Certa vez, ouvi a história de um homem que, à beira da morte, aconselhou um amigo a não perder o deslumbramento pelas coisas da vida. Achei esse conselho inusitado. Não entendi direito o que significava, mas guardei na memória. Vez ou outra, esse conselho voltava à minha mente, como algo que eu deveria considerar importante, mas, tal qual chegava a mim, ele voava de volta ao esquecimento.
Tempos depois, eu me tornei mãe de duas crianças. Na primeira filha, eu não soube muito aproveitar a maternidade. Ficava tão preocupada com tudo, com marcos de desenvolvimento, com métodos de fazer dormir, com fraldas, pomadas e alimentação adequada, que simplesmente não curti a simplicidade de cada conquista, de cada dia, de tanto afeto.
Então veio o segundo filho, meio que no susto. E que susto bom! Agora eu já sabia que tudo ia dar certo, que o bebê ia engatinhar no tempo certo (o dele), que ia andar na hora certa (a dele), que ia aprender a comer, a dormir. Então eu relaxei e pude observar uma das coisas mais lindas que uma criança pode ensinar: o deslumbramento. Imagine para um serzinho tão pequeno como tudo é absolutamente deslumbrante e novo. Uma formiga andando perto do pé, carregando uma folha faz ele frear qualquer caminhada e se agachar para observar pelo tempo que for preciso. Um passarinho que, de repente, surge entre as folhas de uma árvore e se lança ao céu faz seus olhos brilharem. Deve se perguntar: “Como ele faz isso? Quem ensinou? E a árvore, tão grande, com folhas penduradas. Como ela pode crescer tanto? Quem faz ela ser assim?”
Outra coisa deslumbrante, que motivou uma de suas primeiras palavras: a luz, que se acende e se apaga – como isso é possível? É absolutamente impressionante. Dá para ficar horas acendendo e apagando sem deixar de se impressionar. E a água – que coisa deslumbrante é a água – escorrendo entre os dedos? Que frescor inquietante, que substância maravilhosa. E ainda dá para beber e jogar para cima e para todo lado e molhar o corpo todo. Aliás, o corpo também é fascinante. Os olhos (como ele tenta por os dedos nos meus olhos, como que querendo segurar nas mãos essas bolinhas que se fecham tão rápido), os cabelos (que legal puxar os cabelos da mamãe também!), as pernas, o umbigo (uau, um buraco no meio da barriga!) e os dedos – que coisa fantástica são os dedos das mãos e dos pés. Como podem se mover assim, de forma tão ágil?
Mas o deslumbre não tem limite. O fogo! Gente, o fogo brilha, é colorido, dança ao vento. Que coisa linda é o fogo! Que vontade de pegar! E o céu? Existe coisa mais deslumbrante que o céu? Tanto azul, nuvens brancas, nuvens negras... Opa, parem tudo! Que barulho é esse no céu? Um helicóptero! Todo mundo precisa ver isto, um helicóptero. Isso é legal demais! Esse barulho é incrível! E o bebê corre para a janela, implorando com grunhidos para ser erguido para ver esse “bicho” tão fantástico e curioso.
Ah, mas ainda falta a coisa mais deslumbrante de todas para o meu bebê: a Lua! Ele não fala da Lua, ele não mostra a Lua, ele grita sem parar; aponta com os braços, com as pernas. Ele se inclina todo e se projeta porque é tão importante que todos vejam a coisa mais maravilhosa do mundo. E, se a gente não vê, ele grita mais. Se estiver na rua, melhor ainda, porque ele quer que as outras pessoas também parem e vejam e se deslumbrem com algo que lhe causa tanto fascínio.
Meu bebê só tem um ano. Acabou de fazer. E, no meio da sua lalação, ele grita: “Olha! Ah lá, a lula, a luna, a lala!” Faz tanto esforço porque está absolutamente deslumbrado! E por algo que a gente vê todas as noites (e dias também) e não dá a menor importância.
É possível aprender tanto com as crianças, com os filhos. Eles nos obrigam a parar e olhar as coisas pequenas (será?) da vida e redescobrir como são deslumbrantes. A criação de Deus é algo tão imenso, tão extraordinário, tão impressionante, mas nós nos acostumamos com ela e a vemos como comum, ordinária. É como o quadro da Monalisa. Já vimos tanto que não enxergamos nenhuma beleza mais naquilo, nada que instigue qualquer sentimento. Podemos até ter o original na nossa frente que não fará diferença. Até imagino um bocejo ao ver a imagem. Só que Deus criou um mundo fantástico para provocar em nós esse deslumbramento. Isso revira a alma, traz felicidade, nos tira da acomodação, da mesmice, da rotina sem sentido. Precisamos parar e ver. Ver esse presente maravilhoso.
Era isso que o homem da história que eu li queria dizer em seu leito de morte. O conselho era para não deixar de se surpreender com os presentes de Deus, porque Deus é surpreendente, é fascinante, é deslumbrante. Se perdermos isso, a vida vai passar, assim como a maternidade, e vamos estar tão ocupados com coisas que nos dizem ser importantes que vamos perder a simplicidade de cada conquista, de cada dia, o afeto, a beleza – coisas que realmente nos enchem de vida.
A Bíblia nos convida a ser como crianças. “Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos fizerdes como crianças, de modo algum entrareis no Reino dos céus” (Mt 18:33). Além da simplicidade, da humildade, da dependência, hoje eu acrescento às características das crianças a capacidade de deslumbramento. E tenho pedido a Deus para reviver isso em mim. Ele pode fazer renascer. Quero me espantar com os milagres da Bíblia, quero sentir horror e amor pelo Calvário toda vez que ler o relato da morte de Cristo. Quero que não seja algo rotineiro, comum, ordinário. Quero que o amor de Cristo verdadeiramente me cause constrangimento.
Sei que meu filho vai crescer e vai deixar de se deslumbrar, como todos nós. Mas eu peço a Deus que tudo que diz respeito ao Céu, ao divino, à criação, ao transcendente, mesmo depois de ele crescido, ainda cause espanto nele, e em mim também.
Que sejamos essa criança boba vendo o que Deus fez e faz por nós, sem vergonha de parar tudo para observar ou de gritar para todo mundo saber que o nosso Deus é deslumbrante.
(Danivia Mattozo Wolff é Revisora de Textos | Assembleia Legislativa de Minas Gerais)