O que significa agir por instinto?
Animais e seres humanos possuem instinto, mas é importante defini-lo. Primeiro, devemos compreender que os estudos do comportamento animal, o que inclui os instintos, são aprofundados
por meio de uma área de pesquisa chamada Etologia. Ela é relativamente recente. Originou-se na Europa, na década de 1930, por iniciativa de Konrad Lorenz e Nico
Tinbergen. Mas, antes dela, Charles Darwin já havia dado algumas contribuições
para o campo do comportamento animal.[1]
É importante ter conhecimento de que os
estudos em Etologia têm como base a cosmovisão evolucionista. Ser criacionista não tira de nós a necessidade de conhecer o modo como os evolucionistas
interpretam as pesquisas científicas nas mais diferentes áreas. Inclusive sabemos que há alguns pontos em comum entre essas diferentes cosmovisões (o que
inclui o processo de microevolução e a seleção natural, mas não nas mesmas
intensidades). Um conhecimento sólido e crítico só é construído graças ao estudo
de ambos os “lados da moeda”.
De acordo com Charles Darwin, “um ato
que para nós exigiria experiência para desempenhar é em geral considerado
instintivo quando é desempenhado por um animal, mais ainda se for um animal
jovem sem experiência, ou por muitos indivíduos que da mesma forma não conheçam
sua finalidade” (p. 321). Os instintos são importantes para o bem-estar das
espécies, quando suas condições de vida são alteradas podem ocorrer pequenas
modificações nelas.[2]
Podemos citar a formiga saúva. Existem mais
de 200 espécies delas. Elas vivem em colônias e apresentam subdivisões de
tarefas entre os membros do formigueiro. Os bitus são os machos, eles acasalam
com as fêmeas e morrem logo após. As cortadeiras cortam folhas e carregam para
o formigueiro; os soldados protegem a colônia contra a invasão; as enfermeiras
cuidam dos ovos, dos casulos e das pupas; e a tanajura (fêmea) realiza o voo
nupcial com os bitus na primavera, sendo fertilizada. Depois desse episódio ela
cai no solo, arranca as próprias asas e inicia a formação de uma nova colônia.[3]
Haja organização! Com certeza, há uma
quantidade imensa de informação sobre esses organismos; apenas pincelamos de leve.
Como teria surgido toda essa estrutura organizada entre a colônia das formigas
saúva? Cada uma sabe sua função e a faz com perspicácia. De onde veio toda
essa informação? Como a tanajura teria desenvolvido a “técnica” de arrancar as
próprias asas no momento certo para reiniciar o processo de construção de uma
nova colônia?
Para Darwin, mesmo os instintos mais
complexos surgiram a partir de pequenas variações, conforme a necessidade da
espécie às modificações do ambiente. Essas variações seriam acumuladas até onde
se mostrassem vantajosas pela ação da seleção natural.[2] Como ações necessárias
para a sobrevivência de uma espécie poderiam surgir lenta e gradualmente
(milhões de anos)?
Richard Dawkins, biólogo evolutivo e
etólogo (proeminente crítico do criacionismo), defende a ideia de que o
instinto tenha surgido a partir do aprendizado pela observação. Em entrevista
ele cita uma família de aves – Turdidae, nela
estão aquelas popularmente conhecidas como sabiás ou tordos. Para se alimentar de certos caramujos, essas aves são capazes de esmagar conchas. Conforme Dawkins,
um ancestral da espécie teria aprendido a maneira correta de esmagar uma
concha. Esse comportamento teria sido copiado, as aves foram aprendendo e o
comportamento foi sendo repetido pelas gerações seguintes por meio da
observação.[5]
Como esse comportamento
aprendido teria sido transmitido para uma próxima geração? O que seria
transmitido não é a informação de como quebrar a concha, mas uma tendência
genética capaz de acelerar o aprendizado desse comportamento. Assim, a seleção
natural selecionaria os genes por muitas gerações, criando um “pool genético”
(conjunto de genes presentes em uma população).[5] No caso, não haveria origem
de novos genes que expressem tais comportamentos, mas a seleção daqueles que se
adaptam às condições de sobrevivência da espécie pela seleção natural.
Outro exemplo dado por Dawkins foi
acerca do comportamento aprendido por observação de uma espécie de ave
conhecida por “tits”, pertencente à família Paridae
(que inclui muitas espécies de chapim). Ele conta que, quando era criança,
época em que havia entregadores de leite de porta em porta, as garrafas de
leite tinham tampas de papelão ou papel laminado. Essas aves descobriram
meios de abrir as tampas e tomar o leite do interior das garrafas. Por meio da observação, outras aves foram aprendendo e adquirindo esse hábito. Com isso, as gerações
que aprendessem com mais rapidez teriam mais alimento disponível, havendo mais
proles desses indivíduos para transmitir esses genes às gerações seguintes. Conforme
citado acima, a transmissão seria de genes que possibilitem o rápido
aprendizado para essa característica [5].
A aprendizagem por experiências
específicas pode gerar alterações no comportamento do organismo, mas “a
capacidade para aprender depende da organização do sistema nervoso estabelecida
durante o desenvolvimento, seguindo instruções codificadas no genoma [conjunto
de genes presente em uma espécie]. A aprendizagem em si envolve a formação de
memórias por mudanças específicas na conectividade neuronal” (p. 1.138).[6]
Caso a hipótese do
instinto surgido a partir da aprendizagem pela observação seja real. Como
instintos complexos presentes em organismos “mais simples” teriam se
estabelecido? De onde veio a informação genética que possibilitasse o
desenvolvimento de tais comportamentos? A capacidade neural de uma aranha
obviamente não será a mesma que a de um mamífero ou ave, por exemplo.
Como a aranha é capaz
de fabricar a seda para a sua teia com características que intrigam tanto os
cientistas? Alto nível de resistência, elasticidade e mais forte que o aço (nas
mesmas dimensões)?[7] Essa ação não é pensada, é instintivamente realizada. Como
compreender a origem da informação complexa e especificada presente na carga
genética das aranhas?
Moema Patriota
Referencias:
[1] BERTELLI, Isabella. As contribuições da Etologia paraa Psicologia. 2008.
[2] DARWIN, Charles. 1809-1882. A origem das
espécies; tradução Carlos Duarte e Anna Duarte. São Paulo:
Martin Claret, 2014.
[3] SOUZA, Ricardo. Formiga saúva/Atta spp. 2010.
[5]
Vídeo: DAWKINS, Richard. Como o aprendizado evolui para um instinto herdado?
[6]
REECE, J.B... [et al.]. Biologia de Campbell. 10ed. Porto Alegre: Artmed,
2015.
[7] MONTENEGRO, R.
V. D. A teia da aranha.