ (Zc 3:2).
Cristo vestirá Seus fiéis com Sua própria justiça, para que os possa apresentar
a Seu Pai como ‘igreja gloriosa, sem mancha, nem ruga, nem coisa semelhante’ (Ef
5:27). Seus nomes permanecem registrados no livro da vida, e está escrito com
relação a eles: ‘Comigo andarão de branco; porquanto são dignos disso’ (Ap 3:4)”
(O Grande conflito, p. 484).
Jamais
se esqueça de que a Igreja Adventista precisa passar por uma sacudidura e que a
sacudidura será ocasionada também pela introdução de heresias (como o
perfeccionismo, por exemplo, que mais atrapalha a reforma verdadeira do que
ajuda) e pela perseguição. Daí, sim, a IASD estará reproduzindo perfeitamente o
caráter de Cristo.