quarta-feira, abril 19, 2023

Big Bang: resposta à réplica de João Paulo (parte 1)

João Paulo Reis Braga escreveu uma réplica à seção na qual menciono uma citação feita por Marcos Eberlin em sua réplica ao meu artigo sobre a desinformação que tem sido amplamente propagada por alguns com cada vez mais intensidade sobre assuntos de Física, assim como em várias outras disciplinas. Uma das áreas mais afetadas por boatos que circulam entre não especialistas é a Cosmologia, especialmente quando se fala em Big Bang. Nesse contexto, equívocos sobre diversos outros assuntos de Física têm sido usados na argumentação, alguns dos quais tenho apontado. Esse processo funciona como “enxugar gelo”, dada a facilidade de inventarem argumentos falaciosos, mas respondo em atenção aos leitores sinceros e espero que o próprio João Paulo esteja entre eles. Cometer erros básicos assim é natural quando alguém fala de temas fora de sua especialidade. Dizer isso não é desqualificar quem quer que seja, mas alertar para um problema recorrente e ajudar a preservar a reputação de quem comete esses erros (explico melhor mais adiante).

Como a quantidade de erros conceituais é muito grande para ser respondida em um único artigo, precisarei fazer uma série para lidar com todos os tópicos mais relevantes. Este artigo é apenas o primeiro dessa série.

Fiz o possível para evitar assustar os leitores com equações de leis físicas, mas é necessário mostrar alguns dos detalhes da parte técnica sobre entropia, em função do grau de desconhecimento do assunto demonstrado no artigo de João Paulo e no de Eberlin, em resposta ao meu artigo original. O interessante é que o artigo de João Paulo usa erros elementares de Mecânica Estatística para afirmar que respondi de má-fé, quando apresentei exemplos na resposta a Eberlin.

Apesar do fato de que esses assuntos podem ser esclarecidos pelo simples estudo de livros didáticos, os quais apresentam as devidas relações matemáticas sobre o que se observa na prática, pretendo apresentar um esclarecimento resumido de alguns temas básicos de Física que João Paulo demonstra desconhecer, a fim de que outros não caiam nas mesmas armadilhas e continuem a espalhar a ideia de que criacionistas não entendem dos assuntos que abordam (o que é verdade para vários, mas não para todos).

Reforço que esta é apenas a primeira parte da resposta a João Paulo, pois, mesmo ignorando os erros conceituais e as distorções menores, ainda restam muitos erros graves a corrigir. Mais esclarecimentos serão dados em artigos subsequentes.

Objetivos pessoais

Note que meu objetivo principal não é o de defender o Universo antigo, muito menos o modelo do Big Bang (que é um modelo criacionista e nada tem a ver com criação espontânea ou sem Deus), mas o de lutar contra argumentos errados, independentemente de eles defenderem meu ponto de vista ou ideias nas quais não acredito.

Podem defender o Universo jovem o quanto quiserem, mas eu gostaria de não precisar perder mais tempo com falácias, especialmente a do espantalho, a do argumentum ad hominem e a do apelo à irracionalidade divina que vimos na réplica de Eberlin. Esta última serve para blindar qualquer argumento absurdo e também está relacionada à falácia do deus das lacunas. Quando chegarmos ao ponto de não precisarmos lidar com essas falácias, aí poderemos entrar realmente no mérito da idade do Universo.

O principal desgosto que tenho com a ideia de Universo jovem é o de que ela tem sido usada para gerar todo tipo de erros conceituais. Se pararem de usar argumentos falsos, não tenho problemas com que defendam o que quiserem, da Terra plana ao Universo jovem.

Coletânea de erros conceituais e falácias

Identifiquei muitos problemas comportamentais bem como erros conceituais ao longo do texto. Isso é ruim porque desvia o foco da argumentação. Por outro lado, essas coisas precisam ser identificadas e esclarecidas.

A seguir apresento uma lista dos erros conceituais que mais me chamaram a atenção.

  • A ideia de que o modelo do Big Bang tenta explicar a origem do Universo. (Mostra total desconhecimento do modelo.)
  • A ideia de que o modelo do Big Bang tem relação com a criação de estruturas do Universo. (Idem.)
  • A ideia de que o modelo do Big Bang está ligado a uma criação espontânea e não dirigida, sem inteligência. (Idem.)
  • A ideia da existência de partículas elementares das quais tanto elétrons quanto quarks seriam feitos. (Pequeno equívoco.)
  • A ideia de que a formação de partículas mais complexas a partir de plasma violaria a segunda lei da Termodinâmica. (Erro grave.)
  • A ideia de que todas as teorias quânticas ignorariam a gravidade. (Erro gravíssimo.)
  • A ideia de que todas as teorias e modelos quânticos violariam a segunda lei da Termodinâmica. (Erro gravíssimo.)
  • A ideia de que os modelos quânticos sobre o que acontece após a criação do universo inverteriam a segunda lei da Termodinâmica. (Erro grave.)
  • A ideia de que o Modelo Padrão seria só um entre muitos. (Desconhecimento de leigo.)
  • Confusão entre relação e definição (como entropia e desordem), com a conclusão de que eu me contradisse quando falei do assunto. (Erro gravíssimo, pois afeta o próprio conceito de definição, sabota a habilidade de lidar corretamente com conceitos em qualquer área e ainda demonstra inabilidade de entender textos.)
  • Apelo a autoridades para dizer que entropia e desordem seriam, sim, a mesma coisa. São usadas citações antigas e um texto de divulgação (licença poética de divulgação) que comentam sobre relações entre entropia e desordem para tentar justificar essa ideia, ao invés de conferirem as definições formais. (Erro grave no âmbito da Física, mas atenuado pelo fato de que essa abordagem medieval ainda é usada em outras áreas.)
  • Confusão entre uma lista parcial de hipóteses que mencionei serem usadas na academia com minha versão de Big Bang. (Erro grave, indica falta de conhecimento sobre a natureza dos modelos desenvolvidos por físicos e leva a inúmeras falácias. Erro grave no âmbito da interpretação de texto, pois distorce completamente o que eu disse.)
  • Confusão entre a existência de processos “espontâneos” (guiados por leis físicas) com criação espontânea, cega e não guiada do Universo e tudo o que ele contém. (Erro grave, pois tem potencial para inutilizar logicamente toda a argumentação criacionista em função da quantidade de contradições que essa ideia induz.)
  • Usar ideias qualitativas equivocadas para tirar conclusões sobre Termodinâmica, sobre supostas violações da segunda lei e sustentar erros em outros assuntos. (Erro gravíssimo, pois usa uma abordagem inválida para lidar com leis físicas.)
  • Confusões envolvendo escalas de tempo para formação estelar. (Erro grave, pois mistura números de maneira a criar confusão onde não existe. Precisamos voltar a esse assunto em breve, mas não nesta primeira parte.)
  • A ideia de que a formação de galáxias via leis físicas seria um aumento de complexidade e, portanto, violaria a segunda lei da Termodinâmica. (Erro grave que engloba vários outros.)
  • A ideia de que Big Bang é um modelo naturalista. (Desconhecimento do assunto.)
  • Ignorar que o espaço-tempo em si tem entropia e a expansão do espaço em si, mesmo sem matéria alguma, corresponde a um grande aumento de entropia. (Desconhecimento do assunto.)
  • Ignorar a influência do volume sobre a entropia, mesmo em uma abordagem clássica. (Erro grave, pois mostra desconhecimento até de rudimentos do assunto.)
  • A ideia de que introduzir uma divisória em um recipiente com gás aumenta a entropia. (Erro grave, pois depende de uma falha conceitual conhecida como paradoxo da mistura.)
  • A ideia de que componentes de sistemas ligados hoje em dia continuariam a se afastar se o Universo estivesse mesmo em expansão. Reclamaram que não expliquei essas coisas: pretendo fazer isso em uma das futuras partes desta resposta. (Erro grave que mostra desconhecimento até dos rudimentos do assunto.)
  • A ideia de que o modelo de Gamow e subsequentes (formação dos primeiros elementos antes das estrelas) violam a segunda lei da Termodinâmica. (Falta de familiaridade com as pesquisas na área.)
  • A ideia de que não existe explicação plausível para a formação das primeiras estrelas por colapso gravitacional. (Erro grave, pois, além de desconhecimento técnico na área, sugere falta de pesquisa.)
  • A ideia de que o tecido do Universo é formado por partículas subatômicas, como elétrons, prótons, fótons, etc. (Erro grave, pois mostra quase total ignorância a respeito das leis mais importantes do Universo.)
  • Um emaranhado de erros conceituais grotescos sobre gravidade. Pretendo voltar e desfazer esses nós em um artigo que pretendo escrever mais adiante nesta sequência. Tantos erros básicos nessa área merecem um capítulo à parte. Pediram que eu explicasse a origem da gravidade possivelmente por causa do pressuposto falso de que eu seria naturalista. Mas pretendo abordar o assunto assim mesmo em outro artigo desta série. (Erros gravíssimos, pois mostram desconhecimento de temas centrais da Física, comentados mesmo em literatura de divulgação científica. Isso mostra que a fonte de informação dessas pessoas é ainda menos confiável do que a literatura de divulgação, que já não é uma fonte aceitável de conhecimentos técnicos.)
  • A ideia de que aumento de complexidade é incompatível com aumento de entropia. (Erro gravíssimo que demonstra desconhecimento até do conceito de entropia.)
  • A ideia de que o Universo é um sistema isolado mesmo do ponto de vista criacionista. (Demonstra desconhecimento do próprio criacionismo.)
  • Confusão entre sistema fechado e sistema isolado. (Erro menor, pois apenas demonstra falta de familiaridade com o jargão da área.)
  • A afirmação de que sou naturalista, apesar das inúmeras vezes que deixei claro publicamente que não é o caso. (Essa ideia parece ter sido induzida pela falácia do falso maniqueísmo, que pretendo comentar.)

Segue uma lista de alguns dos problemas comportamentais que me chamaram a atenção.

  • Sarcasmo ácido.
  • Ataques pessoais (ad hominem, bullying), incluindo acusação explícita de usar estratagemas para enganar. Me chamar de mentiroso ao dizer que apresento coisas que sei muito bem serem falsas. Exemplo: afirmar que usei a expressão “em formação” por má-fé, ao invés de usar a expressão “se formando” para sistemas estelares. Isso seria um “ardil”. Na verdade, eu quis dizer “se formando” mesmo, e as explicações que apresento têm justamente o objetivo de desmascarar erros grosseiros, não acrescentar mais falácias. Em outro momento, voltaremos a esse assunto. Outro exemplo: dizer que meu exemplo sobre divisão de um recipiente com gás está errado e que sei muito bem disso (acusar-me de mentiroso). O que está errado é a afirmação de que o exemplo está errado. Explicarei isso ao tratar de Mecânica Estatística.
  • Usar o fato de que usei expressões que conotam hipóteses (ex.: “teriam”) de terceiros para afirmar que aquilo seria um modelo meu e que eu seria contraditório ao usar aquelas expressões. Isso seria dificuldade de entender a intenção de um texto ou é apenas desejo de fazer parecer que eu disse o que não disse?
  • Basear-se em erros conceituais elementares sobre entropia para afirmar que minhas explicações foram apresentadas com má-fé.
  • Incoerência de usar o argumento do ajuste fino e ao mesmo tempo defender o Universo jovem. Sei que a contradição não parece óbvia à primeira vista, mas vamos tratar disso em outro momento.
  • Afirmar que defendo ideias naturalistas.
  • Usar o argumento do ajuste fino como se ele fosse contra o que apresento.
  • Afirmar que eu me contradisse quando afirmei que nunca se deve definir entropia como desordem, e depois mencionei que existem relações entre entropia e várias outras coisas, incluindo desordem. Será que João Paulo pensa que a existência de uma relação entre A e B significa que A e B são a mesma coisa? Se fosse verdade, então entropia não seria só sinônimo de desordem, mas também de volume, energia, número de partículas, pressão, temperatura, informação, e assim por diante. Isso chega a ser surreal!
  • Afirmar que fujo de dar explicações sobre vários assuntos para proteger o naturalismo. Não se preocupem, explico o que quiserem que estiver dentro dos domínios dos meus conhecimentos, e já iniciarei com alguns pontos neste artigo.
  • Defender pontos que eu defendo (e usar várias citações para isso) em tom de quem está mostrando como estou errado.

Seria bom se essas réplicas não fossem recheadas com tantos ataques pessoais que me obrigam a desmascarar falácias ao invés de poder tratar apenas das questões técnicas envolvidas. Quem sabe, num futuro próximo, consigamos chegar a esse nível de civilidade, cristianismo e honestidade intelectual.

Felizmente, também notei um aspecto positivo, de aceitar uma das correções de erros e buscar literatura para embasar seus pontos. 

Sobre a questão de buscar literatura, isso em si é bom, mas a forma como foi feita não funciona nesta área: as autoridades verdadeiras não são seres humanos, mas as regras matemáticas das leis físicas. Da próxima vez, sugiro estudar o formalismo matemático do assunto em livros didáticos da área, ao invés de procurar citações e tirar conclusões qualitativas a partir delas. Por mais que nós físicos nos esforcemos por traduzir de maneira correta alguns dos infinitos aspectos das leis físicas para uma linguagem popular, essa linguagem em si é muito limitada e não pode ser usada como base para conclusões tecnicamente válidas e minimamente confiáveis.

Os conhecimentos matemáticos indispensáveis para lidar com leis físicas corretamente são de domínio público. Qualquer um com algum tempo e dedicação pode dominar essas coisas. Por mais que Chopra esperneie, a solução não está em tentar forçar a natureza a funcionar de acordo com a intuição humana, mas em aprender as regras matemáticas do mundo real e usá-las para entender mais profunda e detalhadamente como a realidade funciona.

Enquanto a pessoa não tem conhecimentos matemáticos sobre as leis físicas a respeito das quais pretende discorrer, pelo menos tem a opção de pedir uma revisão por parte de quem conhece o assunto. Mas note que, por exemplo, não basta ser físico para saber lidar com o Cálculo Tensorial da Relatividade Geral que sustenta o modelo do Big Bang. Pedir, por exemplo, que um físico de estado sólido dê um parecer sobre o assunto é como pedir a um otorrinolaringologista para fazer um transplante de coração. Mesmo que você procure um cardiologista, ele pode não dominar a técnica de um transplante assim. Então confira as fontes com cuidado.

Honestidade

Destaco novamente que percebi, nos comentários iniciais de João Paulo, um sinal de honestidade intelectual ao tentar corrigir um erro que cometeu. Parabéns! Isso pareceu um oásis quando se trata de debates sobre a questão do Universo jovem. Durante a explicação que João Paulo dá sobre o equívoco, surgem outros problemas conceituais dos quais precisamos tratar. Por sinal, a nova versão do trecho citado por Eberlin continua errada, mas isso em nada desmerece esse sinal de honestidade que me deu alguma esperança (pelo menos antes de ler o resto).

João Paulo também destaca corretamente a importância da segunda lei da Termodinâmica, e cita autores que concordam conosco em que temos evidências de um Criador inteligente. Uma pena que pensa que os modelos sobre transformações da matéria violam a segunda lei. Entrarei em detalhes mais adiante. Temos, sim, muitas evidências de um Criador e até mesmo uma prova matemática de que Ele existe, a qual também nos permite identificar infinitos de Seus aspectos, mas não é com erros conceituais que defendemos isso.

Influência ou coautoria?

Infelizmente, o estilo do texto muda bastante (chega a parecer que outra pessoa assumiu o controle do teclado ou pelo menos exerceu forte influência) em certo trecho bastante extenso e várias das falácias e ataques pessoais usados na primeira réplica ao meu artigo original voltaram, bem como as características distorções a respeito do que escrevo para fazer parecer que defendo absurdos e contradições (o característico uso da dobradinha de argumento do espantalho com ad hominem com tempero de sarcasmo ácido).

Um dos fatos que me chamaram a atenção foi o de que um dos erros conceituais demonstrados pelo autor da primeira parte (o de que elétrons seriam feitos de léptons) magicamente desaparece na segunda parte (elétrons são léptons) e é substituído por vários outros erros elementares. Isso, juntamente com a mudança de estilo, sugere que pelo menos duas pessoas, com concepções diferentes, escreveram esse artigo, sendo que o segundo estilo apresenta muitas evidências que não condizem com a honestidade demonstrada por João Paulo na primeira parte. Essa parte do texto usa e abusa de distorções de pontos-chave para que mentiras sobre o que digo pareçam verdades, com o uso frequente de sarcasmo ácido e ataques pessoais característicos, conforme mencionei. Será que alguém acredita sinceramente que isso é resultado de uma influência que vem de Deus? Que sirva de lição para todos nós, pois qualquer um pode cair nessa armadilha ao deixar a emoção controlar seus pensamentos, deixando-os expostos a influências sombrias.

Da minha parte, sinto a responsabilidade de denunciar essas coisas, por mais que prefira ater-me aos detalhes técnicos das ideias.

Eis um dos muitos exemplos de distorções (espantalho) que aparecem na parte sombria do texto: quando menciono uma lista de algumas das hipóteses investigadas por pesquisadores da área sobre o que teria ocorrido logo após a criação do Universo, o (co?)autor do artigo chama esse conjunto de hipóteses de “Big Bang lütziano”, e ainda reclama que meu modelo está incompleto (mas não é um modelo, é só uma lista de itens escolhidos aleatoriamente para dar uma ideia do que circula no mundo acadêmico)! Quem usou esse argumento parece confundir modelo com lista de ideias sobre coisas, além de não conseguir ou não querer interpretar textos corretamente.

Além de explicar inúmeras vezes que transformações da matéria não fazem parte do modelo do Big Bang, procurei deixar bem claro que se tratam de hipóteses adicionais pelo uso de expressões como “imagina-se”, “teria”, e assim por diante. O objetivo era mostrar que o argumento de João Paulo não é tão absurdo quanto parece para quem é da área, mas tangencia assuntos realmente discutidos na academia. O curioso é que essa tentativa de proteger João Paulo é tratada com grande hostilidade, e o próprio uso das expressões que empreguei para conotar ideias hipotéticas da academia (embora com forte suporte experimental e teórico) foi usado para dizer que aqueles itens compõem o modelo “lütziano” de Big Bang e que sou contraditório ao expressar minhas crenças dessa maneira hipotética! Percebe o tamanho e a abrangência da distorção bem como o ataque pessoal embutido?

Note que pessoas que apresentam esse grau de dificuldade para entender um texto contemporâneo escrito em sua própria língua materna afirmam entender claramente o que a Bíblia ensina sobre a criação sem precisar de Exegese ou Hermenêutica. Esse é um excelente exemplo prático da necessidade da Exegese, não só bíblica, mas de textos comuns também. Se fazem isso comigo, que estou aqui agora e explico as mesmas coisas de várias maneiras ao longo de anos, imagine o que essas pessoas fazem com Gênesis 1! Imagine como Moisés deve se sentir diante desse tipo de coisa!

Peço a gentileza de lerem com mais atenção da próxima vez, até para evitar parecer que agem com má-fé nesses episódios.

Apesar da guinada do texto para pior a partir de certo ponto, notei um pequeno progresso de entendimento em relação a partes de alguns pontos que mencionei na resposta a Eberlin, o que é importante, mas ainda temos muito caminho a percorrer.

Com base em distorções a respeito do que eu disse na resposta a Eberlin, o artigo de João Paulo faz parecer que defendo um modelo naturalista de um processo espontâneo e cego para a criação do Universo e suas estruturas. Aí sou chamado a justificar essas coisas em que não acredito. De novo, falácia do espantalho misturada com ad hominem. Inventam espantalhos e dizem que não os justifiquei. Os absurdos mencionados no artigo de João Paulo estão muito longe de minhas crenças. Por que eu iria justificá-los? Essa é uma artimanha milenar da qual vemos exemplos na Bíblia em que alguém distorcia algo e usava essa distorção para induzir outra pessoa a cometer um erro (exemplos: Gênesis 3; Mateus 4; Marcos 12:13-17). Isso é desnecessário. Por que não tratar apenas tecnicamente dos argumentos? Se agem assim, sou obrigado a denunciar cada vez mais explicitamente.

Falácia da desqualificação

Como parte do bullying, ad hominem, do qual tenho sido vítima frequente há anos, encontra-se uma afirmação que parece ter enganado João Paulo também: a de que desqualifico as pessoas. É importante explicar o que tem ocorrido de fato, e o leitor poderá constatar isso no debate.

Algumas pessoas têm arruinado bons argumentos criacionistas pela introdução de expressões equivocadas e detalhes tecnicamente absurdos quando defendem esses argumentos. Também têm usado argumentos totalmente falsos para defender ideias incompatíveis com o que se observa; fazem isso de tal maneira que deixam muito claro (gritante mesmo), para quem é da área, que só conhecem uma versão espantalho do assunto, pois nem mencionam a versão real. Tenho avisado que isso não fica bem e esses avisos têm sido usados para dizerem que desqualificam essas pessoas, pois tenho explicado os erros conceituais que esses argumentos contêm. Mas por que dou esses avisos? Por vários motivos; eis alguns deles:

  • A primeira coisa que passa pela cabeça de um especialista quando alguém comete erros conceituais básicos em sua área (do especialista) é que a pessoa é muito ignorante e, possivelmente, desonesta. Isso foi exemplificado, de maneira dolorosa, nas últimas semanas, em reações a uma entrevista concedida por um criacionista famoso em um canal de grande audiência. Evolucionistas mostraram erros conceituais reais apresentados na argumentação durante a entrevista, mas seus comentários foram tratados como se fossem apenas manifestações de haters. Sim, eles incluíram também crenças que possuem, mas apontaram erros que, de fato, foram cometidos. Minha forma de salvar o que puder da honra da pessoa que comete erros assim é lembrar que o que vemos é evidência de alguém falando fora de sua especialidade, não necessariamente de uma pessoa ignorante em todos os assuntos, ou desonesta, ou então alguém com problemas cognitivos (no mínimo, dissonância). Percebe que isso é o contrário de tentar desqualificar alguém?
  • Quando sabemos que alguém diz algo fora de sua especialidade, ficamos mais motivados a conferir os argumentos ao invés de repeti-los cegamente e ampliar o estrago feito por quem usa argumentos falsos. Isso serve para proteger o grupo.
  • É importante alertar quem usa argumentos que mostram falta de conhecimento em alguma área para que a pessoa escolha entre realmente estudar a área (ao invés de apenas ler textos de quem comete os mesmos erros), ou então parar de falar do assunto. Infelizmente, existe uma minoria que escolhe uma terceira alternativa: repetir ainda mais alto para mais pessoas argumentos que jogam o rótulo “criacionismo” na lama e dão munição para ataques naturalistas bem-fundamentados, como vemos neste exato momento. Esse comportamento destrói possibilidades de diálogo com quem conhece tecnicamente as áreas afetadas, embora possa parecer “lindo” para quem só leu material enviesado de divulgação sobre os assuntos tratados. Além disso, essa terceira opção é incompatível com o cristianismo.

Por outro lado, quando protejo a reputação de pessoas mencionando que seus erros provêm do fato de falarem de algo fora de sua área de conhecimento (e não por outros motivos menos nobres), essas pessoas que escolhem a terceira opção dizem que elas são muito mais qualificadas do que eu. Quem desqualifica quem, nesse caso? E se me desqualificam dessa maneira, por que falam como se fosse errado eu desqualificá-las? Dois pesos e duas medidas?

É importante que os modelos realmente usados na academia sejam entendidos para que se construam argumentos reais, seja para combatê-los, seja para defendê-los, seja para colocá-los em perspectiva. Meu desejo é que os defensores do Universo jovem parem de usar argumentos do espantalho, que nada mais fazem do que induzir descrédito contra todo o criacionismo (não apenas contra a ala do Universo jovem ou da Terra plana) e lançar uma cortina de fumaça sobre o problema, impedindo que sejam tratadas as questões relevantes para avaliarmos modelos criacionistas e evolucionistas por sua consistência interna e por sua compatibilidade com evidências. Ficam todos se debatendo em um mar de falácias (uns criando, outros refutando, os primeiros retrucando, e assim por diante), ao invés de se ter um diálogo adulto e produtivo.

Insuficiência da razão humana

É sempre importante lembrar que a Física é uma das poucas áreas em que se manteve a tradição de usar métodos matemáticos avançados (aqueles utilizados pelos pioneiros para definir ciência antes do Iluminismo/naturalismo) para compensar a ineficácia da mente humana desarmada para lidar com assuntos que transcendem ao cotidiano.

Quando lidamos com Termodinâmica, Mecânica Quântica (incluindo seus desdobramentos na Física de Partículas), Relatividade Especial e Geral, por exemplo, frequentemente o que nos parece razoável não é, e o que parece absurdo é real. Por isso é importante entender que não basta ler enunciados verbais de leis físicas e raciocinar a partir disso sem apoio matemático. Esse procedimento frequentemente leva a conclusões falsas. É necessário usar as leis físicas formalmente, isto é, usando linguagens matematicamente aproveitáveis. Isso tipicamente envolve fluência em métodos variacionais, equações diferenciais, cálculo tensorial, formas diferenciais, e assim por diante. Esses métodos podem ser aprendidos por qualquer um, desde que seja respeitada a cadeia de pré-requisitos. O importante é que o raciocínio comum, ainda que organizado pelo treinamento filosófico, não basta.

Ao adquirir-se experiência no uso de métodos matemáticos para compensar as limitações da razão humana, desenvolve-se uma melhor intuição de como certos aspectos da realidade funcionam, mas mesmo essa intuição engana-se em certos momentos e, por isso, recorremos aos métodos matemáticos sempre que o assunto for importante. Os resultados desses métodos são constantemente conferidos e a exatidão de nossos resultados ao usá-los é medida regularmente. Note que, mesmo que os métodos em si sejam bons, frequentemente usamos aproximações em seu uso, e por isso é importante medir a exatidão dos resultados, como tem sido feito regularmente.

De novo, embora nossa razão desarmada não seja suficiente para lidar com temas que transcendem o cotidiano, muitos métodos matemáticos que permitem entrar nessas áreas com segurança são de domínio público e podem ser estudados e utilizados por quem quiser e dedicar esforço a isso.

Citação infeliz por que e para quem?

Usei tanto a expressão “infeliz” com respeito ao uso feito da citação na réplica quanto “interessante” ao falar do assunto. João Paulo estranhou isso.

Achei interessante por mais de um motivo. Um deles é que a citação feita toca em temas profundos e procurei destacar isso. Outro é que acho curioso (e muito preocupante) o fenômeno de as pessoas usarem erros conceituais para fundamentar seus argumentos. Será que não encontram especialistas da área para conferir essas coisas? No artigo de João Paulo há erros que mesmo alguém com uma simples graduação em Física teria condições de identificar. Por isso falei em erros elementares.

A citação é infeliz também por vários motivos: um deles é o de que ela foi apresentada como se falasse do modelo do Big Bang (expansão do espaço ao longo do tempo após a criação), mas ela discorre sobre a matéria, sua origem e suas transformações, o que é um assunto colateral; outro motivo são os próprios erros conceituais contidos na citação, como

  • a inclusão de elétrons na lista de partículas feitas de quarks (ou mesmo feitas de outras partículas elementares; isso faz pouca diferença e João Paulo explicou seu ponto na réplica),
  • confusão entre entropia e desordem (com mais desinformação sobre o assunto na sequência do artigo de réplica),
  • a ideia de que uma mudança de estado por expansão do espaço necessariamente implica em redução de entropia (ou, pelo menos, esse foi o efeito do argumento),
  • a ideia de que as transformações da matéria calculadas por modelos que tratam da matéria nos primeiros instantes do Universo violariam a segunda lei da Termodinâmica, e assim por diante.

Infeliz para quem?

  • Primeiro para o autor da réplica anterior, que citou um trecho do artigo de João Paulo que contém vários equívocos, além de tratar de transformações da matéria como se fosse o mesmo assunto do Big Bang;
  • para João Paulo, que deixou bem claro que precisa estudar Mecânica Estatística (que abrange a Termodinâmica, mas fornece mais detalhes);
  • para mim, pois isso me obriga a perder tempo discutindo erros conceituais ao invés de poder ter um diálogo de mais alto nível sobre o que realmente interessa nessas questões;
  • para as pessoas que não têm conhecimentos técnicos na área e acham que argumentos assim seriam razoáveis e estariam de acordo com o que se sabe sobre leis físicas.

Feliz para quem?

  • Para quem procura exemplos que apoiem a tese de que criacionistas usam argumentos falsos e fora de sua área de conhecimento, o que fica evidente pelo nível dos erros conceituais cometidos. Gol contra.

Errata e pedido de desculpas

João Paulo faz a afirmação falsa de que me deleitei em encontrar um erro conceitual no que ele escreveu. Aliás, seu artigo faz várias alegações categóricas falsas sobre minhas intenções e pensamentos.

Esclareço que não me deleito em encontrar erros conceituais, antes, pelo contrário. Eles tendem a me desanimar a menos que venham em perguntas que busquem esclarecimento. 

Como mencionei, esses erros desviam o foco de maneira prejudicial a todos. Fico muito incomodado com eles e isso me motiva a escrever sobre o assunto. É como tirar pus de uma úlcera: nojento, mas necessário.

Surge também um desejo de fazer analogias que ilustrem quão absurdas parecem certas colocações para quem conhece a área; mesmo que eu evite passar uma visão cômica do que aqueles erros representam, até por uma questão de respeito, talvez o fato de eu achar graça no absurdo pareça deleite. Por mais que eu considere um argumento descabido, não tenho intenção alguma de fazer alguém se sentir mal por havê-lo defendido, mas é realmente importante que esses erros não se repitam voluntariamente. Na verdade, a dor do erro ajuda a evitá-lo no futuro, apesar de eu detestar precisar tomar parte no processo que leva a essa dor.

Errar é normal e precisamos usar nossos erros como oportunidades de aprendizado.

João Paulo demonstra nobreza e honestidade intelectual ao reconhecer o problema de associar elétrons com quarks. Sua explicação faz sentido, porém demonstra alguns outros erros conceituais, infelizmente. Novamente, isso é normal quando a pessoa fala sobre uma área em que não é especialista. Não é vergonha alguma e não é necessário desculpar-se por isso. Basta admitir o problema, corrigir os erros conceituais e não mais usar argumentos falsos que se baseiam naqueles equívocos.

O Modelo Padrão seria um entre muitos?

Não é assim que essas coisas funcionam.

Colegas físicos da área às vezes usam em público expressões que passam a ideia de que o Modelo Padrão um dia pode se demonstrar errado e perderá a validade. O correto é dizer que se trata de um modelo que acreditamos ser incompleto, mas não errado. Físicos de Partículas realizam um grande esforço para provar que o Modelo Padrão é realmente incompleto e para tentar descobrir o que exatamente falta.

Há modelos que tentam estender o Modelo Padrão, incluindo possibilidades como a supersimetria. São tentativas de explorar possibilidades para ver se alguma dessas linhas gera algo novo que possa ser conferido experimentalmente, ou que simplifique os cálculos, ou que revele algo surpreendente sobre a natureza. Esses modelos não anulam a validade do Modelo Padrão, mas procuram possibilidades que vão além dele. Percebe a diferença?

O Modelo Padrão classifica as partículas de acordo com propriedades (números quânticos) reais, que nenhum outro modelo poderá negar: número leptônico, número bariônico, spin, massa, carga de cor (no sentido da Física Nuclear), e assim por diante. Como ele pode ser incompleto? Podemos, por exemplo, encontrar novas propriedades no futuro ou outros valores para as já conhecidas, valores esses que permitiriam a existência de partículas que ainda não conhecemos. Contudo, isso não irá “desclassificar” as partículas conhecidas. Elas continuarão tendo spin, número leptônico, número bariônico, carga elétrica, carga de cor e assim por diante, e continuarão interagindo da mesma forma.

Por exemplo, léptons não são sensíveis a interações fortes (via glúons) como os quarks e isso não muda, independentemente do que se descubra no futuro. Isso é um fato, não uma hipótese do Modelo Padrão.

Elétrons não são feitos de quarks, mas são partículas tão fundamentais quanto os quarks, porém com números quânticos diferentes. Isso também não depende do Modelo Padrão.

Tecnicamente, fótons não se transformam em elétrons, ou em quarks ou em outras partículas, mas podem ser aniquilados e outras partículas podem surgir em seu lugar, desde que todas as leis de conservação sejam respeitadas. Um dos instrumentos matemáticos que usamos para estudar essas coisas são os operadores de criação e destruição (da segunda quantização). Outro instrumento consiste nas integrais que obtemos a partir do princípio da ação mínima (princípio da perfeição divina) aplicado à Teoria Quântica de Campos, e que estão ligadas aos diagramas de Feynman. Quando tratamos desses assuntos, precisamos pelo menos ter uma noção dessas ferramentas matemáticas para não nos posicionarmos tão longe da verdade.

As propriedades das partículas não dependem do modelo adotado. O Modelo Padrão é apenas uma lista de partículas, suas propriedades e suas interações em um amplo domínio.

Permita-me dar um exemplo de modelos que o estendem: se reunirmos as leis físicas conhecidas e eliminarmos a hipótese ad hoc de que partículas são pontos (zero dimensões), então conseguimos provar alguns teoremas interessantes, como o de que os objetos viáveis de menor dimensão são cordas, fiapos unidimensionais, não pontos (objetos nulidimensionais). Ao explorar as consequências disso, descobrimos que os modos de vibração dessas cordas possuem números quânticos correspondentes aos das partículas elementares (quarks, léptons, bósons de interações). Ou seja, todas as partículas elementares se comportam como modos de vibração dessas cordas. Seguindo esse caminho, obtemos a Teoria das Cordas ou a M-Theory (avançando-se um pouco mais). Nesse contexto, não existe conflito entre fenômenos quânticos e fenômenos relativísticos.

Em que isso anula o Modelo Padrão? Em nada, pois a M-Theory repete o que diz o Modelo Padrão em sua região de validade, embora a M-Theory siga em frente e vá além, mostrando também outras coisas.

Ciência stricto sensu e o princípio da correspondência

É importante manter em mente um princípio que só funciona na ciência stricto sensu e não na lato sensu: o princípio da correspondência.

O conceito de ciência lato sensu é o que a maioria das pessoas já ouviu falar e pensa ser “a ciência”.

Novas teorias científicas (stricto sensu) nunca invalidam as anteriores. A invalidação de teorias já testadas só acontece com teorias qualitativas (lato sensu), aquelas baseadas em hipóteses ao invés de leis formais.

Note que teorias em Física não são hipóteses a serem testadas, mas dispositivos (tipicamente conjuntos de leis que permitem provar teoremas) para gerar resultados. Uma vez constatado que esses resultados possuem determinada exatidão em dado domínio, a teoria jamais perderá validade nesse domínio naqueles limites de exatidão.

O princípio da correspondência baseia-se nisto: se uma nova teoria contradiz uma anterior em sua região de validade, a nova teoria não é válida naquele domínio.

Isso se aplica também ao Modelo Padrão da Física de Partículas, bem como a teorias como a Termodinâmica, a Mecânica Estatística, a Relatividade Geral, a Teoria Quântica de Campos, e assim por diante.

Falso maniqueísmo

O artigo de João Paulo usa a falácia do falso maniqueísmo – a ideia de que só existem as seguintes duas opções:

  • Deus criou absolutamente tudo já da forma como vemos hoje (fixismo estendido a tudo).
  • Tudo surgiu espontaneamente por processos cegos, não guiados, sem qualquer planejamento ou inteligência.

Quando menciono algum processo que ocorre “espontaneamente” (na verdade, induzido por leis físicas, isto é, por Deus), então sou classificado como se acreditasse na segunda opção.

Algumas das citações e vários dos comentários tentam me retratar dessa forma (espantalho), e então tentam mostrar que minha suposta crença naturalista está errada. Que fique bem claro: ambas as opções acima são incompatíveis tanto com o que a Bíblia ensina quanto com o que se observa na prática.

Essa tática do falso maniqueísmo costuma ser bastante usada em combinação com outras, como a falácia do espantalho, conforme vemos nas réplicas ao meu artigo original, que denuncia fake news baseadas nessas falácias e outras.

Entropia e desordem, de novo

O artigo usa algumas citações antigas, da época em que os conceitos que inspiraram a Termodinâmica e a Mecânica Estatística ainda amadureciam. Desde aquela época, a associação entre entropia e desordem (mas não a definição de entropia como desordem, o que é totalmente diferente) tem sido um recurso bastante usado para ajudar o pensamento intuitivo a acompanhar o que o processo formal revela. Note, por exemplo, como em uma das citações feitas, Planck menciona que, no tipo de sistema que ele analisava, a entropia depende da desordem. Se uma coisa depende da outra, então não são a mesma coisa, percebe?

Das citações apresentadas, a única que realmente tenta identificar entropia com desordem é a de um texto de divulgação de Hawking, que costumava, de vez em quando, sacrificar um pouco da correção da linguagem em favor da didática (o que me incomodava, para ser sincero). Provavelmente, ele se sentia à vontade para fazer isso porque pequenos detalhes das afirmações feitas no contexto do público leigo geralmente não têm grandes consequências, pois não se espera que alguém que pretende analisar as teorias que inspiraram as declarações resolva basear-se em comentários feitos ao público leigo como fonte de informação para propósitos sérios. Em suma, mais um abuso de linguagem cometido por Hawking, mas que não deveria ter efeitos adversos se as pessoas fizessem o dever de casa.

Essas citações foram usadas na tentativa de justificar definir-se entropia como desordem, o que não faz sentido do ponto de vista formal, até porque é muito mais fácil definir formalmente entropia do que desordem, apesar de que a palavra “desordem” é mais familiar ao público leigo. Como mencionei em outras ocasiões, entropia também pode medir informação, mas não é sinônimo de informação, assim como ela pode medir desordem (quando isso faz sentido), mas não é sinônimo de desordem, a rigor.

O artigo de João Paulo afirma que tento iludir o leitor ao afirmar que aumento de entropia não está relacionado a aumento de desordem. Eu não disse isso, pelo contrário. O que eu disse é que existe relação, sim (quando é possível definir desordem), mas que entropia e desordem não são sinônimos.

São feitas várias citações de autores que afirmam as mesmas coisas em que acredito, mas essas citações são apresentadas de tal maneira a fazer parecer que elas vão contra minhas explicações e crenças. Aquela de Wylen e Sonntag, por exemplo, li no tempo da graduação e achei reconfortante ver que eles admitiam isso. Por favor, procure entender que vários desses autores defendem a verdade corretamente (pelo menos no conjunto de material que li), ao invés de usar argumentos falsos como temos visto nessas réplicas.

Meu posicionamento é contra argumentos falsos, não contra o criacionismo, como todos os que me acompanham sabem. Minha luta é contra argumentos falsos que sabotam o criacionismo. O artigo de João Paulo tenta me retratar como naturalista e inimigo do criacionismo, sendo que os argumentos que ele e Eberlin usam é que têm causado danos à causa e têm sido motivo de deboche no meio acadêmico. Note que o deboche não vem pelo fato de acreditarmos no Criador, mas porque alguns usam argumentos com erros elementares. É por isso que aponto esses erros, para que essa situação possa vir a mudar no futuro.

Sempre procuro dar o benefício da dúvida para as pessoas, mas é muito difícil de acreditar que alguém que consegue gerar um texto bem escrito, como é o caso de Eberlin e João Paulo, tenha tanta dificuldade assim de entender o que escrevo. Será que errei ao ter esperança de um diálogo honesto em função da admissão de um erro no início do artigo?

Precisamos entrar nesse assunto da entropia com um pouquinho mais de profundidade a fim de torná-lo mais acessível e entender os erros conceituais cometidos no artigo de João Paulo.

Entropia na Termodinâmica

Não me dei ao trabalho de apresentar bibliografia porque estamos falando de temas muito elementares, explicados em detalhes em praticamente qualquer livro didático de Termodinâmica e Mecânica Estatística (em nível de graduação e acima). Basta escolher alguns e conferir a explicação que lhes parecer mais fácil de entender. Mas faço, aqui e nos próximos artigos, um resumo de alguns pontos mais fundamentais.

Em face da discussão feita na réplica de João Paulo, a qual inclui alguns comentários de pessoas famosas, percebe-se que é importante que ele entenda melhor o contexto dessas coisas, incluindo a fonte do conceito de entropia, bem como suas definições, que não incluem desordem, embora possam ser usadas para medir desordem em vários contextos, mas não todos. Aliás, Termodinâmica não é um desses contextos.

Primeiro, a segunda lei da Termodinâmica pode ser expressa em termos da entropia, mas ela é mais fundamental do que o conceito de entropia. Na verdade, chega-se ao conceito de entropia a partir da segunda lei da Termodinâmica, como descreverei a seguir.

Para lidar corretamente com esses assuntos, o importante é o tratamento formal que se dá ao assunto a fim de provar os teoremas necessários. Mesmo assim, por uma questão de acessibilidade, vamos usar enunciados verbais e comentar apenas sobre os desdobramentos formais para fins didáticos. Por outro lado, sou obrigado a expor alguns detalhes técnicos neste caso.

Existe mais de uma maneira suficientemente válida de expressar a segunda lei da Termodinâmica em palavras que contêm ainda suficiente informação para prosseguirmos com o tratamento formal a fim de podermos provar teoremas.

Uma dessas maneiras é o enunciado de Kelvin: não existe transformação termodinâmica cujo único efeito seja extrair uma quantidade de calor de um dado reservatório térmico e convertê-lo completamente em trabalho.

Outra forma é o enunciado de Clausius: não existe transformação termodinâmica cujo único efeito seja transferir uma quantidade de calor de um reservatório mais frio para um reservatório mais quente.

É preciso saber como lidar com essas expressões, pois elas podem enganar quem não conhece a área de perto. Por exemplo, podem dar a entender que calor é algo que existe como uma propriedade do sistema. Note-se, por exemplo, que se pode falar em transferência de calor, mas não em calor acumulado. Ou seja, mesmo essas expressões verbais, cuidadosamente elaboradas, podem induzir ao erro quem não conhece os detalhes formais (matemáticos).

Porém, o importante aqui é que se pode provar que esses enunciados são logicamente equivalentes no sentido de que, se um deles for falso, o outro também o será. Ambos podem ser usados como enunciados da segunda lei da Termodinâmica, desde que sejam respeitadas as limitações desse tipo de linguagem.

Mas e a entropia, de onde vem?

A partir da segunda lei da Termodinâmica, é possível provar o teorema de Clausius: em qualquer transformação cíclica ao longo da qual a temperatura está definida, a seguinte desigualdade é válida (dQ é a diferencial do calor e T é a temperatura):


Esse teorema implica no seguinte corolário: em uma transformação reversível, a seguinte integral é independente de caminho:


Isso significa que, se lidarmos apenas com transformações reversíveis, existe uma variável de estado S tal que (sendo A o estado em questão e O um estado escolhido para ser a referência):


Esta é a famosa entropia. O estado de referência usual é o definido pela terceira lei da Termodinâmica.

É possível demonstrar também que, no caso geral,


Em sistemas isolados, dQ=0, o que implica em S(B)-S(A)≥0, que corresponde à forma mais comum de uso da segunda lei da Termodinâmica, principalmente por leigos.

Seguindo um pouco adiante na lista de teoremas demonstrados no âmbito dessa bela teoria da Física chamada de Termodinâmica, chegamos, por exemplo, aos famosos potenciais termodinâmicos (energia livre de Helmholtz, energia livre de Gibbs, entalpia, além do básico, que é a energia interna), que são definidos no âmbito da Física, mas são usados também por outras disciplinas, como a Química, por exemplo. 

Houve uma época em que se usava o símbolo đQ ao invés de dQ para indicar que a diferencial tem sentido, mas sua integral (Q) não é uma variável de estado, pois depende do caminho de integração. O devido contexto desse tipo de conceito é a Geometria Diferencial, a mesma que está por trás da Relatividade Geral. Nesse domínio, entendemos que o que expressávamos por đQ é, na verdade, uma 1-forma diferencial, e isso indica uma formulação mais elegante para a entropia no âmbito da Termodinâmica:

— A entropia S é a primeira integral do sistema de Pfaff {𝜗=0}, sendo 𝜗 a 1-forma que corresponde a dQ nas expressões mais elementares.

Como se pode notar, não há aqui referência alguma a desordem. O local correto para encontrar uma relação entre entropia e desordem é a Mecânica Estatística, não a Termodinâmica. Mesmo assim, essa relação não torna a entropia sinônimo de desordem, apesar da “licença poética” usada por muitos para fins didáticos.

É bom lembrar que a Termodinâmica é “globalista” no sentido de que trata apenas com variáveis globais do sistema. Já a Mecânica Estatística é reducionista, pois reconstrói o todo a partir das propriedades de suas partes e interações entre elas. Com isso, a Mecânica Estatística consegue abranger toda a Termodinâmica e ainda tratar de casos nos quais a Termodinâmica se cala. Um desses casos é a relação entre entropia e desordem, mas somente nos casos em que faz sentido falar-se em desordem.

Vamos ver isso um pouco mais de perto na parte 2 de minha resposta a João Paulo, juntamente com mais alguns dos demais esclarecimentos que pretendo apresentar.

(Eduardo Lütz é bacharel em Física e mestre em Astrofísica Nuclear pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul)