segunda-feira, maio 14, 2018

200 anos de Karl Marx: darwinismo & comunismo


Nascido em 5 de maio de 1818, Karl Marx “fez” 200 anos. Consideremos então a seguinte questão: O darwinismo deu suporte mais naturalmente a uma perspectiva moral-econômica capitalista ou a algum outro ponto de vista filosófico rival, digamos, marxista? O historiador econômico Niall Ferguson debateu a respeito do ponto de vista acima em um livro de 2008, A Ascensão do Dinheiro: A História Financeira do Mundo. Ao aplicar uma estrutura darwiniana para entender as forças de mercado, ele foi questionado por uma série de críticos. Na revista The New York Review of Books, o economista Robert Skidelsky repreendeu Ferguson por fornecer “falsas analogias entre evolução financeira e seleção natural darwiniana... Essas tentativas de explicar o crescimento de dinheiro em termos de processos naturais me atacam por serem inocentes tanto moral quanto filosoficamente”.

Ferguson descreve a “destruição criativa” que surge quando instituições financeiras não conseguem se ajustar ao mercado, então falham e desaparecem, para serem substituídas por competidores mais bem adaptados. Capitalismo darwiniano?

A não ser que suas ideias morais, políticas e filosóficas estejam completamente desatreladas da realidade, então a forma como você desenha em sua mente as regras pelas quais o mundo de fato funciona deve de alguma forma causar impacto na forma como você pensa que ele deveria funcionar. Então as várias respostas oferecidas para a questão de como a vida se desenvolveu naturalmente fornecem dados à construção de filosofias que respondem a outras questões mais práticas, incluindo como a plenitude humana é atingida na realidade econômica.

Por que não? Não faz sentido a noção de que teorias de evolução não contribuem propriamente em nada para teorias de como a riqueza é criada e dividida. Se a história da vida requereu a direção de uma fonte transcendente de inteligência, isso traz consequências ao âmbito da economia. Se a vida se desenvolveu sem direção, meramente sob o poder de um mecanismo darwiniano, isso também traz consequências, provavelmente diferentes.

O problema aparece ao se determinar quais são essas consequências. Eu não li o livro de Ferguson, mas ele parece estar oferecendo a tautologia tradicional darwiniana: As empresas mais adaptadas sobrevivem. E o que, na história econômica, define adaptabilidade? Bem, sobrevivência. Dessa forma, veja, aqueles que sobrevivem são, bem, aqueles que sobrevivem.

Ferguson remonta sua ideia de que “processos darwinianos podem estar operando na economia” à Thorstein Veblen, que “perguntou pela primeira vez ‘Por que a economia não é uma ciência evolucionária’ (insinuando que de fato era), nos idos de 1898”. Mas a verdade é que o pensamento econômico que alega ser baseado em ciência evolucionária remonta há décadas antes disso.

No prefácio de O Capital de 1864, Karl Marx anunciou suas próprias ideias ao apresentar “o desenvolvimento da formação econômica da sociedade como um processo em história natural”. Em seu discurso no funeral de Marx no Cemitério Highgate de Londres, Engels deu o complemento final: “Assim como Darwin descobriu a lei da evolução na natureza orgânica, Marx descobriu a lei da evolução na história humana.” Isso ocorreu em 17 de março de 1883.

O comunismo possui raízes darwinianas mais profundas do que muitos de nós nos damos conta. De fato, apesar de Marx ter começado a rascunhar suas ideias antes de Darwin ter publicado A Origem das Espécies – o Manifesto Comunista apareceu em 1848, A Origem em 1859 –, ele é comumente chamado de darwinista. De fato, os homens que traduziram o Marxismo em termos políticos práticos na forma do terror soviético foram pensadores evolucistas, assim como eles próprios se consideravam.

Em 1891 em Gori, Geórgia, um garoto de coral de 13 anos que sonhava em se tornar padre, Iosef Vissarionovich Dzhugashvili, foi encontrado por sua mãe ao amanhecer, tendo ficado acordado toda a noite lendo A Origem das Espécies de Darwin. “Eu amei tanto o livro, mamãe, que não pude parar de ler”, ele explicou. Mais tarde ele disse a um amigo que Deus “de fato não existe. Nós fomos enganados”. “Como você pode dizer tal coisa?”, o amigo exclamou, ao que o garoto, o futuro Joseph Stalin, respondeu dando a ele uma cópia de Darwin.

O que resultou da apreciação precoce de Stalin da teoria evolucionista? Tanto Hitler quanto Stalin procuraram criar uma nova raça de super-homens. De onde ambos tiraram essa ideia? Da teoria darwiniana, no sentido mais amplo, claro.

Para entender o motivo disso, precisamos voltar às origens da filosofia comunista. Os comunistas desde seu princípio foram atraídos pelo darwinismo porque, como Engels ressaltou em sua carta a Marx, ele eliminou a “teleologia” da história da vida. Isto é, ele evitou a necessidade por entender o desenvolvimento da vida como tendo sido dirigido por um ser pessoal transcendente de fora da natureza, e abriu caminho para entender a história como sendo dirigida por forças impessoais do tipo antevistas por Marx. Em 1861, ao ler A Origem das Espécies, Marx exultou: “O livro de Darwin é muito importante e me serve como uma base científica natural para a luta de classes na história. Tem-se, é claro, que tolerar o tosco método inglês de discurso.”

Como podemos culpar Darwin por isso quando Marx e Engels já tinham chegado ao esboço de suas filosofias em 1859, quando A Origem foi publicado? Sim, Marx viu no darwinismo uma confirmação de suas visões, e Engels também o fez de forma mais enfática. Mas o que isso prova?

Também é verdade que Lênin manteve uma estátua proeminentemente situada em seu escritório no Kremlin, que continha um macaco contemplando a caveira de um homem acima de uma única palavra de dedicatória: “DARWIN”. Isso tinha diversos significados. A estátua do macaco significava o desprezo de Lênin por seus colegas, que eram nada mais que filhos de macacos; além disso, o apego idólatra do Estado soviético à ciência [humana], já que Lênin se apoiava resolutamente na fé comunista de que o próprio marxismo era uma doutrina científica; e o mais abominável, ela aludia à luta darwiniana aplicada às classes sociais, com o proletariado ascendendo à sua posição destinada de comando, após as classes rivais de aristocratas, burgueses, padres e camponeses terem sido exterminadas. Para Lênin, assim como para Darwin, “extermínio” era uma palavra favorita.

Como sucessor de Lênin, Stalin escreveu um tratado ideológico, “Anarquismo ou Socialismo?”, especulando sobre a ciência darwiniana e declarando: “A evolução prepara a revolução e cria espaço para ela; a revolução consuma o processo de evolução e facilita sua posterior atividade.” Ainda assim, Marx, e não Darwin, publicou primeiro.

A relação entre o comunismo e o darwinismo tem sido debatida por acadêmicos há anos, deixando um amontoado lamacento e frustrante de alegações e contra-alegações. Há, no entanto, uma forma clara e satisfatória de resolver o debate. Tanto marxistas quanto darwinistas são herdeiros de uma revolta materialista contra a metafísica que começou no século 17 com Hobbes e Locke, e da revolta “naturalista” contra Igreja e Trono inaugurada por Rousseau, no século 18. Marx simplesmente emergiu daquela tradição um pouco antes que Darwin. No entanto, uma vez que em Darwin a visão de mundo atingiu seu apogeu de influência, tem-se o nome darwinismo e assim Marx é adequadamente chamado de darwinista.

Leitores cristãos irão, eu espero, perdoar a seguinte analogia grotesca. Marx estava para Darwin, muito aproximadamente, como João Batista estava para Jesus: um antecedente, um contemporâneo, e um discípulo.

A visão de mundo que carrega o nome de Darwin o faz da mesma forma que o nome cristianismo alude à personalidade de uma figura histórica, chamado Jesus Cristo, apesar de que Jesus e muitas de Suas ideias emergiram de uma tradição, o judaísmo, que o precedeu em muito e na qual Ele colocou Sua própria interpretação; apesar de as ideias de Jesus serem posteriormente desenvolvidas por Paulo, os escritores do evangelho, os patriarcas da igreja, e posteriores pensadores cristãos.

O que Marx e Darwin compartilharam foi brilhantemente visto por Hannah Arendt. É o que faz do hitlerismo e do stalinismo dois lados da mesma moeda.

Marx e Darwin desenvolveram teorias paralelas de lei histórica ou natural. Em um contexto religioso, a lei é percebida como estática e eterna: a lei de Deus, mais alta que qualquer homem, digna de julgar reis e tiranos por sua luz. O marxismo e o darwinismo, como filosofias materialistas, acreditam ter conseguido remover a necessidade de Deus, ou da metafísica de forma geral. Para eles não há tal coisa como uma lei moral estática, eterna.

Dessa forma, no livro A Descendência do Homem, Darwin descreve o processo pelo qual a moral evolui, assim como corpos de animais. Ele não encontra nada absoluto ou dado por Deus até mesmo em um aparente instinto moral fundamental como o que vai contra o incesto: “Devemos, assim, rejeitar a crença, recentemente reforçada por alguns escritores, de que a repulsa ao incesto é causada por uma consciência especial implantada por Deus.” O lugar de Deus é substituído por uma lei de movimento. A História é uma maré que move o desenvolvimento da natureza ou sociedade de acordo com uma lei impessoal, não guiada, e ainda cientificamente descritível. Evolução e revolução são de fato a mesma dinâmica, observadas respectivamente sob as perspectivas natural e social. No livro Origens do Totalitarismo, Arendt escreveu sobre Darwin e Marx: “Se considerarmos, não a conquista, mas as filosofias básicas de ambos os homens, o que se observa é que o movimento da história e o movimento da natureza são um e o mesmo.”

Isso ajuda a clarificar o porquê, sob os regimes de Hitler e Stalin, o que Arendt chamou de “terro total” era o resultado previsível. A única moralidade era a da lei do movimento da história, visto em termos biológicos ou econômicos. Em ambos os casos, se você se opusesse, seria um inimigo e qualificado para destruição.

A versão de Stalin da evolução derivou de uma linha daquela tradição científica e filosófica oriunda do antigo evolucionista Francês Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829). Lamarck afirmou que características adquiridas por um organismo durante sua vida poderiam ser passadas para sua descendência, tornando o ambiente de igual importância na hereditariedade. (A teoria evolucionária moderna exclui essa ideia.) Os métodos darwinianos mais estritos de Hitler, obcecado por hereditariedade, enfatizaram eugenia e assassinato para livrar a sociedade de indesejáveis genéticos, enquanto a abordagem de Stalin enfatizava a manipulação do ambiente social, isolando anormalidades, enviando adultos e crianças que possuíssem mentes “doentes” por pensamentos antissoviéticos para o Gulag para não corromperem as mentes sadias. A sutil diferença pouco importava para os milhões que foram assassinados na busca de um pesadelo evolucionário.

Inicialmente, o regime soviético era fascinado pela eugenia, estabelecendo uma sociedade eugênica russa em 1921 e imediatamente procedendo com o estudo da questão judaica. Mas o marxismo em geral possuía pensamento dúbio sobre evolução, e como mencionado acima, tendia a favorecer o lado de Lamarck da teoria. Já em 1906, Stalin havia-se declarado a favor de Lamarck. Isso não era uma rejeição do darwinismo, mas simplesmente do mecanismo evolucionário que tornou Darwin famoso, a seleção natural. Por várias razões, os comunistas preferiram pensar em termos de uma seleção ambiental como o mecanismo impessoal dirigindo a evolução. Na década de 1930, Stalin passou a defender Lamarck com mais intensidade. Após 1945, a teoria evolucionista oficial do comunismo soviético foi representada por um agrônomo e fraudulento cientista ucraniano, Trofim Lysenko. Sob o regime do lysenkismo, dissidentes da ortodoxia evolucionária eram sujeitos à destruição de carreira, ao aprisionamento e até mesmo à morte.

Ao invés de criar super-humanos por meio da genética, como Hitler fez, o evolucionismo soviético buscava fazê-lo por intensas manipulações do ambiente, incluindo exílio, aprisionamento e assassinato. No Grande Terror de 1937-38, uma das classes comuns de vítimas eram os “socialmente prejudiciais”. Essa não era meramente uma categoria política, mas evolucionista.

O Estado soviético era, então, um experimento de darwinismo aplicado. Como Malcolm Muggeridge, o jornalista britânico que se separou de seus colegas para reportar de forma honesta o terror-fome stalinista, posteriormente afirmou, “é interessante refletir que agora, à luz de tudo o que aconteceu, os prévios oponentes obscurantistas da evolução darwiniana parecem muito mais sagazes e visionários do que seus primeiros empolgados defensores”.

(Evolution News & Science Today; traduzido por Leonardo Serafim)