Vamos a mais um argumento estudado na
filosofia da religião a fim de dar evidências da existência de Deus. Só relembrando algo que escrevi no post sobre o argumento cosmológico:
você terá muita dificuldade em encontrar um filósofo da religião (monoteísta)
que creia que um argumento sozinho sirva
como evidência suficiente. Existem, de forma bem generalizada, dois grandes
grupos: aqueles que acreditam que nenhuma
evidência funcione (esses não são apenas ateus; muitos teístas apoiam essa
ideia) e aqueles que acreditam que apenas todos os argumentos juntos conseguem formar uma defesa cumulativa
para a existência justificada em Deus.
Os argumentos ontológicos são fascinantes,
pois são argumentos que dizem ter premissas elaboradas da razão
apenas, sem ajuda de qualquer informação do mundo “lá fora”. Diferente, por
exemplo, do argumento cosmológico, que observa que tudo o que existe tem um
início, o ontológico não precisa de “fatos do mundo” para funcionar. Isso
se conhece na filosofia como premissas a priori, ou seja, que vêm
antes do nosso contato com o mundo (a posteriori).
Eu vou dividir o argumento ontológico em dois
posts porque quero falar para vocês
dos argumentos elaborados na era moderna e na era contemporânea. Vamos começar
do começo.
O argumento ontológico mais famoso veio de um
filósofo cabeção chamado Anselmo, do 11o século. O início da
sua obra Proslogion é uma oração em
que ele clama a Deus por uma prova racional para a Sua existência. É aí que ele
recebe a grande epifania, que podemos resumir em um silogismo mais ou menos
semelhante a este:
1. Nós concebemos Deus como um ser sobre o
qual nada de melhor poderia ser concebido.
2. Esse ser sobre o qual nada de
melhor poderia ser concebido existe apenas na mente ou tanto na mente
quanto na realidade.
3. Vamos presumir que esse ser só possa ser
concebido na mente.
a) Existir tanto na mente
quanto na realidade é melhor do que existir apenas na mente.
b) Esse ser, existindo
apenas na mente, também pode ser concebido como existindo na realidade.
c) Esse ser existindo
apenas na mente, então, não é o ser sobre o qual nada de melhor poderia ser
concebido.
4. Portanto, esse ser sobre o qual nada de
melhor poderia ser concebido existe tanto na realidade quanto na mente.
Parece complexo, né? Enfim, a ideia básica é:
O que é melhor, existir só na mente ou existir na realidade e na mente? Existir
na realidade e na mente! Se Deus é o ser que podemos conceber como o mais
perfeito possível, então Ele existe na realidade.
O argumento de Anselmo foi quase que
imediatamente criticado por seu colega de profissão, Gaunilo. Gaunilo disse que
ele conseguia conceber uma ilha sobre a qual nada de melhor poderia ser
concebido. É muito provável, porém, que essa ilha não exista. E daí, Anselmo?
Anselmo respondeu que não existia contradição em dizer que a ilha perfeita não
existia, mas existe contradição quando dizemos que Deus não existe, se
entendemos Deus como sendo o ser mais perfeito do universo.
O próximo a tentar elaborar algo parecido foi
René Descartes, na quinta meditação, na qual ele diz ter um argumento para a
existência de Deus partindo da ideia de que Deus é um ser supremamente
perfeito. Um ser supremamente perfeito não poderia falhar em existir, portanto
Deus existe!
Gottfried Leibniz, no século 18, não achou o
argumento de Descartes completo, pois ele teria que ter provado que é
possível existir um ser perfeito, ou que pelo menos a ideia de um ser
perfeito é coerente. Leibniz argumentou que perfeições não podem ser
analisadas, então é impossível demonstrar que perfeições são incompatíveis.
Assim, ele concluiu que todas as perfeições podem existir em um único
ser.
Immanuel Kant, no século 19, trouxe uma
avassaladora crítica ao pobre Anselmo e seu argumento: existência não é um
atributo, portanto, ela não pode ser usada para provar perfeição, muito menos
Deus.
Será que os filósofos pararam por aí,
deixando a crítica de Kant vencer o dia? Jamais! Filósofos (muito menos os
teístas) não desistem tão rápido.
No próximo post veremos quais foram as reformulações que aparentemente fugiram
do problema de Kant.
(Marina
Garner Assis, Filosofia da Religião)