quarta-feira, junho 05, 2019

O mínimo que você precisa saber sobre ciência e intuição

"Mais pessoas acreditam em Einstein do que nos seus próprios olhos." - Olavo de Carvalho

A maioria das pessoas não tem ideia do que Einstein disse ou deixou de dizer. Quanto aos físicos, nenhuma das informações que usam tem Einstein como origem. Ele apenas reuniu informações já conhecidas em uma única teoria (sistema de equações diferenciais). E ele mesmo não acreditou inicialmente em todas as consequências das equações que reuniu.

Mas em quem devemos acreditar, na Matemática ou em nossos próprios olhos? Quando estamos mergulhados em uma piscina e, de lá vemos um objeto a dois metros de altura, se fizermos os cálculos levando em conta o índice de refração da água e do ar obteremos que o objeto está a um metro de altura e não dois. Mas nossa visão nos mostra que sua altura é de dois metros. Se colocarmos a cabeça para fora da água, nossa visão concordará com o nosso cálculo. Em quem vamos acreditar, em nossa visão sob a água ou em nossa visão acima da água? Esse é um exemplo simples e cotidiano (pelo menos para quem costuma mergulhar e olhar para fora da água a partir de um ambiente subaquático, como eu) que mostra que nem sempre nossos sentidos são confiáveis, que temos meios de calcular correções a nossas distorções de percepção, correções essas que podem ser testadas e confirmadas.

Porém, o maior problema não são as distorções sensoriais a que todos estamos expostos. São as generalizações equivocadas que a intuição humana faz com frequência. Uma pessoa que passa a vida toda em ambiente semiárido sem acesso a informações sobre outras regiões tende a imaginar que o mundo todo é igual a sua vizinhança. Uma pessoa que nunca viajou a velocidades comparáveis à da luz no vácuo tende a imaginar que o tempo é absoluto e qualquer ideia diferente disso é absurda (como os próprios físicos pensaram no século 19). Na verdade, nos últimos séculos temos nos deparado com diversas situações em que as previsões resultantes das equações das leis físicas pareciam absurdas à intuição, mas a experimentação mostrava que a previsão matemática estava correta e a previsão da intuição é que era incompatível com a realidade.

Isso significa que devemos jogar fora a intuição e tudo o que depende dela, como a Filosofia? De maneira nenhuma. A intuição é um importante instrumento que nos permite entender o ambiente imediato e suas principais interações, e tende a funcionar razoavelmente bem nesse contexto. A Filosofia é uma importante maneira de organizarmos socialmente esse entendimento. Mas a intuição tem-se mostrado tão mais enganosa quanto mais os assuntos se afastam do cotidiano.

O fato de haver pessoas que estudam, testam e descobrem fenômenos que desafiam a intuição humana (e consequentemente correntes filosóficas com muitos adeptos) e divulgam esses resultados tende a irritar pessoas que preferem pensar diferente. É um direito que têm. Porém, apesar de não acreditar no que lhes parece contraintuitivo, elas se beneficiam direta ou indiretamente de tecnologias que só funcionam graças a fenômenos que essas pessoas consideram absurdos e inexistentes.

Esse ceticismo não é exclusivo de pessoas que desconhecem Física. Os próprios descobridores dessas coisas foram muito céticos com elas inicialmente. A previsão (a partir das equações do eletromagnetismo) de ser absoluta a velocidade da luz no vácuo foi inicialmente considerada absurda e foram buscadas alternativas. Entre elas, pensou-se na possibilidade de que essa velocidade fosse em relação a um suposto éter luminífero, o que implicaria em que as equações do eletromagnetismo só funcionam no referencial do éter e falham em outros referenciais (o que é falso, pois verifica-se que aquelas equações são válidas nos demais referenciais). O experimento de Michelson e Morley mostrou que, ou estamos sempre parados em relação ao éter (se as equações do eletromagnetismo só valem no referencial do éter), ou a velocidade da luz é realmente absoluta. Mesmo com esses resultados, os físicos demoraram muito tempo para fazer as pazes com aquele "absurdo" em função das consequências sobre a relatividade do tempo e do espaço. Chegaram mesmo a calcular essas consequências sem aceitá-las. O mérito de Einstein foi o de parar de dar murro em ponta de faca, aceitar as descobertas e organizá-las na forma de uma teoria.

Outro exemplo foi a descoberta, feita independentemente por Hilbert e Einstein, de uma equação que mostra como o espaço e o tempo se encurvam por causa da energia. Essa equação também tem consequências que o próprio Einstein não aceitou; entre elas a de que o próprio tempo teve uma origem, que o Universo está em expansão e que a luz que chega até nós vinda de um aglomerado de galáxias distantes será tão mais avermelhada quanto mais distante estiver o aglomerado. Esses resultados foram desprezados por Einstein, até que ele viu observações confirmando essas previsões. Só então aceitou as previsões de sua própria teoria.

A visão ingênua de ciência que muitos têm, como se fosse uma construção social, impede que se perceba que ela permite lidar com informações externas à humanidade e que desafiam nossa filosofia, provendo a todos nós, inclusive físicos, uma oportunidade para sermos humildes e reconhecer o quão limitados somos e que muitas vezes o que nos parece razoável é absurdo e o que nos parece absurdo é a realidade.

Eduardo Lütz