domingo, abril 09, 2023

Resposta ao big bang entrópico de Eduardo Lütz

O artigo a seguir foi escrito por João Paulo Reis Braga, doutorando em Ciências da Religião pela PUC-GO, em reação ao texto “Resposta ao texto do Dr. Eberling sobre o Big Bang”:

Quando li a resposta do colega cientista Eduardo Lütz, a primeira coisa que me perguntei foi: “Mas por que ele chamou minha citação de ‘infeliz’?” Porém, logo vi que, apesar de qualificá-la assim, Lütz abre sua resposta afirmando tratar-se de uma “citação interessante”. Alguém poderia dizer: “Uma coisa pode perfeitamente ser infeliz e interessante ao mesmo tempo.” Concordaríamos! No entanto, daí emergiriam duas outras perguntas: Por que interessante? E infeliz pra quem?

Talvez o fato de Lütz ter dedicado grande parte do seu texto em defesa do Big Bang, tentando responder às perguntas que faço na citação, já dê um indicativo do quanto elas são intrigantes e fustigam todos aqueles que têm a crença de que “fenômenos espontâneos” explicam a origem e suposta evolução do Universo.

Mas, então, por que poderíamos também classificar a mesma citação de infeliz? Bom, se Lütz tiver realmente respondido às perguntas da citação, ela será infeliz para mim, que as propus sem saber que suas respostas já haviam sido dadas, observadas e empiricamente demonstradas pela Ciência. Entretanto, se Lütz não tiver conseguido responder a tais questões e ainda tiver cometido erros primários e recorrido a falácias pseudocientíficas em sua tentativa de respondê-las, aí todos entenderemos por que ele classificou a citação como infeliz.

A polêmica citação

A citação em questão faz parte de um breve artigo que escrevi em 2017 chamado “O Cosmos e o Criador: A teoria do Big Bang explica a origem do Universo sem Deus?” Nesse estudo, abordo três aspectos do Universo que não podem ser naturalmente explicados dentro da teoria do Big Bang, a saber: sua ordem matemática, o ajuste fino de suas constantes e a formação espontânea de sistemas complexos dentro de um contexto de entropia universal determinada pela Segunda Lei da Termodinâmica.

Assim, elaborei duas perguntas para aqueles que têm a crença de que o Universo evoluiu espontaneamente sem planejamento, sem intencionalidade, nem inteligência. Eis a polêmica citação: “Se a ação da Segunda Lei da Termodinâmica submete todo o Universo a um aumento contínuo e irreversível da desordem, então, como partículas elementares de quark puderam espontaneamente se unir e gerar três estruturas diferentes e, ao mesmo tempo, compatíveis entre si (prótons, elétrons e nêutrons)? E como essas partículas subatômicas puderam continuar violando a Segunda Lei se organizando para que surgissem os fótons, os gases, a matéria de toda a Tabela Periódica (e só matéria, sem antimatéria) e dos demais sistemas ordenados existentes no Cosmos?”

Assim como fez com os colegas cientistas Marcos Eberlin e Adauto Lourenço durante grande parte do seu texto, ao tentar responder às questões propostas, Lütz também tenta me desqualificar por falar de assuntos que deveriam ser a especialidade dele. Sobre isso, lembrei das palavras do conhecido escritor Deepak Chopra:

“Nos tempos modernos, deixamos a cosmologia para os especialistas, da mesma forma como deixamos os genes para os geneticistas. Mas não se pode pendurar uma placa na criação dizendo ‘Entrada proibida; você não sabe a matemática necessária’.[1] Todos nós nos interessamos pela gênese, e isso é bom, pois a nossa época está na iminência de brotar uma nova história da criação, e todas as versões prévias terão de passar por uma revisão radical.”[2]

Errata e pedido de desculpas

Destarte, Lütz se deleita quando em minha citação, de fato, encontra um erro conceitual. Realmente, como ele mesmo diz em seu texto, todos temos falhas. Veremos que até mesmo especialistas cometem erros em suas áreas de atuação. Então, é ainda mais natural que aconteçam erros quando se escreve sobre áreas do conhecimento que não estão diretamente correlacionadas, como é o caso da Astrofísica para as Ciências da Religião (minha área de formação). Ainda assim, quero começar explicando (não justificando) como aconteceu meu erro quando digo que “partículas elementares de quark” formaram elétrons.

Quando fiz meus estudos, vi que o modelo padrão atual afirmava que este é o caso para prótons e nêutrons, mas que no caso dos elétrons, esses são, teoricamente, formados por léptons. No entanto, quando entendi que essa lista de partículas elementares faz parte de um Modelo Padrão, dentre outros modelos que vêm sendo apresentados na Física Teórica, achei melhor não acrescentar a informação dos léptons, e, ao invés disso, suprimir a informação dos quarks, deixando apenas “partículas elementares”. Desse modo, eu diminuiria o tamanho do texto e permitiria que aquele que tentasse responder usasse o modelo que melhor lhe conviesse, sem necessariamente já partir do Modelo Padrão atual. Por isso, a pergunta deveria ter ficado: “Se a ação da Segunda Lei da Termodinâmica submete todo o Universo a um aumento contínuo e irreversível da desordem, então, como partículas elementares puderam espontaneamente se unir e gerar três estruturas diferentes e, ao mesmo tempo, compatíveis entre si (prótons, elétrons e nêutrons)?”

No processo de revisão, deixei passar a palavra “quark”. Por isso, peço sinceras desculpas! O foco que quis dar foi em como a Segunda Lei precisou ter sido invertida numa teoria cosmológica naturalista. E não se trata aqui de desprezar o Modelo Padrão. O que quis destacar é a importância que a Segunda Lei da Termodinâmica deve ter em qualquer teoria da Física, seja ela empírica, experimental ou teórica. Pois, como bem escreveu o renomado astrofísico inglês Sir Arthur Eddington (1882-1944):[3]

“A Segunda Lei da Termodinâmica tem, penso eu, a posição suprema entre as Leis da natureza. Se alguém insistir que a sua teoria preferida do Universo está em desacordo com as equações de Maxwell – então tanto pior para as equações de Maxwell. [...] Mas se a sua teoria está em oposição à Segunda Lei da Termodinâmica, então eu não posso lhe dar esperança alguma: não há nada a esperar dela, a não ser cair na mais profunda humilhação.”[4]

Quanto maior a complexidade, maior o desafio

Não quero aqui menosprezar o importante trabalho dos físicos que utilizam o Modelo Padrão atual com quarks, léptons, bósons fundamentais, campos gravitacionais, etc. Mas não podemos ignorar o fato de que todas essas teorias quânticas apresentam os mesmos dois problemas basilares: 1. Nenhuma delas leva em consideração a Força Gravitacional em seus modelos matemáticos; e 2. Nenhuma delas explica realmente como a Segunda Lei da Termodinâmica foi invertida para que fosse possível ocorrer a auto-organização dos sistemas complexos que vemos no Universo.

O que quero que os estimados leitores entendam é o seguinte: dizer que existem tipos de quarks (up, down, strange, charm, bottom e top), que existem tipos de léptons (elétron, táuon, múon e seus correspondentes neutrinos), e que também existem bósons fundamentais como fótons, glúons, Zs, Ws... E, ainda, que se confirme mesmo a existência do bóson de Higgs e de outras “partículas estranhas” como os tetraquarks e pentaquarks... Nada disso explica como ocorreu, de forma não planejada, não dirigida e não intencionalmente provocada, a auto-organização dos átomos que compõem a matéria. Ao contrário, quanto mais complexa a Física Quântica se revela, maior é o desafio de explicar o surgimento da matéria pela visão naturalista que acredita num evolucionismo espontâneo do Universo.

Cada nova descoberta científica torna ainda mais difícil a resposta sobre como um sistema tão complexo, quanto é um único átomo, pode ter surgido pela mera interação aleatória de partículas elementares submetidas às quatro forças fundamentais: a força gravitacional, a força eletromagnética, as forças nucleares forte e fraca. Percebam que em nenhum momento Lütz esclarece isso.

O Big Bang de Lütz

Vamos, então, ao Big Bang lütziano. Para esse físico, supostamente, no início do Universo existiu uma “altíssima densidade” por todo o espaço, que estava agindo num “plasma” de quarks, léptons, bósons e “mais alguns tipos de partículas que ainda não conhecemos”. Prossegue Lütz:

“Imagina-se que, antes do plasma de quarks, teria havido uma situação em que as forças básicas estivessem unificadas e as partículas ainda não tivessem sofrido diferenciação. [...] Se fornecermos suficiente energia para romper essa barreira [da liberdade assintótica], o resultado será a criação de pares quark-antiquark para manter sistemas de quarks confinados. [...] No caso do plasma primordial de quarks, a expansão do volume do espaço (com seu aumento de entropia) induziria os quarks a se afastarem uns dos outros. Em algum momento, isso causaria a separação entre cada parte desse plasma em relação às demais. Cada parte dessas é um hádron, isto é, um próton, nêutron, píon, etc. [...] Quanto à formação de elementos mais pesados do que hidrogênio e hélio, as leis físicas implicam em que, nas condições adequadas, ocorrem reações nucleares que realmente os produzem. Essas condições existem no núcleo das estrelas. E esses núcleos se formam por colapso gravitacional.”

Em primeiro lugar, é preciso observar que a “explicação” de Lütz é sustentada por palavras do tipo: “imagina-se”, “possivelmente”, “teria havido”, etc... Em segundo lugar, perceba que toda essa sequência de suposições não explica nada da complexidade matemática que existe na composição da matéria atômica – veremos alguns exemplos mais adiante.

Antes, pensemos bem sobre o que escreveu Lütz. Será mesmo que a suposta “criação de pares quark-antiquark” formando hádrons é suficiente para explicar como esses hádrons primordiais interagiram de forma extraordinariamente precisa com os léptons e bósons primordiais, de modo a surgirem os primeiros átomos do Universo? A complexidade do próprio Modelo Padrão usado por Lütz para explicar sua crença parece apontar que isso não ocorreu por uma simples sucessão de “fenômenos espontâneos”.

Mas qual o real problema dessa hipótese apresentada por Lütz? Onde está a contradição fundamental? Examine. Ele afirma que “a expansão do volume do espaço (com seu aumento de entropia) induziria os quarks a se afastarem uns dos outros”.  Ou seja, Lütz acredita que a expansão do Universo foi a causa da separação dos quarks que fizeram surgir os hádrons. E ele mesmo faz questão de reafirmar que “essa expansão do espaço em si já representa um aumento na entropia”. Porém, perceba que tem algo que não faz sentido. Ora, se a expansão do Universo continua acontecendo até hoje (e em ritmo cada vez mais acelerado, segundo inúmeros estudos), então, por que os quarks e demais partículas subatômicas não continuaram a se afastar? Ou seja, por que e em que ponto essas partículas pararam de se distanciar e passaram a se agrupar, se organizar e se ordenar? Isso não é esclarecido em nenhum momento na hipótese naturalista de Lütz.

Ele simplesmente quer que acreditemos que o aumento da entropia continuou acontecendo desde o início do Universo, e mesmo assim partículas subatômicas interagiram de modo complexo e ordenado até o ponto de formar átomos, e que esses átomos interagiram de modo complexo e ordenado até o ponto de espontaneamente formarem dois elementos químicos diferentes: o hidrogênio e o hélio. E é então que vem o “pulo do gato” no Big Bang lütziano, pois, para explicar o restante de sua hipótese, ele saca estrelas já em processo de colapso gravitacional. Dessas estrelas fantasmas (surgidas sabe-se lá Deus como) teriam se originado todos os elementos químicos mais pesados que seriam espalhados pelo Universo. Mas de onde raios vieram essas estrelas colapsando sobre si mesmas? De onde veio todo o hidrogênio e o hélio necessários para a composição dessas estrelas? Como os átomos primordiais do Universo conseguiram continuar violando a Segunda Lei da Termodinâmica até o ponto de se tornarem elementos químicos mais complexos e ordenados, como o são o hidrogênio e o hélio?

Ora, como é possível que a mera separação violenta e aleatória do “plasma de quarks e outras coisas” pudesse ter produzido conjuntos de partículas subatômicas diferentes e que interagiram de modo extraordinariamente preciso para produzir o tecido do Universo da forma como vemos que ele é? Por exemplo, o respeitado físico John Polkinghorne (1930-2021)[5] afirmou que se a Força Nuclear Fraca fosse um pouco menor no início do Universo, todo hidrogênio teria sido convertido em hélio, o que resultaria em uma total ausência de água no Cosmos; mas se essa força nuclear fosse um pouco maior poderia não haver a criação dos componentes químicos necessários à vida. Outro exemplo é a singular assimetria que existe entre a quantidade de matéria e antimatéria no Universo, onde um único quark “não pode diferir em mais do que 10 elevado a -120 da intensidade naturalmente esperada. Isso representa um grau extraordinário de ajuste-fino necessário”.[6] Esse ajuste-fino é justamente a presença claríssima de uma ordem atômica que não poderia ter surgido espontaneamente num contexto de aumento de entropia.

Mesmo as estrelas, em si, não há uma explicação para seu surgimento. Como foi possível que trilhões e trilhões e trilhões de sistemas tão complexos e extraordinariamente poderosos como esses tenham espontaneamente surgido por todo o Universo num contexto de aumento da entropia? E a Força Gravitacional, que hipoteticamente criou essas estrelas e, após bilhões de anos, começou a colapsá-las, em que momento a Gravidade surge nessa duvidosa hipótese apresentada por Lütz? Pois, se ela existia antes da matéria, então ela precisa entrar nos teoremas matemáticos do Modelo Padrão. Se a Gravidade passou a existir depois da matéria, é preciso explicar sua origem.  

Mesmo que Lütz afirme que “atualmente, observamos diversas instâncias de sistemas planetários e estrelas em formação em várias partes de nossa vizinhança cósmica”. Isso, na verdade, é um ardil linguístico. Pois, observe, ele escreve “em formação”, e não “se formando”. Parece não haver diferença, mas há. Isso porque Lütz sabe que nunca houve o registro astronômico do surgimento de nenhuma nova estrela no Universo, apesar de conhecermos milhares de seus supostos berçários (as nebulosas), e apesar também da amplidão de espaço que é possível “observar” hoje com as diferentes tecnologias. Por outro lado, podemos ver a Segunda Lei da Termodinâmica atuando de forma muito clara, pois só em nossa Galáxia centenas de supernovas (estrelas colapsando sobre si mesmas) já foram registradas. Como bem escreveu o próprio Lütz: “contra fatos não há argumentos”.

Alguém poderia argumentar que esse processo de formação de uma nova estrela é muito lento, e que são necessários centenas de milhares, e até, talvez, milhões de anos para que uma estrela surja em uma nebulosa; por isso tal processo não poderia ser registrado durante nosso tempo de existência. Mas se é tão lento assim, então como explicar que em um Universo com idade estimada em “apenas” 14 bilhões de anos, só na Via Láctea tenhamos, no mínimo, 200 bilhões de estrelas? E como explicar que no restante do Cosmos esse número suba para estimados 10 sextilhões (10 elevado a 21) de estrelas? Será mesmo que, após séculos de observação e no meio desses milhares de berçários estelares, não demos a sorte de ver nenhuma estrelinha nascer? Ou será que isso não acontece?

Poderíamos hipotetizar que grande parte dessas estrelas nasceram já nos primeiros milhões de anos do Universo, e também que elas já surgiram girando em torno de buracos negros supermassivos – para que fosse possível se reunirem em galáxias. A suposição seria válida. No entanto, esse processo incrivelmente acelerado complicaria ainda mais a proposição de Lütz de um Universo evoluindo através de “fenômenos espontâneos”, uma vez que aumentaria absurdamente a complexidade de todo o processo. Pontuando ainda que as galáxias também seguem a chamada Proporção Áurea, uma ordem matemática que está presente em praticamente toda a natureza. Como tal ordenamento pôde surgir espontaneamente e quase num “passe de mágica” temporal? E como isso tudo ocorreu ao mesmo tempo em que o Universo aumentava sua entropia? Como é possível isso?

Entropia é desordem?

A crença de Lütz é de que a mera expansão do Universo no contexto de “uma situação em que as forças básicas estavam unificadas” é uma “explicação” suficientemente plausível para esclarecer o surgimento da matéria, a evolução espontânea do Cosmos, etc. E tudo isso num contexto de aumento de entropia. Esse tipo de proposição ilógica e anticientífica só é possível porque Lütz usa um truque no começo de seu texto para enganar os leitores sobre o que é a entropia do Universo. Mas, ao fazer isso, ele também cai em uma série de erros e contradições.

Observe que em vários momentos Lütz busca distanciar o conceito de “entropia” do conceito de “desordem”. Ele começa dizendo que a entropia “pode ser definida de várias maneiras mais ou menos equivalentes, mas nunca como desordem”. O que é incrível é que na frase seguinte ele mesmo se desmente e escreve: “podemos, sim, associar entropia com desordem em certas circunstâncias especiais”. Confesso que nunca vi alguém contradizer a si mesmo tão rápido. Mas, não satisfeito, Lütz ainda encaixa a desordem na sua própria definição do que é entropia, pois ele mesmo escreve que: “Entropia tem relação com várias coisas, como indisponibilidade de energia para gerar trabalho, quantidade de informação em um sistema, e até mesmo desordem em alguns casos específicos do cotidiano humano.” Uai! Mas não foi o próprio Lütz que afirmou que a entropia não poderia ser definida “nunca como desordem”?

Essa tentativa infeliz de Lütz de desassociar desordem e a entropia do Universo tem uma razão muito clara e simples: ele não quer ter que explicar a ordem. Ou seja, Lütz tenta fugir da questão central que é esclarecer como aconteceu o aumento espontâneo da complexidade no Universo a ponto de gerar sistemas incrivelmente ordenados, desde átomos até galáxias.

Mas será mesmo que a entropia do Universo não está relacionada com aumento da desordem? Vejamos. Considerado um dos maiores físicos da história, o alemão Max Planck (1858-1947) fez grandes contribuições em todas as áreas da Física Moderna, descreveu uma série de Leis e de constantes, e é considerado o pai da Física Quântica. Planck também contribuiu enormemente para o desenvolvimento do campo da Termodinâmica. Em seus estudos sobre a Segunda Lei, ele desenvolveu aquilo que ele mesmo chamou de Princípio da Desordem Elementar (Principle of Elementary Disorder), que afirma que os microestados posicionais e vibratórios de ordem-desordem real conseguidos pelos átomos e pelas moléculas dos sistemas físicos, conduzem ao macroestado de satisfação da Segunda Lei da Termodinâmica, que “em virtude do crescimento da entropia ficará satisfeito em todas as direções”. O Princípio da Desordem Elementar permitiu a Planck derivar a Lei de Deslocamento de Wien para uma série de proposições sobre a entropia, formulando aquilo que ficaria conhecido como a Lei de Wien-Planck. Em 1901, Planck apresentou o seguinte esboço do Princípio da Desordem Elementar:

“A entropia depende da desordem, e essa desordem, de acordo com a teoria eletromagnética da radiação para as vibrações monocromáticas de um ressonador, quando situada em um campo permanente de radiação estacionária, depende da irregularidade com que muda constantemente sua amplitude e fase.”[7]

O físico alemão Hermann Helmholtz (1821-1894), descobridor do princípio da conservação de energia, e considerado um dos cientistas mais relevantes do século 19, inclusive no campo da Termodinâmica, escreveu em seu discurso para a Akademie der Wissenschaften de Berlim, sobre o tema da Segunda Lei, e usou a palavra especifica “Unordnung” (desordem) para descrever a entropia:

“O movimento desordenado, em contraste, seria tal que o movimento de cada partícula individual não precisa ter semelhança com seus vizinhos. Temos amplos motivos para acreditar que o movimento de calor é deste último tipo, e pode-se, neste sentido, caracterizar a magnitude da entropia como a medida da desordem.”[8]

Talvez alguém pense que essa associação entre entropia e desordem ocorreu apenas no começo da Termodinâmica, mas, durante todo o século 20 o conceito de entropia continuou sendo associado a desordem. Até mesmo o renomado físico ateu Stephen Hawking (1942-2018) afirmou que existem Quatro Leis fundamentais na Termodinâmica, e a Segunda delas é aquela que diz “que em qualquer sistema isolado, a desordem, ou entropia, sempre aumenta com o tempo”.[9]

Implicações da entropia do Universo

Bom, agora que já esclarecemos o truque de Lütz para tentar iludir o leitor ao dizer que o aumento da entropia não está relacionado com o aumento da desordem, vejamos a seguir como isso compromete as versões naturalistas de um Cosmos em evolução espontânea. Examinemos também a qual conclusão podemos chegar a respeito do tema.

Como sabemos, o Universo é um sistema isolado – mesmo para aqueles que entendem que ele foi criado e não surgiu espontaneamente –, isso porque o Cosmos não troca energia com nenhum outro sistema fora dele. Essa constatação conduziu os grandes cientistas a uma única conclusão: a de que a entropia do Universo tende sempre ao máximo, ou seja, ele se torna cada vez mais desordenado e com menos energia utilizável com o passar do tempo.

Desde a formulação da Segunda Lei até os dias atuais, tudo que se observa em seu curso natural, espontâneo, está de acordo com essa Lei. Segundo o físico britânico Sir Alfred Brian Pippard (1920-2008): “Nunca foi apresentada nenhuma prova de que a Segunda Lei se torna inválida sob quaisquer circunstâncias.”[10] Mas em que isso compromete o Big Bang de Lütz? Bom, para aqueles que creem numa evolução naturalista do Universo, o físico Steven Strogatz, professor da Universidade Cornell (EUA), explica o tamanho do problema:

“Os cientistas frequentemente ficam perplexos com a existência de ordem espontânea no Universo. As Leis da Termodinâmica parecem ditar o contrário, que a natureza deve inexoravelmente degenerar em direção a um estado de maior desordem, maior entropia. No entanto, ao nosso redor, vemos magníficas estruturas – galáxias, células, ecossistemas, seres humanos – que de alguma forma conseguiram montar a si mesmos. Esse enigma atormenta toda a ciência atualmente.”[11]

Assim, as observações científicas que têm demonstrado a Segunda Lei como válida para todo o Cosmos também trazem complicações para a hipótese de um Universo espontâneo (não criado) que evoluiu naturalmente para um aumento de complexidade. Pois, se o Universo está em contínuo aumento de desordem, fica difícil imaginar que estruturas cósmicas complexas, como o sol, em algum momento do passado, após o Big Bang, foram partículas atômicas desordenadas soltas no espaço, que posteriormente se uniram e se organizaram de maneira espontânea, diminuindo sua entropia. E que depois voltaram a se desorganizar, aumentando sua entropia. É válido lembrar que existe um número incomensurável de diferentes sistemas altamente complexos e ordenados no Universo. Nesse ponto, Granville Sewell esclarece que:

“A Segunda Lei afirma que a entropia (térmica) de um sistema isolado (‘fechado’) aumenta as energias cinéticas dos subsistemas que se tornam mais e mais aleatórios – e assim cada vez mais uniformemente distribuídos. De qualquer forma, nunca diminui. Se entropia é a medida da desordem, entropia negativa é uma medida da ordem, assim que nós podemos dizer que a ordem térmica nunca aumenta em um sistema fechado [...] A Segunda Lei da Termodinâmica é a razão pela qual os computadores degenerarão em sucata ao longo do tempo e, na ausência de inteligência, o processo inverso não ocorrerá; e é também a razão pela qual animais, quando morrem, se decompõem em simples compostos orgânicos e inorgânicos e, na ausência da inteligência, o processo inverso não ocorrerá.”[12]

É valido destacar ainda que a ação da Segunda Lei também acontece no nível quântico, inclusive para os hádrons. Exemplo disso é um artigo publicado em 2015 na respeitada revista PNAS, intitulado “The Second Laws of Quantum Thermodynamics”. O estudo foi feito pela equipe do físico brasileiro Fernando Brandão,[13] professor no prestigiado Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech). Os resultados da pesquisa demonstraram que existem muitos tipos diferentes de desordem na escala quântica, e todas elas tendem a aumentar. Segundo os autores:

“Embora uma casa quântica vá ficar mais bagunçada, em vez de mais arrumada, como uma casa normal, nossa pesquisa mostra que as formas em que ela pode ficar bagunçada são restringidas por uma série de leis extras. E como se não fosse estranho o suficiente, a forma como essas segundas leis interagem umas com as outras pode até mesmo fazer com que pareça que a Segunda Lei da Termodinâmica tradicional foi violada.”[14]

Porém, a equipe demonstrou que, além do esperado aumento da entropia total dos átomos, todos os outros tipos de desordem em escala quântica também aumentam com o tempo. Para os autores: “Essas Segundas Leis adicionais podem ser imaginadas como dizendo que há muitos tipos diferentes de desordem em pequenas escalas, e todos eles tendem a aumentar conforme o tempo passa.”

Não é por acaso que muitos estudiosos chegam à conclusão de que o Universo foi criado intencionalmente com a ação de alguma Força Inteligente capaz de inverter a Segunda Lei e intencionalmente ordenar estruturas complexas. Por exemplo, o livro Fundamentos da Termodinâmica Clássica é um dos mais utilizados na maioria dos cursos superiores de Física e demais ciências correlatas no Brasil. Nessa obra, os respeitados físicos Gordon Wylen (1920-2020) e Richard Sonntag (1933-2020) declararam: “Os autores veem a Segunda Lei da Termodinâmica como uma descrição humana do trabalho prévio e contínuo do Criador.”[15]

Realmente, diante de tudo o que vimos, o lógico é entender que essas estruturas foram criadas, ordenadas e energizadas desde o começo e estão sofrendo entropia desde sua criação. Por mais que doa aos naturalistas, é preciso aceitar que essa é a única resposta que não viola a Segunda Lei da Termodinâmica.Foi por isso que Planck, munido de todos os seus estudos, experiências e fórmulas matemáticas, concluiu o seguinte a respeito da origem da matéria:

“Como um homem que dedicou toda a sua vida à mais lúcida ciência, do estudo da matéria, posso dizer o seguinte como resultado de minhas pesquisas sobre átomos: não há matéria como tal. Toda a matéria se origina e existe apenas em virtude de uma força, que faz com que as partículas de um átomo vibrem e que mantém intacto esse minúsculo sistema solar que é o átomo. Devemos assumir que por trás dessa força existe uma Mente Consciente e Inteligente. Essa Mente é a matriz de toda a matéria.”[16]

Com isso, me sinto seguro para afirmar que o grande filósofo Platão, já no século IV a.C, forneceu uma resposta muito melhor do que aquela que encontramos no Big Bang lütziano. De acordo com Platão: “Deus tomou toda essa massa visível, desprovida de todo repouso, mudando sem medida e sem ordem, e levou-a da desordem à ordem, pois estimou que a ordem vale infinitamente mais que a desordem.”[17]

Demônio de Maxwell

Por fim, é válido fazer um breve comentário sobre outra falácia que foi usada por Lütz. Ele propõe o seguinte experimento mental:

“Imagine um gás contido em um recipiente em forma de paralelepípedo. Ele tem uma dada entropia. Imagine que introduzimos uma série de paredes nesse recipiente isolando umas partes do gás em relação às demais. Essencialmente, partimos de uma caixa de gás e passamos a ter várias caixas de gás. Se levarmos cada uma dessas caixas para um lugar diferente, continuaremos a ter a mesma entropia.”

Lütz sabe perfeitamente que isso não é verdade. Ele sabe que tal operação elevaria, e muito, a entropia do experimento, uma vez que todo o processo de separar o gás, transportar e reordenar cada caixa novamente demandaria um grade consumo de energia e, ao mesmo tempo, a ordem original de todo o sistema não seria mais a mesma, aumentando sua desordem, aumentando sua entropia total. O que Lütz faz com esse estratagema é recorrer ao “Demônio de Maxwell”. Mas esse ponto pode ser mais bem examinado num outro artigo específico sobre esse tema. Creio que este nosso breve estudo a respeito da Segunda Lei da Termodinâmica já trouxe infelicidade suficiente para o nosso amigo naturalista.  

(João Paulo Reis Braga é doutorando em Ciências da Religião pela PUC-GO, mestre em Ciências da Religião pela UNICAP-PE, graduado em Ciências Sociais pela UFPE)

Referências:

1. Chopra faz alusão ao aviso que existia na entrada da Academia fundada por Platão: “Aqui só entra matemático”. Isso porque a palavra “matemática” vem do termo grego máthēma (μάθημα), que quer dizer "ciência", "conhecimento".

2. CHOPRA, Deepak; MLODINOV, Leonard.Ciência x Espiritualidade. Rio de Janeiro: Sextante, p. 194, 2012. p.33.

3. Arthur Eddington estabeleceu o limite natural para a luminosidade das estrelas e foi o primeiro a trazer confirmações da Teoria Geral da Relatividade.

4. EDDINGTON, A. The Nature of the Physical World. Cambridge, University Cambridge Press, 1948, p.37 Texto original (EDDINGTON): “The second law of thermodynamics holds, I think, the supreme position among the laws of Nature. If someone points out to you that your pet theory of the universe is in disagreement with Maxwell’s equations then so much the worse for Maxwell’s equations (...) But if your theory is found to be against the second law of thermodynamics I can give you no hope; there is nothing for it but to collapse in deepest humiliation”.

5. O Dr. John Polkinghorne trabalhou com física teórica de partículas elementares por mais de 25 anos, foi professor de Física Matemática na Universidade de Cambridge e membro da Real Sociedade de Londres.

6. POLKINGHORNE, J. O Princípio Antrópico e o Debate entre Ciência e Religião. Faraday Paper, n° 4, 2007, p.2. Disponível em: http://www.cristaosnaciencia.org.br/content/uploads/Faraday-Paper-John-Princ%C3%ADpio-Antr%C3%B3pico.pdf

7. PLANCK, Max On the Law of Distribution of Energy in the Normal Spectrum. Annalen der Physik, 1901, p.2. Disponível: http://strangepaths.com/files/planck1901.pdf Texto original PLANCK (1901): “Entropy depends on disorder and this disorder, according to the electromagnetic theory of radiation for the monochromatic vibrations of a resonator when situated in a permanent stationary radiation field, depends on the irregularity with which it constantly changes its amplitude and phase”

8. HELMHOLTZ apud FILHO, Osvaldo Melo de Souza. A Física de Helmholtz e Suas Bases Filosóficas. Rev. da SBHC, n.13, p.53-64, 1995. p.63 Disponível:<http://www.sbhc.org.br/arquivo/download?ID_ARQUIVO=237>

9. HAWKING, SW. Uma Breve História do Tempo: do Big Bang aos buracos negros. Tradução de Maria Helena Torres. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. p.201

10. PIPPARD, A.B. Elements of Chemical Thermodynamics for Advanced Students of Physics. Cambridge, England, Cambridge University Press, 1966, p.100. Disponível: https://pt.scribd.com/document/44544183/Elements-of-Classical-Thermodynamics-by-a-B-pippard Texto original (PIPPARD): “No evidence has ever been presented that the Second Law breaks down under any circumstances”.

11. STROGATZ, S. Sync: How Order Emerges from Chaos In the Universe, Nature, and Daily Life. Hyperion Books, New York, 2003, p.3. Texto original (STROGATZ): “Scientists have often been baffled by the existence of spontaneous order in the universe. The laws of thermodynamics seem to dictate the opposite, that nature should inexorably degenerate toward a state of greater disorder, greater entropy. Yet all around us we see magnificent structures—galaxies, cells, ecosystems, human beings—that have all somehow managed to assemble themselves. This enigma bedevils all of science today”

12. SEWELL, Granville. A second look at the second law. Applied Mathematics Letters. 2011; Science Direct http://www.math.utep.edu/Faculty/sewell/AML_3497.pdf

13. Fernando Brandão é o primeiro brasileiro a assumir uma cátedra no prestigioso Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia), e é um dos responsáveis pelo chamado “computador quântico do Google”.

14. BRANDÃO, Fernando et al. The second laws of quantum thermodynamics. PNAS, Vol. 112 n.11, pag. 3275-3279. Disponível no link: http://www.pnas.org/content/112/11/3275.full     

15. WYLEN, GJ; SONNTAG, RE. Fundamentos da Termodinâmica Clássica, 2° ed., Editora: Edgard Blucher, São Paulo, 1976, p.182. Essa menção ao Criador foi retirada pela editora em edições posteriores.

16. HUPING, H. Reflection 2008: The State of Science, Religion and Consciousness. NeuroQuantology.  Vol. 6, 2008, p.327. Disponível: https://neuroquantology.com/index.php/journal/article/view/189/189 Texto original (PLANCK): “As a man who has devoted his whole life to the most clear headed science, to the study of matter, I can tell you as a result of my research about atoms this much: There is no matter as such. All matter originates and exists only by virtue of a force which brings the particles of an atom to vibration and holds this most minute solar system of the atom together. We must assume behind this force the existence of a conscious and intelligent mind. This mind is the matrix of all matter”

17. PLATÃO. As Leis, Livro X, 360 a.C.