William Romoser, professor emérito de
arbovirologia na Universidade de Ohio, tomou o noticiário da semana passada ao
afirmar ter encontrado “provas” fotográficas de que existiria “vida semelhante
a insetos e répteis” em Marte. Mas, de novo, essas “provas” não provam nada, e
ainda não há qualquer evidência aceita pela comunidade científica como
plausível para se afirmar que há (ou houve) vida em Marte. Romoser fez essas
afirmações após analisar fotografias do terreno marciano tiradas por rovers
da Nasa e, após suas conclusões, afirmou que houve e ainda existe vida em Marte”. Contudo, o professor usa como
base para fazer tal afirmação apenas sua própria interpretação do que viu nessas
fotografias, tiradas de contexto e sem escala para comparação. Ele apresentou
sua “descoberta” em um encontro da Sociedade Entomológica da América, mostrando
imagens que supostamente mostravam criaturas fossilizadas e até mesmo outras
ainda vivas no Planeta Vermelho.
Romoser
sugere que essa seria uma forma de vida marciana, enquanto outros cientistas
refutam essa afirmação (Crédito: William Romoser)
Romoser chegou a dizer que “existe
uma aparente diversidade entre a fauna de insetos marciana, que exibe muitos
recursos semelhantes aos insetos terráqueos que são interpretados como grupos
avançados – por exemplo, a presença de asas, flexão das asas, planagem, voo
ágil e elementos de pernas de várias estruturas”.
Mais
fotos de Marte nas quais Romoser acredita estar vendo seres vivos (Crédito:
William Romoser)
E se você, ao ver essas imagens, está
pensando: “Mas, nossa, realmente parece que as fotos mostram animais”, saiba
que você está passando pelo mesmo que o professor – o fenômeno da pareidolia.
O professor de biologia da
Universidade Estadual do Oregon, David Maddison, levanta essa “prova” de Romoser
como apenas mais um caso de pareidolia, fenômeno no qual as pessoas veem
padrões em dados aleatórios, buscando encontrar algum sentido ali. Um exemplo
muito simples de pareidolia é quando olhamos para nuvens e, de repente,
começamos a enxergar formas conhecidas, como corações e símbolos. [...]
Maddison fala sobre os “falsos positivos”
nesse caso. Falso positivo é quando você tem um resultado ou uma conclusão
positiva para uma suspeita inicial, mas está enganado. No caso da pareidolia,
esse falso positivo é resultado de um mecanismo cerebral, pois a mente humana
evoluiu muito [sic] graças à sua habilidade de reconhecer padrões. Então, a
pareidolia acaba sendo resultado do nosso próprio “instinto” de buscar rostos
ou objetos que reconhecemos em meio a um cenário confuso ou misterioso. A
pareidolia foi essencial para que nossos antepassados aprendessem a identificar
padrões na natureza, bem como avistar predadores e potenciais perigos à
distância, e o recurso também serviu para que o ser humano identificasse e até
nomeasse as constelações do céu, com títulos que usamos até os dias atuais, por
sinal.
“As fotografias contidas no
comunicado [de Romoser] não são convincentes, pois estão dentro do intervalo
esperado em zilhões de objetos não insetos fotografados em resolução baixa numa
paisagem marinha”, afirma Maddison. Ele diz ainda que “é muito mais
parcimonioso presumir que tudo aquilo são simplesmente rochas; como já foi
dito, ‘alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias’, e essas
imagens são muito, muito menos do que extraordinárias”, continua, parafraseando
uma notória declaração de Carl Sagan.
Nina Lanza, cientista planetária do
Laboratório Nacional Los Alamos, concorda. “Acho muito fácil encontrar padrões
em imagens, especialmente quando elas estão fora de contexto. São pequenos
clipes de imagens maiores e não há barras de escala nelas... você pode imaginar
muitas formas diferentes. Não é uma boa maneira de fazer esse tipo de avaliação”,
afirma.
Famoso
exemplo de pareidolia envolvendo Marte: esta foto tirada em 1976 pela Viking 1,
da Nasa, e mostra uma formação rochosa na superfície marciana que lembra um
rosto humano, graças às sombras projetadas que acabam dando a ilusão de que a
rocha teria olhos, nariz e boca (Foto: Nasa)
Para além do óbvio, que é refutar a
afirmação de que imagens fora de contexto e em baixa resolução são “prova” de
que haveria vida em Marte, cientistas como Lanza e Maddison entendem que
afirmações desse tipo são irresponsáveis e podem representar um desserviço à
ciência. Afinal, a pessoa que só está navegando em sites ou nas redes sociais,
sem tempo de ler atentamente o conteúdo, acaba acreditando na manchete
extraordinária de que “cientista mostra provas de que existe vida em Marte” e,
assim, participa de uma campanha de desinformação ao repassar essa informação.
“Quando temos esse tipo de manchete
sensacionalista, é realmente difícil para o público saber se isso é verdade.
Parece legítimo, é da Universidade de Ohio, são instituições reais, mas, quando
encontrarmos algo em Marte e além, se fizermos isso, terá menos impacto, pois
as pessoas continuam ouvindo ‘já descobrimos vida em Marte’. Isso tira a emoção
das nossas verdadeiras descobertas”, lamenta Lanza.
NASA
responde às afirmações de Romoser
Em declaração oficial enviada a
veículos de imprensa, a Nasa falou sobre o trabalho de Romoser e sobre sua
afirmação de que há prova de vida em Marte:
“A opinião geral coletiva da maioria
da comunidade científica é que as condições atuais na superfície de Marte não
são adequadas para água líquida ou vida complexa. Como parte de seus objetivos
de astrobiologia, um dos principais objetivos da Nasa é a busca pela vida em
Marte, e o veículo espacial Mars 2020, que será lançado no próximo ano, é nosso
próximo estágio na exploração do potencial de vidas passadas no Planeta
Vermelho.
“Embora ainda não tenhamos encontrado
sinais de vida extraterrestre, a Nasa está explorando o Sistema Solar e além
para nos ajudar a responder perguntas fundamentais, incluindo se estamos
sozinhos no Universo. Ao estudar a água em Marte, sondar mundos oceânicos
promissores, como [as luas] Encélado, Europa e Titã, e procurando bioassinaturas
nas atmosferas de planetas fora do nosso sistema solar, as missões científicas
da Nasa estão trabalhando juntas com o objetivo de encontrar sinais
inconfundíveis de vida além da Terra.”
Depois da repercussão negativa que as
afirmações de Romoser causaram na comunidade científica, a Universidade de
Ohio apagou de seu site o artigo com o estudo do professor, e o estudo
também foi removido do banco de dados do Eureka Alert!, “a pedido do remetente”.