terça-feira, novembro 13, 2018

A evolução do instinto animal

O que significa agir por instinto? Animais e seres humanos possuem instinto, mas é importante defini-lo. Primeiro, devemos compreender que os estudos do comportamento animal, o que inclui os instintos, são aprofundados por meio de uma área de pesquisa chamada Etologia. Ela é relativamente recente. Originou-se na Europa, na década de 1930, por iniciativa de Konrad Lorenz e Nico Tinbergen. Mas, antes dela, Charles Darwin já havia dado algumas contribuições para o campo do comportamento animal.[1]

É importante ter conhecimento de que os estudos em Etologia têm como base a cosmovisão evolucionista. Ser criacionista não tira de nós a necessidade de conhecer o modo como os evolucionistas interpretam as pesquisas científicas nas mais diferentes áreas. Inclusive sabemos que há alguns pontos em comum entre essas diferentes cosmovisões (o que inclui o processo de microevolução e a seleção natural, mas não nas mesmas intensidades). Um conhecimento sólido e crítico só é construído graças ao estudo de ambos os “lados da moeda”.

De acordo com Charles Darwin, “um ato que para nós exigiria experiência para desempenhar é em geral considerado instintivo quando é desempenhado por um animal, mais ainda se for um animal jovem sem experiência, ou por muitos indivíduos que da mesma forma não conheçam sua finalidade” (p. 321). Os instintos são importantes para o bem-estar das espécies, quando suas condições de vida são alteradas podem ocorrer pequenas modificações nelas.[2]

Podemos citar a formiga saúva. Existem mais de 200 espécies delas. Elas vivem em colônias e apresentam subdivisões de tarefas entre os membros do formigueiro. Os bitus são os machos, eles acasalam com as fêmeas e morrem logo após. As cortadeiras cortam folhas e carregam para o formigueiro; os soldados protegem a colônia contra a invasão; as enfermeiras cuidam dos ovos, dos casulos e das pupas; e a tanajura (fêmea) realiza o voo nupcial com os bitus na primavera, sendo fertilizada. Depois desse episódio ela cai no solo, arranca as próprias asas e inicia a formação de uma nova colônia.[3]

Haja organização! Com certeza, há uma quantidade imensa de informação sobre esses organismos; apenas pincelamos de leve. Como teria surgido toda essa estrutura organizada entre a colônia das formigas saúva? Cada uma sabe sua função e a faz com perspicácia. De onde veio toda essa informação? Como a tanajura teria desenvolvido a “técnica” de arrancar as próprias asas no momento certo para reiniciar o processo de construção de uma nova colônia?

Para Darwin, mesmo os instintos mais complexos surgiram a partir de pequenas variações, conforme a necessidade da espécie às modificações do ambiente. Essas variações seriam acumuladas até onde se mostrassem vantajosas pela ação da seleção natural.[2] Como ações necessárias para a sobrevivência de uma espécie poderiam surgir lenta e gradualmente (milhões de anos)?

Richard Dawkins, biólogo evolutivo e etólogo (proeminente crítico do criacionismo), defende a ideia de que o instinto tenha surgido a partir do aprendizado pela observação. Em entrevista ele cita uma família de aves – Turdidae, nela estão aquelas popularmente conhecidas como sabiás ou tordos. Para se alimentar de certos caramujos, essas aves são capazes de esmagar conchas. Conforme Dawkins, um ancestral da espécie teria aprendido a maneira correta de esmagar uma concha. Esse comportamento teria sido copiado, as aves foram aprendendo e o comportamento foi sendo repetido pelas gerações seguintes por meio da observação.[5]

Como esse comportamento aprendido teria sido transmitido para uma próxima geração? O que seria transmitido não é a informação de como quebrar a concha, mas uma tendência genética capaz de acelerar o aprendizado desse comportamento. Assim, a seleção natural selecionaria os genes por muitas gerações, criando um “pool genético” (conjunto de genes presentes em uma população).[5] No caso, não haveria origem de novos genes que expressem tais comportamentos, mas a seleção daqueles que se adaptam às condições de sobrevivência da espécie pela seleção natural.

Outro exemplo dado por Dawkins foi acerca do comportamento aprendido por observação de uma espécie de ave conhecida por “tits”, pertencente à família Paridae (que inclui muitas espécies de chapim). Ele conta que, quando era criança, época em que havia entregadores de leite de porta em porta, as garrafas de leite tinham tampas de papelão ou papel laminado. Essas aves descobriram meios de abrir as tampas e tomar o leite do interior das garrafas. Por meio da observação, outras aves foram aprendendo e adquirindo esse hábito. Com isso, as gerações que aprendessem com mais rapidez teriam mais alimento disponível, havendo mais proles desses indivíduos para transmitir esses genes às gerações seguintes. Conforme citado acima, a transmissão seria de genes que possibilitem o rápido aprendizado para essa característica [5].

A aprendizagem por experiências específicas pode gerar alterações no comportamento do organismo, mas “a capacidade para aprender depende da organização do sistema nervoso estabelecida durante o desenvolvimento, seguindo instruções codificadas no genoma [conjunto de genes presente em uma espécie]. A aprendizagem em si envolve a formação de memórias por mudanças específicas na conectividade neuronal” (p. 1.138).[6]

Caso a hipótese do instinto surgido a partir da aprendizagem pela observação seja real. Como instintos complexos presentes em organismos “mais simples” teriam se estabelecido? De onde veio a informação genética que possibilitasse o desenvolvimento de tais comportamentos? A capacidade neural de uma aranha obviamente não será a mesma que a de um mamífero ou ave, por exemplo.

Como a aranha é capaz de fabricar a seda para a sua teia com características que intrigam tanto os cientistas? Alto nível de resistência, elasticidade e mais forte que o aço (nas mesmas dimensões)?[7] Essa ação não é pensada, é instintivamente realizada. Como compreender a origem da informação complexa e especificada presente na carga genética das aranhas?

Moema Patriota

Referencias:

[1] BERTELLI, Isabella. As contribuições da Etologia paraa Psicologia. 2008.  

 

[2] DARWIN, Charles. 1809-1882. A origem das espécies; tradução Carlos Duarte e Anna Duarte. São Paulo: Martin Claret, 2014.

 

[3] SOUZA, Ricardo. Formiga saúva/Atta spp. 2010. 

 


[6] REECE, J.B... [et al.]. Biologia de Campbell. 10ed. Porto Alegre: Artmed, 2015.

[7] MONTENEGRO, R. V. D. A teia da aranha.