Formado em Engenharia pelo Instituto Tecnológico de
Aeronáutica e com Mestrado pela Naval Postgraduate School, em Monterey,
Califórnia, o astronauta Marcos César Pontes é casado com Fátima e tem dois
filhos. Com a suspensão temporária dos voos norte-americanos ao espaço, Pontes
teve que se mudar para a Rússia em 2006, a fim de participar de sua primeira
missão científica espacial brasileira, a bordo de uma nave Soyuz.
Pontes foi o primeiro astronauta brasileiro, sul-americano e lusófono a
ir ao espaço, na missão batizada de “Missão Centenário”, em referência à
comemoração dos cem anos do voo de Santos Dumont no avião 14 Bis. Em
30 de março de 2006, Pontes partiu para a Estação Espacial Internacional (ISS)
a bordo da nave russa Soyuz TMA-8, com oito experimentos científicos
brasileiros para execução em ambiente de microgravidade. Retornou no dia 8
de abril, a bordo da nave Soyuz TMA-7.
De 2011 a 2018, ele atuou como embaixador da ONU para
o Desenvolvimento Industrial. Em 31 de outubro de 2018, Marcos Pontes
aceitou o convite do presidente Jair Bolsonaro para ser ministro
da Ciência e Tecnologia em seu governo.
Enquanto ainda estava na Cidade das Estrelas, próximo
a Moscou, o astronauta concedeu esta entrevista ao jornalista Michelson Borges, originalmente publicada na revista História da Vida, da Casa Publicadora Brasileira/Educação Adventista.
O senhor sempre dá
valor à família. Por quê?
Meus pais, meus mestres! Gosto sempre de dizer que,
apesar de ter estudado praticamente minha vida toda para atingir os “graus” da
formação acadêmica, todas as coisas mais importantes que aprendi, até hoje,
foram ensinadas por eles.
A família sempre foi para mim algo de extrema
importância. Acredito ser a estabilidade familiar o primeiro passo fundamental
para o crescimento do indivíduo em todos os aspectos. Agradeço muito a Deus a
oportunidade de conviver com pessoas tão maravilhosas.
De onde veio seu gosto
por voar?
Quando criança, foram inúmeras as visitas ao Aeroclube
de Bauru, para ver a Esquadrilha da Fumaça, e à Academia da Força Aérea (AFA),
onde meu tio sargento servia como membro da equipe de manutenção de aeronaves.
Decolava ali, entre a poeira levantada pelos motores dos T/6 no estacionamento
do aeroclube e o cheiro de combustível de aviação nos hangares da AFA, o sonho
de voar que me sustenta nessa jornada até hoje. Em fevereiro de 1981, iniciei o
curso da AFA. Ainda nesse primeiro ano, durante um dos meus fins de semana em
Bauru (onde nasci), tive o meu primeiro vôo a bordo do Uirapuru PP-KBS. Foi uma
incrível experiência e a confirmação pessoal de que estava no caminho certo.
Como o senhor recebeu a
notícia de que participaria de uma seleção de astronautas da Agência Espacial
Brasileira?
Soube que haveria uma seleção através de um e-mail do
meu irmão. Eu estava iniciando meu doutorado nos Estados Unidos. A princípio
achei um tanto difícil que eu pudesse ser selecionado entre tantos excelentes
candidatos disponíveis, porém estava ali um caminho para tornar realidade algo
que até então era apenas um “sonho distante”. Portanto, mandei minhas fichas de
inscrição. Seleções preliminares, exames médicos e a entrevista se seguiram.
Imagine como se sentiu aquele garoto simples do interior, só pelo fato de estar
participando dessa seleção!
Como foi sua aprovação
para treinamento na Agência Espacial Norte-americana (NASA)?
Após selecionado pela Agência Espacial Brasileira
(AEB), em junho de 1998, como parte dos seus direitos de participação na
Estação Espacial Internacional (EEI), o Brasil me enviou para treinamento na
NASA. A seleção foi feita pela AEB, com a assessoria da NASA e de vários
setores técnico-científicos brasileiros como, por exemplo, a Academia
Brasileira de Ciências. Após dois anos de curso, concluí a fase essencial de
treinamento, sendo declarado “astronauta” pela NASA em dezembro de 2000.
Tornei-me, assim, o único astronauta profissional formado e treinado
completamente pela NASA, em atividade e pronto para voo espacial, com
nacionalidade oficial de um país do hemisfério sul do planeta.
O que é preciso para
ser astronauta?
Existem requisitos de saúde e de formação acadêmica.
Então, primeiro, cuide muito bem de sua saúde. Fique longe de drogas, cigarros,
bebidas, etc. Faça esportes. Relaxe de vez em quando. Sorria muito! Estude
muito também. O estudo nos dá condições de ser o que quisermos na
vida. Acredite nos seus sonhos. Lembre-se que você é que é responsável por
fazer com que eles se tornem realidade. Mais ninguém. Assim, ouça primeiro a
voz do seu coração. Depois as pessoas que sempre estarão do seu lado: os seus
pais. Depois os amigos de verdade. Finalmente, ouça o que as pessoas que não
gostam de você têm a dizer, aprenda com isso a se defender e a se tornar cada
vez melhor. Depois de tudo isso, tenha MUITA persistência.
Em termos de formação, ela pode ser bastante diversificada.
Engenharia, física, medicina, química são algumas das possibilidades. Áreas
como letras, direito, administração, etc., estão fora da lista das possíveis
opções para a carreira de astronauta. Cursos de pós-graduação, mergulho,
pilotagem, paraquedismo e outras atividades ligadas à profissão contam pontos
para a seleção. Além disso, é necessário ser qualificado no exame médico, no
exame físico, psicológico, bom senso de relacionamento e gostar de trabalho em
equipe.
Que desafios enfrentou
em sua mudança para a Rússia?
Acho que a adaptação ao clima exige um pouco. A
quantidade de exames e testes iniciais também. Quando cheguei a Star City, no
dia 13 de outubro de 2005, o treinamento não parou. A razão da pressão na
agenda foi devido ao tempo disponível. O treinamento usual para uma missão
espacial numa espaçonave Russa (Soyuz) sempre foi realizado num período de 8 a
13 meses. No meu caso, devido à data de decolagem prevista, 22 de março, o
mesmo treinamento teve que ser comprimido e completado com sucesso em cinco
meses! Foi uma situação nova. Um treinamento em tempo recorde, nunca antes
realizado. A Agência Espacial Russa concordou em encarar esse desafio devido à
minha experiência de sete anos de treinos anteriores na NASA. A rotina
diária iniciava às 6 horas da manhã e se encerrava às 23 horas. O dia a dia era
composto de aulas, treinamento em simuladores, testes e exames, preparação
física e estudo. Além disso, havia treinamentos específicos de sobrevivência,
testes de equipamentos, execução de experimentos científicos, etc., realizados
em momentos oportunos fora do Centro. Os fins de semana e feriados eram usados
para “colocar os atrasos em dia”.
Em termos comparativos com o programa na NASA, a
diferença básica era a língua. Ambos são parceiros do Brasil no Projeto da
Estação Espacial Internacional. A espaçonave Soyuz russa é o veículo
de abandono de emergência da Estação Espacial Internacional (EEI). Portanto, eu
já conhecia de forma resumida seus sistemas, além, logicamente, do conhecimento
sobre os sistemas da EEI. Contudo, precisava também conhecer a fundo seus
procedimentos desde a decolagem, fase de voo não prevista em situação de
emergência na EEI. Logicamente, a filosofia e metodologia do treinamento
seguiram o mesmo padrão, velho conhecido meu na NASA, durante sete anos. Mas o
detalhamento dos sistemas, as sobrevivências específicas para o veículo, e
muitas outras áreas de estudo e treinamento eram voltados para o Soyuz e
ministrados em russo, o idioma que tive que dominar, pelo menos o suficiente
para a operação dos sistemas e check-lists.
Em termos de relacionamento, não houve qualquer
dificuldade, pois tanto a NASA quanto o Roskosmos (Agência Espacial Russa) são
lugares onde as pessoas trabalham motivadas por um objetivo comum e, em se
tratando de uma tripulação (comigo irão um russo e um americano), não importa a
nacionalidade do companheiro: a vida de cada um de nós está na competência e
dedicação dos outros membros. Assim, somos considerados irmãos nesse momento.
A nave Soyuz o levará
até a EEI. Qual sua missão lá?
Na Soyuz, temos espaço para três tripulantes. A
tripulação será, em princípio, composta por um russo, um americano e eu
(brasileiro). Em termos de funções, sou um astronauta treinado como
“especialista de missão”, cujas tarefas no espaço envolvem todas as atividades,
excluindo a pilotagem do veículo em situações nominais, o que é função do
comandante, sempre da nacionalidade do veículo. Assim, no caso dos ônibus
espaciais, são sempre americanos; e no caso do Soyuz, são sempre russos. Além
de todas as atividades técnicas de manutenção e montagem de equipamentos a
bordo da EEI, obviamente teremos a parte científica. Nessa primeira missão brasileira
estarei levando e executando experimentos científicos de instituições de
pesquisa e universidades brasileiras. Esses experimentos ainda estão sendo
selecionados pela gerência técnica do projeto da EEI da AEB, que está a cargo
do Dr. Raimundo Mussi. A comunicação com o Brasil será feita por meio de
sistemas de transmissão e recepção de voz, imagem e dados do setor russo e dos
outros países. Esses sinais são recebidos pelos links de solo e retransmitidos pelos centros de controle na Rússia
e nos Estados Unidos para os pesquisadores, rádios e TVs no Brasil.
Nesse aspecto, especificamente sobre essa missão
científico-espacial, é necessário deixar claro que me foi confiada a
missão de ir ao espaço e levar, além de experimentos científicos e a nossa
bandeira, muitos sonhos, ideais, esperanças, orgulho e tantos outros
sentimentos de uma nação inteira. Logicamente a missão foi criada pela
administração oficial, o governo. Contudo, depois de ser impregnada nos desejos
do povo brasileiro, essa missão deixa de ser um compromisso institucional com o
governo, mas uma responsabilidade com o Brasil, com os brasileiros. Assim, não
é uma missão para a minha satisfação pessoal, ou feita apenas para mandar um
astronauta ao espaço, cumprindo a ordem de uma autoridade. Portanto, na
execução operacional, cabe a mim cumpri-la até o final, custe o que custar,
contra todos os obstáculos, mesmo com o meu sacrifício, se necessário. Esse é o
meu compromisso com meu país. Esse é o espírito que eu gostaria que o meu país
tivesse por mim.
No momento do voo, estarei fisicamente sozinho, mas
levando a bandeira brasileira, que tanto me orgulha; estarei levando comigo
toda uma nação. Pelas centenas de e-mails e outras mensagens de muito carinho e
apoio que recebo diariamente, tenho plena certeza de que essa missão irá
representar para cada brasileiro algo especial. Um momento que ficará para
sempre como uma lembrança viva, nos momentos de maior dificuldade, de que o
nosso país é um país que tem capacidade de sobra; que devemos nos orgulhar pelo
que é nosso e pelo que somos: uma nação forte, com tecnologia, empresas e
pessoas capazes, que fazem a cada dia uma história cotidiana de sucesso, a ser
contada por gerações. Uma história de raça, garra, pioneirismo e amor ao
Brasil.
[Os três astronautas decolaram no dia 29 de março de
2006, às 23h30min (horário de Brasília), no Centro de Lançamento de
Baikonur, no Cazaquistão. Eles seguiram, na nave Soyuz TMA-8, para
a Estação Espacial Internacional, levando 15 quilos de carga da Agência
Espacial Brasileira, incluindo oito experimentos científicos criados por
universidades e centros de pesquisas brasileiros. A missão, realizada com
sucesso, teve duração de dez dias, sendo dois dias a bordo da Soyuz e oito na
ISS.]
Quando olha para a
vastidão do espaço, o que lhe vem à mente?
O quão pequenos e frágeis nós somos perante Deus.
Contudo, da mesma forma, penso no quanto somos importantes, cada um de nós,
para Ele como partes preciosas de Sua criação.
Consegue ver a mão de
Deus nas obras da criação, especialmente nos planetas, nas estrelas e nas
galáxias?
Sem dúvida! Algumas pessoas me perguntam como convivo
com a ciência e a religião dentro de mim. Não existe nenhum conflito entre
religião e ciência. A fé é como a luz de um farol a nos guiar durante a noite
de nosso conhecimento. Nos momentos mais críticos de nossas vidas, normalmente,
de uma forma ou de outra, estamos sozinhos. Mas se temos dentro de cada um de
nós a confiança em Deus, teremos a direção e a força necessárias para enfrentar
qualquer situação.