sexta-feira, maio 11, 2018

O valor do sábado da criação

Na visão de mundo bíblico-criacionista estão embutidos valores preciosos não encontrados em qualquer cosmovisão concorrente, os quais marcam a existência com as digitais do Criador. Originados no Ser Supremo, eles apontam para dimensões significativas da vida, imprimindo sentido, propósito, segurança e o senso de eternidade sobre nossa finitude e contingência. Somos constantemente lembrados, por meio do quarto mandamento, do mais alto desses valores sagrados: a devida adoração ao Deus invisível em espírito e em verdade.

A primeira semana do mundo encerra-se com a instituição do sábado, o sétimo dia separado, abençoado e santificado pela grandiosa Trindade. De um tempo de caos para um tempo de ordem, o mundo sai da solidão escura do primeiro dia para o sábado luminoso quando Deus, homem e natureza comungam para “descansar”. Nesse momento, “as estrelas da alva juntas alegremente cantavam, e todos os filhos de Deus rejubilavam” (Jó 38:7): em enaltecimento ao Criador de obras perfeitas e belas, uma explosão de louvor percorre o Universo admirado. O Céu, os mundos gloriosos e a Terra recém-formada dão as boas-vindas ao sétimo dia - o monumento temporal da criação e memorial de eterna lembrança da majestade, poder e amor do Ser infinito.


“Porque, em seis dias, fez o Senhor os céus, a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansou” (Êxodo 20:11). Embora quase universalmente esquecido, o sábado permanece como um mandamento ainda a ser observado, abrangendo a dimensão física, psicológica e espiritual do ser humano. No aspecto espiritual, ele é um símbolo da graça, pois sendo o “santuário no tempo” está disponível a todos, vindo ao encontro das criaturas onde quer que estejam. Não há limitações geográficas, pois “o significado do sábado é celebrar o tempo em vez do espaço. Durante seis dias por semana vivemos sob a tirania das coisas do espaço; no sábado procuramos estar sintonizados com a santidade no tempo. É um dia no qual somos chamados a participar do que é eterno no tempo, de nos volvermos dos resultados da criação para o mistério da criação; do mundo da criação para a criação do mundo”.

Deus atua no espaço-tempo; está em todos os lugares e épocas, sendo uma constante e benévola presença. No sétimo dia, Ele Se revela de forma especial como o Pai da criação, o “Pai nosso”; contudo, nos círculos esotéricos e místicos, vê-se muito a expressão “Mãe Natureza”. Mesmo que tal expressão seja uma metáfora para indicar a relação próxima mantida entre o homem e o mundo natural, no perspicaz pensamento de Gilbert Keith Chesterton, “apenas o sobrenatural pode assumir uma visão sadia da natureza. A essência de todo panteísmo, evolucionismo e religião cósmica moderna está realmente nesta proposição: que a natureza é a nossa mãe. Infelizmente, se você considerar a natureza como mãe, vai descobrir que ela é madrasta. O ponto principal do cristianismo era este: que a natureza não é a nossa mãe [...]. Podemos sentir orgulho de sua beleza, uma vez que temos o mesmo pai; mas ela não tem autoridade sobre nós”. Concordando com Chesterton, em linguagem imbuída de profundo sentimento religioso, Ellen G. White acrescenta: “Poetas e naturalistas têm muito o que dizer acerca da natureza; mas é o cristão quem mais sabe apreciar as suas belezas, porque reconhece a obra de seu Pai, percebendo Seu amor em cada flor, arbusto ou árvore. Ninguém pode apreciar plenamente o significado de montes e vales, rios e lagos, se não os vê como uma expressão do amor de Deus aos Seus filhos.”

Por meio do sábado, o pensamento criacionista confere valor à natureza, indicando que toda a criação tem Pai, o Ser pessoal que a criou e a mantém protegida do controle destrutivo e avassalador do mal. Nesse sentido, sendo originalmente uma revelação perfeita do amor de Deus aos Seus filhos, a natureza, hoje vitimada pelo pecado, emite uma mensagem ambígua na qual o bem e o mal lutam em guerra incessante. No seu estado atual, a natureza nos fala com língua bifurcada: beleza e feiura, altruísmo e seleção natural, ordem e catástrofe, vida e morte. Na realidade, “quando observamos o pacífico cenário da planície ou os vales das montanhas envoltos no mágico encanto da tarde, vemos a aparência de uma harmonia que é quase edênica. Mas o estudante da natureza sabe muito bem que debaixo desse manto de paz, a batalha horrível de garra e pata se está travando. [...] No mundo natural Deus prefere contender com Satanás de modos naturais. [...] Um conhecimento deste equilíbrio dinâmico na natureza fortifica a confiança do homem na providência e no cuidado de Deus. Ele vê a operação de um Ser todo-sábio e todo-poderoso, que permite a desobediência para demonstrar sua insuficiência e futilidade, mas que cuida dos Seus enquanto essa demonstração está em processo, e torna suave a vida para Seus adoradores, embora eles vivam nas horas finais de um mundo terrivelmente maculado e desorganizado.”

Ainda que espancada pelos efeitos do pecado, consegue a natureza nos trazer à consciência a paternidade divina? Sim! Nela mesclam-se as mensagens da criação e da redenção, porquanto “o mundo, embora caído, não é todo tristeza e miséria. Na própria natureza há mensagens de esperança e conforto. Há flores sobre as ervas daninhas, e os espinhos estão cobertos de rosas”. Assim, semanalmente, observando o sábado, lembramos do “Pai Nosso” e, esperançosos, aguardamos o mundo ser redimido e restaurado à glória original, quando despontará o reinado pacífico em que “o lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará junto ao cabrito; o bezerro, o leão novo e o animal cevado andarão juntos, e um pequenino os guiará. A vaca e a ursa pastarão juntas, e as suas crias juntas se deitarão; o leão comerá palha como o boi. A criança de peito brincará sobre a toca da áspide, e o já desmamado meterá a mão na cova do basilisco. Não se fará mal nem dano algum em todo o Meu santo monte, porque a Terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o mar” (Isaías 11:6-9).

O filósofo cético Bertrand Russel, em tom sinistro e desprovido de qualquer esperança, reconheceu o absurdo da vida guiada pela cosmovisão meramente científica. Ele declarou: “Ainda mais despropositado, mais vazio de sentido, é o mundo que a ciência apresenta para que nele creiamos. Em meio a um mundo assim, nossos ideais devem encontrar seu espaço daqui para a frente. Que o homem seja o produto de causas que não previam o fim a ser atingido; que sua origem, seu crescimento, suas esperanças e temores, seus amores e crenças sejam tão só o resultado de combinações acidentais de átomos; que nenhuma paixão, nenhum heroísmo e nenhuma intensidade de pensamento e sentimento possam preservar uma vida individual após a tumba; que todos os labores dos séculos, toda a devoção, toda a inspiração e todo o brilho meridiano do gênio da humanidade sejam destinados à extinção na vasta morte do sistema solar, e que o templo inteiro das conquistas do homem deva ser inevitavelmente sepultado sob os escombros de um universo em ruínas – todas essas coisas, se não são indiscutíveis, são, todavia, quase tão certas que nenhuma filosofia que pretenda rejeitá-las pode ter a esperança de permanecer. Somente junto aos andaimes dessas verdades, somente sobre o firme fundamento de um desespero obstinado, pode a habitação da alma ser edificada com segurança daqui para a frente.”

Contrariando essa desesperança de Russel está o sétimo dia, a nos lembrar de que há sentido cósmico e individual. O sábado oferece resposta para as três questões universais: De onde vim? Por que estou aqui? Para onde eu vou? Na perspectiva sabática do descanso divino, o passado, o presente e o futuro são instâncias do tempo circundadas pela esperança. Esse fragmento do tempo nos traz não só a recordação constante de que somos amados por Deus, mas também a promessa de dias melhores, dias eternos (Hebreus 4:9). Mais do que um dia comum, o sábado nos transporta para o “viver no espírito” no qual “o coração que ainda não se acha endurecido pelo contato com o mal está pronto a reconhecer aquela Presença que penetra todas as coisas criadas. O ouvido, ainda não ensurdecido pelo clamor do mundo, está atento à Voz que fala pelas manifestações da natureza. E para os [...] que necessitam continuamente dessa silenciosa lembrança das coisas espirituais e eternas, proporcionadas pela natureza, será o ensino desta não menos uma fonte de prazer e instrução”.

Em suma, a fim de nos guardar do vazio existencial e da filosofia do desespero, muito presentes no ser humano contemporâneo, foi o sábado especialmente separado por Deus para reafirmar nossa filiação divina e nos avisar de que não somos órfãos cósmicos, lançados na solidão da vida sem qualquer vislumbre do horizonte eterno. Que importância e valor temos? O sábado nos assegura de que não somos animais evoluídos descendentes de ancestrais simiescos, mas que temos origem diferenciada e especial. Somos filhos de Deus, formados à Sua imagem e semelhança. Por isso, o mandamento: “Lembra-te do dia de sábado...” (Êxodo 20:8), já que na memória precisa ficar gravada a história da criação, pois esquecer-se dela significa não perceber o sentido transcendente de nossa presença no mundo.

Durante as vinte e quatro horas sagradas, o Criador chama a atenção do ser humano, querendo-lhe, semanalmente, sinalizar a convicção: “Você é Meu filho. Eu o criei. Jamais esqueça isso!” Portanto, guardar o sábado vai além da abstenção de atividades seculares; observar o sétimo dia, na letra e no espírito, é lembrar que temos um Pai que nos valoriza. Significa estar selado como filho de Deus.

(Frank de Souza Mangabeira, membro da Igreja Adventista do Bairro Siqueira Campos, Aracaju, SE; servidor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe)