Um grupo independente de cientistas analisou o fóssil de primata propagandeado em maio deste ano como "o elo perdido" da evolução humana e chegou a uma conclusão não muito empolgante: o bicho é provavelmente só um primo antigo e esquisito dos lêmures. Se eles estiverem corretos, o alarde midiático organizado em torno de "Ida, o elo perdido", ou Darwinius masillae, como o animal foi batizado oficialmente, pode se tornar um dos casos clássicos em que a vontade de chamar a atenção do público atropelou a ciência. Afinal, a descrição científica de Ida foi coreografada com o lançamento de documentários, sites, livros e de um evento para a imprensa no qual os pesquisadores responsáveis por estudá-la compararam o fóssil com a Mona Lisa e com o Santo Graal, afirmando que ele mudava tudo o que se sabia sobre a evolução humana.
À época, boa parte da comunidade científica concordou que se tratava de um exemplar belíssimo. Diferentemente dos outros primatas antigos, Ida, com quase 50 milhões de anos de idade [sic], teve seu esqueleto completo preservado - sem falar na presença de pelos e até do conteúdo digestivo do animal. Mas poucos concordaram com a sugestão de que o fóssil representava um ancestral direto dos antropoides, a linhagem de macacos que acabou desembocando no homem.
No novo estudo, que está na revista científica Nature desta semana, a equipe coordenada por Erik Seiffert, da Universidade de Stony Brook (EUA), compara Ida a uma nova espécie de primata extinto descoberta por eles no Egito.
Trata-se do Afradapis longicristatus, que é 10 milhões de anos [sic] mais novo que o suposto elo perdido, mas, ao que tudo indica, é um parente próximo de Ida, a julgar pela análise detalhada da mandíbula e dos dentes da espécie africana (aliás, esses são os únicos materiais preservados do bicho).
Seiffert e companhia também compararam Ida, o novo primata e outras 117 espécies vivas e extintas de primatas, levando em conta uma lista de 360 características do esqueleto. Essa comparação extensa, que não foi feita na descrição original de Ida, ajuda a estimar quais traços dos bichos realmente se devem ao parentesco e permite montar uma árvore genealógica dessas espécies.
O veredicto: Ida seria apenas uma prima muito distante do grupo que inclui o homem [sic], estando bem mais perto dos lêmures atuais. As semelhanças superficiais dela com o grupo dos antropoides seriam explicadas por evolução convergente - ou seja, porque ambos os grupos adotaram estilos de sobrevivência parecidos.
"São características relacionadas ao encurtamento do focinho e ao processamento de alimentos relativamente duros, como folhas", explica Seiffert. O pesquisador aponta o que, para ele, foi o principal erro da equipe que descreveu Ida. "Acho que eles deveriam ter feito comparações mais detalhadas com os mais antigos antropoides indiscutíveis. Eles teriam visto que traços como a fusão das duas metades da mandíbula, que não aparecem nesses antropoides [mas aparecem em Ida], não poderiam ser um elo entre Ida e eles."
Philip Gingerich, paleontólogo da Universidade de Michigan e um dos "pais" de Ida, não concorda. "Acho esquisito que o Afradapis seja muito parecido com os antropoides, mas acabe classificado em outro grupo. A ideia de convergência parece implausível", diz ele.
Aliás, argumenta Gingerich, "o Darwinius [Ida] conta com um esqueleto muito mais completo que o do Afradapis, e ele apresenta características adicionais de primatas avançados que não aparecem na análise".
(Folha Online)
Nota: Pelo visto, é outra novela que renderá muitos capítulos. Mas os seguidores de Darwin não poderiam perder a chance de celebrar afoitamente o achado, batizando-o inclusive com o nome de seu ídolo. Infelizmente, para eles, o novo elo perdido perdido poderá é estragar a festa darwinlátrica.[MB]