segunda-feira, dezembro 17, 2018

Darwin presidente: liberalismo econômico tem a ver com evolucionismo?

O liberalismo econômico teria algo de evolucionismo em sua origem ou na fundamentação de suas ideias? Ou seria esta uma filosofia política e econômica segura para ser defendida pelos cristãos? Na primeira matéria da série "Darwin Presidente" foi abordado o socialismo e como o darwinismo social influenciou a visão de mundo que embasa os movimentos de esquerda atualmente. Na segunda postagem da série, falou-se sobre a influência da evolução no fascismo, e como a teoria darwinista pode embasar o racional por trás da ideia da supremacia racial com toda a tragédia que essa visão traz consigo. Neste texto será apresentado um assunto pouco conhecido e, talvez para alguns, surpreendente: a influência do darwinismo na filosofia neoliberal.

Como o darwinismo proveu uma justificativa moral para o capitalismo liberal


Em 1851, portanto cerca de oito anos antes da publicação de A Origem das Espécies [...] por Darwin, Herbert Spencer (o mesmo cujas ideias fundamentaram o socialismo e a terceira posição) havia publicado um livro contendo já as ideias de seleção natural do mais apto. Apenas lembre-se de que foi Spencer, e não Darwin, quem cunhou a expressão "survival of the fittest" - a sobrevivência do mais apto. Nesse livro o autor tratou de defender o "capitalismo laissez-faire". Laissez-faire é uma expressão francesa usada frequentemente para representar algo que deve ser deixado por si só, ou "do jeito que quiser", sem interferência. A ideia básica por trás dessa primeira publicação de Spencer, portanto, era a de que os mercados deveriam operar com o mínimo de interferência dos governos.[1] Como racional embasando essa ideia, o autor dizia que toda a história social humana havia sido cunhada por meio da competição entre indivíduos. Pelas vias da competição, os agentes sociais mais aptos se apropriariam dos recursos e os controlariam sem obstáculos. De acordo com Spencer, quanto mais os atores fossem deixados a competir livremente, sem interferências de quem ou do que quer que fosse, mais rápido a sociedade evoluiria. Em termos, os governos e as organizações sociais, e mesmo os demais indivíduos, não deveriam interferir na luta entre competidores e nos resultados da vitória do mais apto sobre o menos apto. Portanto, para Spencer, não se deveria impedir que os mais fracos morressem (ou fossem destruídos em qualquer instância - econômica, social ou emocional), pois isso prejudicaria a "evolução" da sociedade como um todo.[1]

Spencer, posteriormente inspirado em grande medida pelo trabalho de Darwin e com financiamento de amigos, escreveu mais uma dúzia de livros.[1] Nessas obras Spencer reforçou a ideia de que o destino da civilização estava nas mãos dos espécimes mais aptos. Diferentemente de Darwin, Spencer acreditava que características aprendidas pelas pessoas poderiam ser transmitidas para a sua descendência. Assim, os indivíduos "mais aptos" da sociedade nasceriam com uma tendência natural de "industriosidade, frugalidade, o desejo natural de deter propriedades e a habilidade de acumular riqueza".[1] Por outro lado, os "menos aptos" seriam nascidos já com a preguiça, estupidez e imoralidade em suas veias.[1] Assim, pode-se concluir que as pessoas mais evoluídas formariam clãs de indivíduos desenvolvidos, dando-se o oposto com os menos afortunados.

Para Spencer, deixado per se, esse "populacho" de seres "inferiores" seria naturalmente extinto, vencido pelos "melhores" da civilização e, caso o governo e demais instituições interviessem para equilibrar o disparate social, estariam impedindo que a sociedade evoluísse para um melhor estado de coisas. O autor, que era britânico, criticou o parlamento de seu país por entender que havia uma interferência excessiva na sociedade por causa da legislação que protegia os fracos, os pobres e os trabalhadores. Spencer acreditava que o então império estava rumando para se tornar uma sociedade industrial evoluída e que o governo deveria "sair da frente" dos mais aptos para deixar espaço para que os "inferiores" fossem naturalmente eliminados e a plenitude econômica e social se instaurasse. Para o autor, a única regra que o governo deveria se esforçar por garantir seria a de que todos os agentes devem ter igualdade de condições de competir.[1]

Aliás, Spencer acreditava que o governo teria como missão apenas defender o território nacional contra as invasões estrangeiras e atuar combatendo a criminalidade, para que a propriedade privada fosse garantida. O autor via também a ajuda que o Governo provia aos pobres como sendo um estímulo à preguiça. Spencer também se manifestava terminantemente contra a educação pública, pois esta seria uma forma de fazer os contribuintes pagarem pela educação dos filhos dos outros (mais uma vez estimulando a preguiça e perpetuando a classe "inferior"). Essa inimizade contra a legislação em favor do social se estendia ainda a outros assuntos, como salário mínimo, limitação de jornada de trabalho, formação e manutenção de sindicatos, políticas sociais de moradia, saneamento básico e saúde. Essas ações do governo feririam (de alguma forma) os direitos de propriedade dos detentores dos recursos na sociedade. O pensamento do autor ia a extremos de dizer que as doenças eram penalidades naturais que sobrevinham aos imbecis e ignorantes, e que não se deveria impedir que as pestes seguissem o seu curso natural.[1]

Para surpresa geral, porém, Spencer acreditava que mesmo o Império Britânico deveria se retirar de suas intenções colonialistas, muito embora seus escritos tenham sido justamente utilizados por figuras do poder britânico para justificar essa expansão. A explicação é a de que o colonialismo, para o autor, demandava uma expansão da burocracia estatal (por causa da dificuldade de controlar os territórios conquistados), o que faria com que o Estado adquirisse uma estrutura custosa e que tendia a mais interferências indesejadas na economia e no mercado[1].

Darwinismo social nos Estados Unidos
No entanto, as ideias de Spencer não ficaram apenas para dentro das fronteiras do arquipélago de Sua Majestade. Isso apesar de que a ampla aceitação das suas ideias no que seria a grande potência mundial do século 19 seria, por si só, um feito e tanto. O período compreendido entre as décadas de 1870 e 1900 viu o surgimento de um capitalismo fortemente influenciado pelas ideias darwinistas sociais inglesas nos Estados Unidos da América. Grandes nomes do capitalismo no Novo Mundo, como John Rockefeller e Andrew Carnegie eram não apenas seguidores, mas promulgadores das ideias do darwinismo social. Todavia, ao adotarem a filosofia que fora tão eficientemente promovida por Spencer na Inglaterra, o que os EUA viram no período não foi, contraditoriamente, a destruição de monopólios comerciais pela competição, conforme profetizava o autor. O que ocorreu, na realidade, foi a formação de cartéis e o controle dos meios de produção pelas rédeas de poucas famílias industriais e investidoras norte-americanas. As condições dos trabalhadores à época, nos Estados Unidos, eram inimagináveis para a sociedade ocidental capitalista de hoje. Horas diárias de trabalho infindáveis, baixíssimos salários, exploração do trabalho infantil, condições insalubres em minas e fábricas, e péssima segurança no trabalho. No entanto, as cortes judiciais norte-americanas, naquele período, tendiam a dar ganho de causa à visão darwinista social de Spencer. Assim, os movimentos trabalhistas eram reprimidos violentamente pela justiça, por meio da ação policial.

Por causa das condições injustas e mesmo desumanas de trabalho, revoluções sindicais explodiram nos EUA pela década de 1880. Os protestos eram violentos e, frequentemente, deixavam um saldo elevado de mortos e feridos. Muitos políticos e pessoas de influência dos Estados Unidos temeram que uma revolução marxista estivesse em curso em seu país. Então, o governo americano finalmente começou a ceder em favor de leis como as da taxação de grandes fortunas e que favorecessem não apenas o lado do empregador nas disputas entre grandes industriais e os sindicatos de trabalhadores. Mas a década seguinte na América trouxe um recrudescimento da legislação em favor do Estado laissez-faire, que inclusive declarou inconstitucionais as leis trabalhistas estaduais que tinham sido criadas para proteger mulheres e crianças, e que limitavam as horas da jornada semanal para "apenas" 60[1] (comparar com as atuais 44h semanais no Brasil, máximo permitido pela CLT, para pessoas que trabalham de segunda à sábado, oito horas por dia de semana e quatro no sábado).

Ainda assim, políticos como Theodore Roosevelt (não confundir com Franklyn Roosevelt) continuavam a labutar com ideias progressitas para se contraporem aos ensinos de Spencer, que eram tidos como uma espécie de bíblia entre os legisladores americanos. Pouco a pouco as ideias progressistas ganharam espaço entre os homens influentes dos EUA, tendo como resultado o desenvolvimento de condições um pouco mais humanas aos trabalhadores do País.[1]

Spencer morreu em 1903, pessimista e desiludido ao ver os governos cada vez mais atuantes nas sociedades britânica e norte-americana, com o objetivo de proteger os "menos aptos" da extinção preconizada nos seus escritos.

O darwinismo social no século 21

Apesar de a morte de Spencer ter ocorrido há mais de 100 anos, suas ideias continuam presentes na sociedade atual e os efeitos mais funestos do darwinismo social estão longe do seu fim. É difícil delinear precisamente o quanto as ideias darwinistas sociais se entreteceram no comportamento ocidental ao longo das décadas após sua publicação. No entanto, alguns números podem dar um diagnóstico da extensão da desigualdade gerada pelo liberalismo econômico levado ao seu extremo:

De acordo com a rede de comunicação britânica BBC, a distância entre pobres e ricos no mundo só vem aumentando. A previsão era, à época da reportagem, que já em 2016 o 1% mais rico da população mundial detivesse mais capital que todo o resto dos humanos. O fórum econômico de Davos, de acordo com a Oxfam - uma organização internacional que luta pelo fim da pobreza -, deveria ser alertado e instado para atuar no sentido de que a desigualdade social fosse abordada como um tema de primeira importância na pauta política e econômica internacional.[2]

Ainda mais, de acordo com a Oxfam, como reportado pela BBC, as 85 pessoas mais ricas do mundo teriam mais dinheiro do que os 50% mais pobres (parcela esta que representa quase quatro bilhões de pessoas). Mas a conta mais estarrecedora é um pouco difícil de compreender, todavia nem por isso menos alarmante. A Oxfam denuncia que, em 2014, de toda a riqueza que não é detida pelo 1% mais rico do mundo, 52% dela é possuída pelos outros 20% mais acima no topo da pirâmide. Assim, de acordo com a Oxfam, cerca de 80% da população mundial deve sobreviver com cerca de 5,5% da riqueza total produzida na Terra.

Um estudo publicado em 2011 por pesquisadores do Instituto Federal de Tecnologia de Lausane, na Suíça, analisou bases de dados que detêm informações de mais de 73 milhões de empresas ao redor do mundo. Traçando as relações entre as estruturas de capital dessas empresas, os pesquisadores concluíram que 1.318 grandes companhias detêm a maioria das ações das maiores organizações do mundo. Isso significa que essas 1.318 empresas estão no controle de 60% de tudo que é vendido em todos os países. Mas ainda não é o fim: aprofundando a análise dessas 1.318 companhias, os pesquisadores descobriram um núcleo de 147 empresas (a maioria grandes bancos) que controlam 40% do capital do primeiro grupo. Em termos, 147 empresas, cujos sócios representam uma fração ínfima da população mundial, controlam quase a metade de tudo que é vendido no Planeta.[3]

Esse cenário apenas reforça o que já se havia visto no século 19, de concentração de renda e espalhamento não da riqueza, mas da miséria. Como visto, embora os discursos políticos (neo)liberais sejam inflamados e cheios de promessas de prosperidade, justiça e igualdade de oportunidades, baseados em uma retórica muito convincente, o fato é que o mundo - e não apenas o Brasil - está cada vez mais desigual e injusto. A menos que você concorde com Spencer.

Conclusão

A sobrevivência do mais apto no marxismo e no fascismo gerou o totalitarismo. No liberalismo, o totalitarismo não ocorre no governo, mas nos feudos econômicos, onde poucas pessoas controlam a maior parte da produção industrial. O egoísmo da natureza humana culmina com o totalitarismo e o absolutismo, quando os adversários são eliminados. Isso se verificou no comunismo, quando os "opressores do povo" (burguesia) foram esmagados apenas para dar lugar a ditadores como Stálin. O egoísmo foi visto, também, na terceira-posição, quando as "raças inferiores" foram caçadas como animais e mortas de forma ainda pior.

E no liberalismo econômico? Não seria o clamor pelo estado mínimo uma prova de que essa sede de poder irrestrito, visto nas outras ideologias, estaria longe de uma filosofia possivelmente segura para que os cristãos a sigam?

Como visto acima, infelizmente não. Nos fundamentos do liberalismo econômico, o Estado simplesmente é um dos inimigos a serem vencidos para que os ditadores do capital possam seguir "peneirando" as classes "inferiores" rumo a uma estrutura em que poucos estão no topo de uma pirâmide que esmaga cruelmente sua base. Esse topo não estaria no plano político, mas no plano econômico e financeiro, chamado Mercado.

Obviamente tratamos nesses posts dos fundamentos evolucionistas dessas ideologias. Alguns conceitos apresentados por cada uma delas surgem em contextos que até justificariam algumas posturas e ações. Além disso, não se avaliaram aqui as motivações e o caráter de todos os seus seguidores. Existem pessoas honestas e benfazejas defendendo cada uma dessas três vertentes. Todavia, o destaque aqui é para a fonte comum entre todas as três, uma fonte evolucionista e, portanto, reducionista da figura humana. Uma fonte que legitima a competição e a destruição do "menos apto".

Como Jesus disse: "O Meu reino não é desse mundo" (João 18:36). Os cristãos devem, de acordo com a Bíblia, seguir votando com consciência e prudência, trabalhando com e apoiando as autoridades civis em tudo o que não for contrário aos mandamentos de Deus. Mas devem lembrar que "todos estes morreram na fé [...] confessaram-se estrangeiros e peregrinos na Terra [...] claramente mostram que buscam uma pátria [...] mas agora, desejam uma melhor, isto é, a celestial. Por isso também Deus não Se envergonha deles, de Se chamar seu Deus, porque já lhes preparou uma cidade" (Hebreus 11:13-16).

Alexsander Silva
Todos estes morreram na fé, sem terem recebido as promessas; mas vendo-as de longe, e crendo-as e abraçando-as, confessaram que eram estrangeiros e peregrinos na terra.
Porque, os que isto dizem, claramente mostram que buscam uma pátria.
E se, na verdade, se lembrassem daquela de onde haviam saído, teriam oportunidade de tornar.
Mas agora desejam uma melhor, isto é, a celestial. Por isso também Deus não se envergonha deles, de se chamar seu Deus, porque já lhes preparou uma cidade.

Hebreus 11:13-16
Todos estes morreram na fé, sem terem recebido as promessas; mas vendo-as de longe, e crendo-as e abraçando-as, confessaram que eram estrangeiros e peregrinos na terra.
Porque, os que isto dizem, claramente mostram que buscam uma pátria.
E se, na verdade, se lembrassem daquela de onde haviam saído, teriam oportunidade de tornar.
Mas agora desejam uma melhor, isto é, a celestial. Por isso também Deus não se envergonha deles, de se chamar seu Deus, porque já lhes preparou uma cidade.

Hebreus 11:13-16
Todos estes morreram na fé, sem terem recebido as promessas; mas vendo-as de longe, e crendo-as e abraçando-as, confessaram que eram estrangeiros e peregrinos na terra.
Porque, os que isto dizem, claramente mostram que buscam uma pátria.
E se, na verdade, se lembrassem daquela de onde haviam saído, teriam oportunidade de tornar.
Mas agora desejam uma melhor, isto é, a celestial. Por isso também Deus não se envergonha deles, de se chamar seu Deus, porque já lhes preparou uma cidade.

Hebreus 11:13-16
Todos estes morreram na fé, sem terem recebido as promessas; mas vendo-as de longe, e crendo-as e abraçando-as, confessaram que eram estrangeiros e peregrinos na terra.
Porque, os que isto dizem, claramente mostram que buscam uma pátria.
E se, na verdade, se lembrassem daquela de onde haviam saído, teriam oportunidade de tornar.
Mas agora desejam uma melhor, isto é, a celestial. Por isso também Deus não se envergonha deles, de se chamar seu Deus, porque já lhes preparou uma cidade.

Hebreus 11:13-16
Todos estes morreram na fé, sem terem recebido as promessas; mas vendo-as de longe, e crendo-as e abraçando-as, confessaram que eram estrangeiros e peregrinos na terra.
Porque, os que isto dizem, claramente mostram que buscam uma pátria.
E se, na verdade, se lembrassem daquela de onde haviam saído, teriam oportunidade de tornar.
Mas agora desejam uma melhor, isto é, a celestial. Por isso também Deus não se envergonha deles, de se chamar seu Deus, porque já lhes preparou uma cidade.

Hebreus 11:13-16

Referências:
[1] BRIA (2003). Social darwinism and American laissez-faire capitalism. Disponível em: http://www.crf-usa.org/bill-of-rights-in-action/bria-19-2-b-social-darwinism-and-american-laissez-faire-capitalism.html
[2] BBC (2015, January 19). Richest 1% to own more than the rest of the world, Oxfam says. Disponível em: https://www.bbc.com/news/business-30875633
[3] Inovação Tecnológica (2011). Matemáticos revelam rede capitalista que domina o mundo. https://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=rede-capitalista-domina-mundo&id=010150111022#.W94Q2SdRfEo