Podem os cientistas ser imparciais e
objetivos em suas pesquisas em busca da verdade? Francis Bacon acreditava que
sim. Na concepção dele, os cientistas deveriam esvaziar a mente de quaisquer
ideias preconcebidas e simplesmente se deixar guiar pelos dados rumo à verdade.
Mais tarde, Karl Popper referiu-se a essa ideia como “o dogma ingênuo de
Bacon”. Para Popper, o método mais adequado a ser adotado na pesquisa científica
era exatamente o oposto: ao deparar-se com algum problema, o cientista não
deveria esvaziar a mente, mas buscar nela alguma teoria que pudesse explicar
sua observação.[1]
Popper afirmou ainda que a crença de
que a ciência avança da observação para a teoria (como as pessoas costumam
pensar que acontece) é absurda. Ele argumentou que a observação nunca é neutra,
sendo sempre influenciada pelos interesses teóricos, as conjecturas e
antecipações, e as teorias aceitas como pano de fundo pelo cientista.[2] Ou
seja, a ideia de Popper é que o cientista, assim como qualquer outra pessoa,
não é imparcial e que sua imparcialidade afeta suas pesquisas, já que seu ponto
de vista acaba direcionando em algum grau suas observações, tornando-as,
portanto, seletivas. Como forma de corrigir esse viés inevitável na ciência,
Popper propôs o princípio da falseabilidade (adotado até os dias atuais), que
consiste na tentativa, por parte da comunidade científica, de refutar, através
de experimentos, hipóteses defendidas em pesquisas acadêmicas.[3] Caso essa
tentativa seja bem-sucedida, diz-se que tais hipóteses foram falseadas
(rejeitadas). Caso contrário, elas ganham o status
de corroboradas. É dessa forma que a ciência progride, apesar do viés inerente
a cada cientista.
O princípio da falseabilidade foi
definido por Popper como o “critério de demarcação” da ciência – o delimitador
do que é ou não ciência.[3] Logo, o que define o caráter científico de uma
teoria não é sua origem, mas, sim, sua capacidade de fazer previsões
(hipóteses) testáveis.[1] Sendo assim, podemos concluir que é cientificamente
válido para um cientista adotar a cosmovisão criacionista ou evolucionista em
suas pesquisas. A questão que surge aqui, portanto, é: O criacionismo pode
fornecer hipóteses que possam ser submetidas à prova por meio de experimentação?
O projeto de pesquisa que vem sendo desenvolvido
há cerca de 20 anos em uma região desértica, próxima à cidade de Ocucaje, no
sul do Peru, por um grupo de cientistas criacionistas, que tem resultado na
publicação de artigos em renomadas revistas científicas,[4, 5, 6] pode nos ajudar
a responder essa pergunta. Leonard Brand, Raúl Esperante, Arthur Chadwick e
outros analisaram minuciosamente centenas de fósseis de cetáceos (principalmente
baleias) e outros animais marinhos dessa região, os quais são encontrados em várias
camadas de rochas sedimentares da Formação Pisco (das
épocas geológicas Mioceno e Plioceno). A pesquisa lhes permitiu constatar que
tais espécimes fósseis apresentam, em geral, ótimo estado de preservação, o que
os levou a concluir que essas baleias foram soterradas rapidamente, em um
período de semanas a meses. Os dados que lhes permitiram formular essa hipótese
são apresentados, de forma resumida, a seguir:
- Os sedimentos em que as baleias
foram soterradas contêm inúmeras frústulas (carapaças de silício) de
diatomáceas (algas marinhas) que não apresentam evidência de dissolução.
- Várias baleias fossilizadas
caracterizam-se pela excepcional ocorrência de barbatanas fósseis (como as
barbatanas não são tão resistentes quanto os ossos, elas rapidamente são
deterioradas, sendo raras no registro fóssil) e ainda na posição de vida
(observações em oceanos modernos demonstram que após a morte da baleia as
barbatanas se destacam da gengiva da mandíbula superior em um intervalo de
horas a semanas).
- Os ossos das baleias em geral estão
bem articulados (em sua posição original), e não apresentam sinais de corrosão
ou perfuração por vertebrados ou invertebrados, ou qualquer outro dano
pós-morte.
- A maioria das baleias fósseis
apresentam esqueleto completo e estão com o ventre virado para baixo
(observações de carcaças de baleias à deriva no oceano demonstram que durante o
processo de putrefação gases são produzidos em seu interior, fazendo-as inchar
e rotacionar, chegando ao leito oceânico com o ventre virado para cima; o fato
de as baleias da Formação Pisco não estarem nessa posição sugere que não houve
muito tempo entre sua morte e soterramento).
- Não há evidência de bioturbação por
invertebrados marinhos nos sedimentos que circundam os fósseis de baleias (nos
dias de hoje, carcaças de baleias situadas no fundo oceânico são rapidamente
colonizadas por invertebrados marinhos que, além de remover a carne e degradar
os ossos, também perturbam os sedimentos adjacentes em busca de compostos
orgânicos lixiviados das baleias).
Apesar de a geologia convencional
(evolucionista) já admitir também a possibilidade de catástrofes ao longo da
história geológica do planeta (atualismo), ainda é evidente a preferência de
geólogos que trabalham dentro dessa cosmovisão por explicações que demandam
muito tempo (milhões de anos), o que muito provavelmente se deve à grande
confiança que depositam na datação radiométrica. No caso dos fósseis da
Formação Pisco, por exemplo, inúmeros pesquisadores já os haviam estudado, no
decorrer de décadas, mas nenhum deles havia notado (ou aceitado) as várias
evidências que apontam fortemente para um rápido soterramento. As evidências
sempre estiveram diante dos olhos deles, mas suas pressuposições os guiaram
para longe da verdade. Por outro lado, em função da hipótese criacionista de
altas taxas de sedimentação e rápida fossilização (derivada da crença no dilúvio
e na vida recente na Terra, e da suspeita de um erro sistemático na datação
radiométrica), os pesquisadores criacionistas puderam realizar descobertas
significativas.
Este exemplo (que é apenas um de
vários) demonstra que, além de fornecer hipóteses testáveis, o criacionismo tem
ainda sido corroborado quando submetido à prova por meio de experimentos,
podendo ser classificado, portanto, como ciência.
(David Ramos Pereira é geólogo e mestre em Geologia e Geoquímica pela UFPA)
Referências:
1.
Brand, L. (2009). Faith, reason, and earth history: a paradigm of earth
and biological origins by intelligent design. Andrews
University Press.
2. Popper, K. R. (1982). Conjecturas
e Refutações: o progresso do conhecimento científico; trad. Sérgio
Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília.
3.
Popper, K. (2005). The logic of scientific discovery. Routledge.
4.
Brand, L.R., Esperante, R., Chadwick, A.V., Poma, O., Alomía, M., 2004. Fossil
whale preservation implies high diatom accumulation rate in the
Miocene–Pliocene Pisco Formation of Peru. Geology 32, 165–168.
5. Esperante, R., Brand, L.R., Nick,
K.E., Poma, O., Urbina, M., 2008. Exceptional occurrence of fossil baleen in shallow marine sediments of the
Neogene Pisco Formation, Southern Peru. Palaeogeogr. Palaeoclimatol.
Palaeoecol. 257, 344–360.
6.
Esperante, R., Brand, L. R., Chadwick, A. V., & Poma, O. (2015). Taphonomy
and paleoenvironmental conditions of deposition of fossil whales in the diatomaceous
sediments of the Miocene/Pliocene Pisco Formation, southern Peru–A new
fossil-lagerstätte. Palaeogeography, Palaeoclimatology,
Palaeoecology, 417, 337-370.