sábado, agosto 01, 2009

A intolerância que evolui

O Dr. Francis Collins (foto) foi nomeado pelo Presidente Obama para ser diretor do National Intitute of Health. Veja as credenciais de Collins: (1) É um respeitável físico-químico; (2) atuou na medicina genética, sendo o arrojado líder do Projeto Genoma. Além disso, Collins em suas palestras usa suas habilidades para tentar harmonizar o inamornizável: ou seja, ele se diz cristão, mas ao mesmo tempo aceita as ideias darwinistas. Isso lhe dá uma terceira importante qualidade no secularizado e anti-Deus mundo científico: (3) Collins não é visto como um criacionista (como era o grande cientista brasileiro César Lattes), nem tampouco como defensor do Design Inteligente (como Michael Behe, autor de A Caixa Preta de Darwin).

Mesmo defendendo um Deus incapaz de milagres, um Deus cuja Palavra (na visão dele) não é exatamente verdadeira no que diz respeito às origens, haja vista que Collins aceita a evolução e crê que após esta Deus dotou o homem de intelecto e "alma"; mesmo assim, fazendo as mais imensas concessões ao Mamon do secularismo científico, Collins desperta suspeitas de muitos evolucionistas.

À semelhança de Torquemada, ou qualquer outro inquisidor que você queira imaginar, Samuel Harris, escritor do livro The End of Faith e fundador do Reason Project (fundação que defende valores secularistas e ateístas), considera perigosa a presença de Collins numa agência do governo que recebe 30 bilhões de dólares ao ano.

Todos os motivos de Harris têm a ver com as crenças de Collins (detalhe: não com suas qualificações), algumas das quais são:

1. A Terra foi criada há bilhões de anos; todo esse processo intrincado e evolutivo que chegou ao ser humano foi planejado por Deus.

2. Homens evoluíram, alcançaram o livre-arbítrio e sofrem as consequências de escolhas contra a vontade de Deus.

3. A evolução mostra um Deus que ama, é lógico e é consistente.

Harris acredita que um cientista que tenha um mínimo de fé em Deus, como Collins, pode comprometer a ciência, pois sua religião o incapacita de pensar cientificamente. Ele acha que Collins interferirá nos campos científicos que estão sob seu comando de forma ingênua, preconceituosa e não-profissional. Aliás, crer (mesmo que só um pouquinho) em Deus é irracional e perigoso para a sociedade, sugere Harris.

Mas a verdade mesmo é que Collins está levando muita pedrada, mesmo sendo extremamente solícito em aceitar o evolucionismo e colocar nele pitadas mínimas de fé cristã, acomodando a fé em Deus às teorias evolucionistas que são mais do que suspeitas no próprio meio evolucionista por carecerem de muitas evidências. Pedrada por pedrada, fogueira por fogueira, seria bom para Collins evitar esse complicado compromisso.

Mas, independentemente de eu mesmo discordar da fé limitante de Collins, caso ele seja um homem de integridade e caráter, buscando servir à nação como todo fiel cristão deve fazer, Deus lhe concederá vitórias e descobertas científicas e pessoais sem limites - mesmo tendo contra si as fogueiras da inquisição evolucionista.

O artigo de Sam Harris no The New York Times de 27/7/2009, questionando o profissionalismo de Collins, demonstra que o estabilishment evolucionista está a fim de acabar com a liberdade de expressão, neutralizar pela força (se necessário) os dissidentes, forçar os crentes em Deus (que são a esmagadora maioria da população americana e mundial) a se submeterem ao estereótipo de ignorantes e anticientíficos.

Talvez o ódio de Harris venha do fato de que a maioria dos pais fundadores dos Estados Unidos eram cristãos; que muitos cientistas que enfrentaram o estabilishment no passado, como Galileu, Mendel, Von Braun eram também cristãos. E, caso persista a liberdade de expressão com blogs, internet e tudo, vai ser difícil domesticar a mente das pessoas. A liberdade de expressão vem da primeira emenda americana, uma cláusula que ajudou em muito as minorias religiosas, que exigiu ética das maiorias e provocou mudanças radicais a partir das novas ideias que pela sua força argumentativa ficaram no páreo. E esse páreo não admite barrar alguém por litmus test, traduzindo, por motivo de crença. Esse páreo permite a um único indivíduo pensar diferente de todo o país, se assim desejar. Nesse páreo, as ideias mais fortes sobrevivem pela força da verdade comprovável que trazem, não pela ostentação de poder político ou de opiniões de alguém que supostamente está acima da população em geral.

A intolerância tem como espadas a opressão e a manipulação de meios. A liberdade tem como espadas a verdade, a coragem e a ousadia.

Em suma: se a intolerância evolui, a liberdade também. Só que, como sempre na história, armada ou desarmada, a Liberdade é mais forte.

(Sílvio Motta Costa, professor da rede pública em Campinas, SP)