De acordo com Gênesis 1:14-18, o Sol, a Lua e as estrelas foram criados no quarto dia da semana da criação, correto? Bem, pode-se ter essa impressão após uma leitura apressada, mas há detalhes interessantes nesse capítulo, na Bíblia como um todo e na natureza que precisam ser levados em conta ao analisar-se o texto. (Antes de continuar, recomendo a leitura deste post.)
É importante manter em mente que a narrativa de Gênesis 1 corresponde ao que alguém testemunharia se estivesse na superfície da Terra ou próximo a ela. Não se trata de algum referencial absoluto, muito menos divino. O destinatário desse texto é a raça humana, com toda a sua ignorância, e o texto tem essa perspectiva em sua didática.
A própria estrutura do capítulo nos ajuda a entender o sentido dos detalhes mencionados. Um dos pontos importantes é que, em cada etapa, Deus prepara condições para as próximas. Ele poderia, por exemplo, criar seres vivos antes de haver uma atmosfera respirável para eles. Deus poderia mantê-los vivos assim mesmo, pois Ele tem poder para isso. Mas não o fez. Por quê? Para responder a essa pergunta precisamos prestar atenção a um princípio fundamental que pode ser observado em tudo o que Deus faz.
A Bíblia ensina que Deus é perfeito e tudo o que Ele faz é muito bom. Em outras palavras, existe um princípio de otimização à base de tudo o que Deus cria e por trás de cada uma de Suas ações. No século 18, Pierre Louis Moreau de Maupertuis (1698-1759) percebeu que isso tinha implicações importantes sobre as próprias leis físicas. Isso é chamado hoje em dia de “princípio da ação mínima”, que costumamos expressar por meio da seguinte equação diferencial funcional: δS=0. Naquele mesmo século, Euler e Lagrange mostraram que é possível deduzir equações de leis físicas a partir desse princípio. Conseguiram, por exemplo, reproduzir a mecânica newtoniana a partir de equações geradas por esse princípio.
De fato, descobrimos que todas as leis físicas básicas obedecem a esse princípio, que tem sido usado como um dos instrumentos matemáticos mais importantes na pesquisa avançada. Ele permite deduzir coisas como as leis do eletromagnetismo (que regem a Química, entre outras coisas), as leis da Relatividade Especial e Geral, as leis da Teoria Quântica de Campos, da Eletrodinâmica Quântica, das cordas e assim por diante.
Resumindo, as leis físicas básicas (das quais as demais são consequência) realmente são otimizadas. E isso foi deduzido a partir da noção de que Deus faz tudo da forma mais eficiente possível. Uma das muitas lições que tiramos disso é que Deus não faz qualquer coisa de qualquer jeito só porque pode; pelo contrário, Ele faz tudo da melhor maneira possível.
Além de isso nos permitir deduzir as equações diferenciais que regem a realidade, também nos permite chegar a algumas conclusões interessantes mesmo sem fazer cálculos explicitamente. Por exemplo, podemos responder à pergunta que fizemos antes: Por que Deus não criou os seres vivos antes de preparar a atmosfera para sustentá-los? Porque isso seria ineficiente, isto é, Ele precisaria fazer algo desnecessariamente complexo para atender às necessidades de seres vivos antes de ter um ambiente adequado para eles. Para evitar isso, basta inverter a ordem da criação: criar as condições necessárias primeiro e os seres vivos depois.
Notemos agora que esse padrão aparece ao longo do relato da criação. Primeiro Deus regula a duração do ciclo noite-dia (versos 2 a 5). A velocidade de rotação do planeta é essencial para as demais condições necessárias à vida, além de permitir também a contagem de tempo usando o dia como unidade a partir do primeiro dia. Depois disso, a atmosfera sofre a primeira organização, depois a organização do solo e da água líquida da superfície, criação de plantas antes da criação de animais, limpeza da atmosfera para que se pudesse observar o Sol, a Lua e as estrelas, criação de animais marinhos e aves, animais terrestres e a humanidade. Em todos os casos, se B depende de A, A é preparado antes de B.
O que isso tem a ver com a criação do Sol no quarto dia? Tudo. O dia, definido como primeiro passo na terraformação descrita em Gênesis 1, ocorre em relação à posição do Sol no espaço. Isso está ligado tanto à rotação da Terra em relação ao Sol (não em relação ao Universo) quanto ao movimento de translação em torno dele. Deus poderia criar uma outra fonte de luz e gravidade no lugar do Sol para funcionar entre o primeiro e o quarto dia? Ele mesmo não poderia fazer esse papel? Certamente. Mas isso seria ineficiente. Ele precisaria manter uma situação desnecessariamente complexa que poderia ser evitada simplesmente com a alteração na ordem de fazer as coisas: bastaria criar o Sol primeiro para depois ajustar a rotação da Terra no primeiro dia da semana. Por que, então, Deus esperou para criar o Sol só no quarto dia? Mas será que esperou mesmo?
Nos versos 14 e 15, é dito que Deus fez aparecer os grandes luminares no céu. O Sol não precisa ser criado cada vez que aparece no céu. Por que então imaginar que aparecer no céu necessariamente significa criação?
Os versos 16 a 18 funcionam como um aposto, isto é, um comentário que abre algum detalhe do texto anterior, como é o padrão de todo esse capítulo. Detalhes assim não necessariamente referem-se a eventos que ocorrem na mesma ocasião da narrativa principal. Vejamos um exemplo: "Semana passada, visitei Isadora. Ela herdou de seu pai a casa onde mora." Pode-se concluir deste texto que Isadora herdou sua casa na semana passada? É evidente que não. Da mesma forma, esses versos mencionam a criação e a finalidade dos dois grandes luminares (Sol e Lua): Deus criou o maior para dominar o dia e o menor para dominar a noite e as estrelas. Quando ocorreu essa criação? No quarto dia? Antes? Esses versos não deixam claro. Entretanto, se o Sol fosse criado no quarto dia, teríamos uma quebra no princípio da otimização, algo que destoa completamente de tudo o que a Bíblia ensina sobre a perfeição e a meticulosidade de Deus, assim como tudo o que observamos na natureza em todas as escalas, lugares e situações, mesmo nos milagres mencionados na Bíblia.
Resumindo, ao fazer uma leitura superficial de Gênesis 1:14-18 podemos imaginar que o Sol e a Lua foram criados no quarto dia. Porém, se prestarmos atenção aos detalhes, mesmo observando apenas o texto localmente, sem o contexto maior da Bíblia, constatamos pelo menos dois pontos importantes: (1) o texto não afirma a criação desses astros no quarto dia e (2) toda a sequência da criação sempre mostra Deus criando a dependência antes do dependente, o que, no caso do Sol, indica que ele já existia quando Deus disse "haja luz". Mesmo se forçarmos a interpretação para imaginar que o Sol poderia ter sido criado exatamente naquele instante, essa ideia não tem qualquer base física ou escriturística, além de ir em sentido contrário a outras evidências que temos.
Eduardo Lütz
É importante manter em mente que a narrativa de Gênesis 1 corresponde ao que alguém testemunharia se estivesse na superfície da Terra ou próximo a ela. Não se trata de algum referencial absoluto, muito menos divino. O destinatário desse texto é a raça humana, com toda a sua ignorância, e o texto tem essa perspectiva em sua didática.
A própria estrutura do capítulo nos ajuda a entender o sentido dos detalhes mencionados. Um dos pontos importantes é que, em cada etapa, Deus prepara condições para as próximas. Ele poderia, por exemplo, criar seres vivos antes de haver uma atmosfera respirável para eles. Deus poderia mantê-los vivos assim mesmo, pois Ele tem poder para isso. Mas não o fez. Por quê? Para responder a essa pergunta precisamos prestar atenção a um princípio fundamental que pode ser observado em tudo o que Deus faz.
A Bíblia ensina que Deus é perfeito e tudo o que Ele faz é muito bom. Em outras palavras, existe um princípio de otimização à base de tudo o que Deus cria e por trás de cada uma de Suas ações. No século 18, Pierre Louis Moreau de Maupertuis (1698-1759) percebeu que isso tinha implicações importantes sobre as próprias leis físicas. Isso é chamado hoje em dia de “princípio da ação mínima”, que costumamos expressar por meio da seguinte equação diferencial funcional: δS=0. Naquele mesmo século, Euler e Lagrange mostraram que é possível deduzir equações de leis físicas a partir desse princípio. Conseguiram, por exemplo, reproduzir a mecânica newtoniana a partir de equações geradas por esse princípio.
De fato, descobrimos que todas as leis físicas básicas obedecem a esse princípio, que tem sido usado como um dos instrumentos matemáticos mais importantes na pesquisa avançada. Ele permite deduzir coisas como as leis do eletromagnetismo (que regem a Química, entre outras coisas), as leis da Relatividade Especial e Geral, as leis da Teoria Quântica de Campos, da Eletrodinâmica Quântica, das cordas e assim por diante.
Resumindo, as leis físicas básicas (das quais as demais são consequência) realmente são otimizadas. E isso foi deduzido a partir da noção de que Deus faz tudo da forma mais eficiente possível. Uma das muitas lições que tiramos disso é que Deus não faz qualquer coisa de qualquer jeito só porque pode; pelo contrário, Ele faz tudo da melhor maneira possível.
Além de isso nos permitir deduzir as equações diferenciais que regem a realidade, também nos permite chegar a algumas conclusões interessantes mesmo sem fazer cálculos explicitamente. Por exemplo, podemos responder à pergunta que fizemos antes: Por que Deus não criou os seres vivos antes de preparar a atmosfera para sustentá-los? Porque isso seria ineficiente, isto é, Ele precisaria fazer algo desnecessariamente complexo para atender às necessidades de seres vivos antes de ter um ambiente adequado para eles. Para evitar isso, basta inverter a ordem da criação: criar as condições necessárias primeiro e os seres vivos depois.
Notemos agora que esse padrão aparece ao longo do relato da criação. Primeiro Deus regula a duração do ciclo noite-dia (versos 2 a 5). A velocidade de rotação do planeta é essencial para as demais condições necessárias à vida, além de permitir também a contagem de tempo usando o dia como unidade a partir do primeiro dia. Depois disso, a atmosfera sofre a primeira organização, depois a organização do solo e da água líquida da superfície, criação de plantas antes da criação de animais, limpeza da atmosfera para que se pudesse observar o Sol, a Lua e as estrelas, criação de animais marinhos e aves, animais terrestres e a humanidade. Em todos os casos, se B depende de A, A é preparado antes de B.
O que isso tem a ver com a criação do Sol no quarto dia? Tudo. O dia, definido como primeiro passo na terraformação descrita em Gênesis 1, ocorre em relação à posição do Sol no espaço. Isso está ligado tanto à rotação da Terra em relação ao Sol (não em relação ao Universo) quanto ao movimento de translação em torno dele. Deus poderia criar uma outra fonte de luz e gravidade no lugar do Sol para funcionar entre o primeiro e o quarto dia? Ele mesmo não poderia fazer esse papel? Certamente. Mas isso seria ineficiente. Ele precisaria manter uma situação desnecessariamente complexa que poderia ser evitada simplesmente com a alteração na ordem de fazer as coisas: bastaria criar o Sol primeiro para depois ajustar a rotação da Terra no primeiro dia da semana. Por que, então, Deus esperou para criar o Sol só no quarto dia? Mas será que esperou mesmo?
Nos versos 14 e 15, é dito que Deus fez aparecer os grandes luminares no céu. O Sol não precisa ser criado cada vez que aparece no céu. Por que então imaginar que aparecer no céu necessariamente significa criação?
Os versos 16 a 18 funcionam como um aposto, isto é, um comentário que abre algum detalhe do texto anterior, como é o padrão de todo esse capítulo. Detalhes assim não necessariamente referem-se a eventos que ocorrem na mesma ocasião da narrativa principal. Vejamos um exemplo: "Semana passada, visitei Isadora. Ela herdou de seu pai a casa onde mora." Pode-se concluir deste texto que Isadora herdou sua casa na semana passada? É evidente que não. Da mesma forma, esses versos mencionam a criação e a finalidade dos dois grandes luminares (Sol e Lua): Deus criou o maior para dominar o dia e o menor para dominar a noite e as estrelas. Quando ocorreu essa criação? No quarto dia? Antes? Esses versos não deixam claro. Entretanto, se o Sol fosse criado no quarto dia, teríamos uma quebra no princípio da otimização, algo que destoa completamente de tudo o que a Bíblia ensina sobre a perfeição e a meticulosidade de Deus, assim como tudo o que observamos na natureza em todas as escalas, lugares e situações, mesmo nos milagres mencionados na Bíblia.
Resumindo, ao fazer uma leitura superficial de Gênesis 1:14-18 podemos imaginar que o Sol e a Lua foram criados no quarto dia. Porém, se prestarmos atenção aos detalhes, mesmo observando apenas o texto localmente, sem o contexto maior da Bíblia, constatamos pelo menos dois pontos importantes: (1) o texto não afirma a criação desses astros no quarto dia e (2) toda a sequência da criação sempre mostra Deus criando a dependência antes do dependente, o que, no caso do Sol, indica que ele já existia quando Deus disse "haja luz". Mesmo se forçarmos a interpretação para imaginar que o Sol poderia ter sido criado exatamente naquele instante, essa ideia não tem qualquer base física ou escriturística, além de ir em sentido contrário a outras evidências que temos.
Eduardo Lütz