Amazônia! Nunca se falou tanto sobre
o assunto como nos últimos dias. Entre fatos e fake news, todos os canais midiáticos estavam voltados para o
assunto do momento: “A Amazônia arde!” Diante de uma enxurrada de informações
que deixaram a população mais confusa que informada, dezenas de jornais alarmaram
o planeta: “Estão destruindo o pulmão do mundo!” Algumas figuras públicas até
falaram com precisão: “A Amazônia, pulmão do nosso planeta que produz 20% do
nosso oxigênio, está em chamas.”[1] Alguns pesquisadores contestam essas
informações, dentre eles, a bióloga Mutue Toyota Fujii, do Instituto de
Botânica de São Paulo, que afirma que são as algas, não a Amazônia, que
levariam o título de “pulmões do mundo”. Somente as algas produzem mais de 50%
do oxigênio do planeta. “O excesso de gás liberado na água passa para a
atmosfera e fica disponível para os outros seres vivos”, afirma a bióloga.[2]
A Floresta Amazônica libera na
atmosfera cerca de 1,5 bilhão de toneladas de oxigênio. Só que esse valor é
algo muito pequeno: 0,001% do oxigênio do planeta, explica o climatologista
Carlos Nobre. “Isso não anula a importância ecológica das florestas. A Amazônia
é a grande responsável pelo equilíbrio climático do mundo”, conclui Hugo Huth
da Universidade Federal de Minas Gerais.[3] Vale ressaltar, também, que essa
exuberante floresta retém dióxido de carbono, o principal gás do efeito estufa.
Gostaria, então, de convidar você para conhecer um pouco mais sobre um dos mais
ousados e colossais sistemas já elaborado: a Amazônia.
Localizada na porção sul do
continente americano, a maior floresta tropical do mundo abriga não somente a
maior bacia hidrográfica do planeta – a Bacia Amazônica –, mas o maior
reservatório de água doce, de acordo com a Agência Nacional de Águas: o
Aquífero Alter do Chão, que chega a ser duas vezes maior que o Aquífero
Guarani, mundialmente conhecido.[4] Porém, o mais espantoso é que a colossal
floresta tropical além de possuir gigantescos rios debaixo da terra, imensas
drenagens em sua superfície, possui um verdadeiro “rio voador”.
Para entendermos o mecanismo desses
rios voadores, precisamos partir da maior fonte de água do planeta: o oceano.
Os ventos carregados de umidade vindos do oceano despejam chuvas torrenciais sobre
o continente. Porém, à medida que essas correntes de ar adentram o continente,
era esperado que o ar perdesse a umidade por conta das chuvas e ficasse mais
seco. Algum mecanismo precisaria existir para fazer com que esse ar continuasse
úmido. Daí, então, entra em ação um grande fator chave: as árvores. Com raízes
bastante profundas, as árvores da floresta Amazônica são capazes de captar água
dos imensos reservatórios contidos em rochas areníticas, a cerca de 60, 80
metros de profundidades. Suas folhas são estruturas fantásticas de evaporação.
Uma árvore com copa de 20 metros de diâmetro pode despejar na atmosfera cerca
de mil litros de água em um dia. Em toda a Amazônia, esse valor pode
ultrapassar os 20 bilhões de toneladas de massa de ar úmida em um dia.[5] Para
você ter ideia, o rio Amazonas despeja algo em torno de 17 bilhões de toneladas
de água diariamente nos oceanos. Logo, esse “rio de vapor” que ascende é maior
que o próprio rio Amazonas![6]
Os aerossóis que existem na atmosfera
sobre a Floresta Amazônica são considerados os núcleos de condensação de nuvem.
A floresta é capaz de fabricar sua própria chuva. E mais: essa chuva viaja
dezenas de quilômetros de distância, sendo vital para outras regiões do
planeta. Esses são os “rios voadores”. Ou, tecnicamente, jatos de baixos
níveis.
Ao percorrer toda a América do Sul,
esses rios de umidade são barrados pelas gigantescas montanhas da Cordilheira
dos Andes, mudam sua rota e voltam a alimentar as nascentes dos rios da
Amazônia. É um ciclo perfeito de imensa interação entre os seres vivos e não
vivos, árvores e atmosfera, que ultrapassa os limites da evolução e interação
biológica. São as maravilhas de um mundo perfeitamente planejado!
Ao colidirem com as cordilheiras,
essas imensas colunas de umidade condensam-se em forma de chuva e erodem as
rochas por onde passam, carregando consigo toneladas de sedimentos
siliciclásticos que, ao chegarem nos rios, “caminham” em direção ao oceano. Os
rios levam para os oceanos não somente um aporte gigantesco de sedimentos, mas
uma rica fonte de sílica, fundamental para a existência e multiplicação de
algas responsáveis pela maior parte da produção de oxigênio no planeta: as
diatomáceas.
Completamente dependentes dessa
interação orquestrada entre o oceano e a Floresta Amazônica, as diatomáceas
compõem um aglomerado de microalgas capazes de realizar fotossíntese,
conhecidas como fitoplâncton. Essas algas, que são micro-organismos eucariontes
unicelulares, ocorrem nos mais diversos ambientes úmidos e aquáticos, suspensos
na coluna d’água ou aderidos a diversos substratos: macrófitas (epifíticas),
rochas (epilíticas), animais (epizóicas), grãos de areia (episâmicas),
sedimento (epipélicas). São fotossintetizantes, possuindo clorofilas do tipo a
e c, mas algumas poucas espécies são capazes de resistir heterotroficamente a
condições de pouca luz e de baixa disponibilidade de matéria orgânica.[7]
A principal característica
morfológica das diatomáceas é a parede celular impregnada de sílica
(SIO2.nH2O), envolvida por uma fina camada de matéria orgânica, conhecida como frústula.
É da imensa quantidade de sedimentos despejados nos oceanos que as diatomáceas
retiram a sílica necessária para suas carapaças, o que lhes possibilita não
somente sobreviver, mas se proliferar.
As diatomáceas fazem parte de um
conjunto de algas responsáveis pela grande produção de oxigênio essencial para
a manutenção da vida nos oceanos e fora deles.[8] As diatomáceas não sabem que
a imensidão da Floresta Amazônica exerce papel fundamental para sua
sobrevivência, dando suprimento necessário para que continuem a produzir nosso
oxigênio. Mas tudo ocorre de modo incrivelmente perfeito. Se a Amazônia não
pode ser considerada o pulmão do mundo, sem dúvida podemos considera-la o
coração! Como no corpo o coração bombeia o sangue transportador de gases da
ventilação pulmonar, no ecossistema global a Amazônia “bombeia” por meio dos
rios sedimentos ricos em sílica indispensáveis para a manutenção orgânica das
algas diatomáceas.
Os fatores bióticos e abióticos
interagem como que orquestrados por uma mente inteligente, capaz de pensar em
cada minucioso detalhe para a manutenção do nosso complexo ecossistema. Tudo é
interligado. Tudo foi criteriosamente pensado. Tudo foi perfeitamente projetado
– por um Designer inteligente.
Sobre o ser humano repousa a imensa
responsabilidade de não somente utilizar, mas garantir que toda a diversidade
de sistemas, vivos e não vivos, que interagem perfeitamente, siga seu curso
natural: manter a vida.
Hérlon Costa
Referências:
Nobre, A.D., 2014. O Futuro Climático
da Amazônia.
Nobre, A.D., 2005. Is the Amazon
Forest a Sitting Duck for Climate Change? Models Need yet to Capture the
Complex Mutual Conditioning between Vegetation and Rainfall, in: Silva Dias,
P.L., Ribeiro, W.C., Nunes, L.H. (Eds.), A Contribution to Understanding the
Regional Impacts of Global Change in South América. Instituto de Estudos
Avançados da Universidade de São Paulo, São Paulo, pp. 107–114.
VIDOTTI, E.C. & ROLLEMBERG, M. do
C. Algas: da economia nos ambientes aquáticos à bioremediação e à química
analítica. São Paulo, Química Nova, v.27, n.01, Jan/fev, 2004.