Lixo? Que nada! A ideia foi pro lixo |
Há
muito tempo o ser humano tem buscado desvendar e compreender o genoma humano.
Em 1990, o Projeto Genoma Humano foi lançado e deu início a um marco na
história da ciência.[1] Em 2000, ano em que foi divulgada uma prévia do
mapeamento completo, houve um frenezi na comunidade científica que acreditava
ter posto um fim ao mistério do mundo molecular. Logo os cientistas perceberam
que ainda estavam longe de alcançar o objetivo inicialmente proposto. O DNA (deoxyribonucleic acid) ainda continuava
um enigma a ser desvendado. Atualmente, estima-se que o genoma humano possua
aproximadamente 3,2 bilhões de pares de bases de DNA, entretanto, desde 1972 –
ano em que Susumu Ohno cunhou o termo “DNA lixo” –,
acredita-se que apenas cerca de 2% das sequências de DNA representariam a suposta
região funcional (éxons), ou seja, genes que codificam e regulam a produção de proteínas.[2-4]
Por sua vez, cerca de 98% das sequências
de DNA têm sido consideradas “não codificantes”, a suposta região “não
funcional” rotulada como “DNA lixo”. Entretanto, essa vasta região tem sido
alvo de muita controvérsia.[5]
O
biólogo evolucionista Jerry Coyne considera que grande parte de nosso DNA é
parasitária. Ele escreveu em Why
Evolution Is True: “Quando uma característica não é mais usada, ou se torna
reduzida, os genes que fazem isso não desaparecem instantaneamente do genoma: a
evolução para a ação delas, inativando-as, não as removendo do DNA. Disso nós
podemos fazer uma predição. Esperamos encontrar, nos genomas de muitas
espécies, genes silenciados, ou ‘mortos’; genes que foram úteis uma vez, mas
não estão mais intactos ou expressos. Em outras palavras, deve haver genes vestigiais.
Ao contrário, a ideia de que todas as espécies foram criadas do zero prediz que
tais genes não existiriam. [...] Nosso genoma e os de outras espécies são
verdadeiramente cemitérios bem preenchidos de genes mortos.”[6: p. 66, 67]
Portanto,
a existência de grandes quantidades de DNA não codificante no genoma de
eucariotos tem sido usada como um argumento contra o design inteligente (e o papel de um designer) e como um argumento
para o processo aleatório da evolução. Como pode ser visto, foram formuladas
hipóteses evolucionistas na tentativa de explicar a razão para a existência de
DNA não codificante. Dentre elas, a principal hipótese afirma que o DNA
não codificante seria um suposto “lixo” que consistiria de sequências
produzidas ao acaso que teriam perdido sua capacidade de codificação ou genes parcialmente
duplicados que seriam não funcionais. Porém, em 1999, um estudo examinou
os genomas dos organismos fotossintéticos unicelulares conhecidos como Cryptomonas.[7] Esses
organismos apresentaram ampla variedade de tamanhos celulares diferentes, com o
núcleo sendo proporcional ao tamanho da célula.
Os
autores desse estudo descobriram que a quantidade de DNA não codificante era
proporcional ao tamanho do núcleo, o que sugere que mais DNA não codificante foi
necessário em núcleos maiores. Além disso, o nucleomorfo, um pequeno pedaço
de DNA contido no interior do plastídio (organela celular de plantas ou algas) que codifica para
si próprio e possui função fotossintética, não foi alterado em tamanho, apesar
das mudanças no tamanho das células e no conteúdo nuclear. Esses
resultados contrariam diretamente as hipóteses evolucionistas. De acordo
com os autores, “a atual falta de quantidades significativas de DNA não
codificante no nucleomorfo confirma que a seleção pode facilmente eliminar DNA
nuclear sem função, refutando as hipóteses ‘lixo’ e ‘egoísta’ do DNA não
codificante”.[7: p. 2.053]
Atualmente,
o dogma central da biologia molecular também teve que ser revisto. Isso porque
já se sabe que a direção unilateral “DNA que é copiado em RNA que codifica
proteínas” não é a única via existente para gerar informações cruciais para o
desenvolvimento e a manutenção do corpo. Existem diversos tipos de RNAs, e cada
um deles exerce distintas funções (até mesmo a de codificar DNA, no caminho
inverso do que se imaginava). Em 2003, a fim de identificar os elementos
funcionais nas sequências do genoma humano, surgiu o Projeto Internacional
ENCODE, um consórcio formado por cientistas distribuídos por 32 laboratórios
nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha, no Japão, em Cingapura e na Espanha.[8]
Em
2012, os resultados dessa pesquisa abalaram as estruturas da biologia evolutiva.[9]
No artigo assinado por todos os líderes do projeto e publicado na revista Science, foi comunicado ao mundo que ao
menos 80,4% do genoma humano apresenta funções bioquímicas importantes (ocorre
transcrição). Isso inclui 863 pseudogenes que são “transcritos e associados com
cromatina ativa” (desconstruindo o argumento vestigial de Jerry Coyne). O
biólogo John Mattick da Universidade de Queensland (Austrália) destacou que o ex-DNA
lixo “tem um papel regulatório tão importante que pode ser comparado a um software que controla todo o
sistema dos organismos complexos.”[10] Além disso, um dos líderes do projeto,
Dra. Elizabeth Pennisi, afirmou que todos os livros didáticos estavam errados.[11,
12] Fato é que os resultados do ENCODE foram recebidos negativamente por
biólogos evolutivos. Estava declarada a guerra, uma vez que a crença
neodarwinista relativa aos vestígios evolutivos do DNA estava sendo posta em
xeque.[12-15]
Mas
qual seria exatamente o problema em se descobrir que a maior parte do genoma é
funcional? Parece que a discussão toda é motivada justamente devido ao uso de
uma definição mais abrangente do termo “função” por parte do ENCODE. Para os evolucionistas
(neodarwinistas), a funcionalidade deve ser atribuída apenas a uma região
“conservada” – isto é, sequência semelhante em comparação com os genomas de
outros mamíferos − pela seleção “purificadora”, e que não pode estar sujeita a
mutações deletérias.[12, 16] Em outras palavras, isso significaria que apenas
cerca de 10% do nosso genoma está sob seleção de preservar a sequência de DNA.
Em
2014, esse mesmo argumento foi utilizado em uma pesquisa na tentativa de
contrariar os resultados do projeto ENCODE.[17] Os resultados indicaram que
apenas 8,2% do DNA humano teria um papel importante; o restante (91,8%) poderia
ser considerado “DNA lixo”. Mas há um problema gritante com esse pensamento: ele assume que
todas as sequências de DNA são o resultado de mutação sem direção e seleção
para começar, e que função biológica só vem de seleção natural.[18] Jogue fora
a hipótese de uma origem evolutiva das espécies e não haverá nenhuma razão para
acreditar que só DNA conservado pode ser funcional. Afinal de contas, um
agente inteligente poderia projetar de forma independente elementos genéticos
funcionais, com sequências de DNA amplamente divergentes nos genomas de
diferentes espécies; assim, nenhuma “conservação” seria necessária.
Diante
disso, pesquisadores têm percebido que toda essa resistência aos resultados do
ENCODE é causada por sua incompatibilidade em relação ao paradigma tradicional
neodarwinista (Síntese Moderna).[19] Isso porque essa teoria defende que
supostas mutações benéficas se acumulariam ao ponto de gerar alguma função – como,
por exemplo, um gene que produz uma proteína responsável por um fenótipo –, e
que seria conservada pela seleção natural. Mas, para gerar um só gene operante,
muitas tentativas falhas ocorreriam, gerando e acumulando um monte de lixo.
O
apego por parte de cientistas às suas antigas crenças evidencia o dogmatismo
real e presente na comunidade científica que supera até mesmo o respeito ao
progresso da ciência. Posso citar alguns exemplos para que fique evidente a
doutrinação acadêmica existente por parte de cientistas evolucionistas quando
contrariados pelos dados. O biólogo molecular Dr. Ford Doolittle, por exemplo,
disse: “Eu vou sugerir que nós, como biólogos, defendamos a concepção
tradicional de função: a publicidade ao redor do ENCODE revela a extensão do
quanto essa concepção tem erodido.”[13: p. 5.294] Por sua vez, o geneticista
brasileiro Marcelo Nóbrega, da Universidade de Chicago (EUA), afirmou: “Ninguém
acredita que 85% do genoma é funcional. Há duas razões para que isso tenha se
espalhado. A mais importante foi a irresponsabilidade dos membros do ENCODE ao
divulgarem os resultados.”[20]
Para
o biólogo Dr. Dan Graur, o ENCODE não oferece razões suficientes para
“abandonar a compreensão prevalente entre biólogos evolutivos segundo a qual a
maior parte do genoma humano é desprovida de função”.[12: p. 587] Mas o
pensamento anticientífico não para por aí, vai além e sugere “que a maior parte
do ‘DNA lixo’ nunca irá adquirir uma função”.[21: p. 154] Essa é uma sugestão
bem audaciosa! Praticamente uma previsão do futuro. Até mesmo pelas redes
sociais os neodarwinistas expressaram sua rejeição ao ENCODE [15, 22]. Ainda
bem que diversos outros cientistas intelectualmente honestos não compactuam com
essa ideia.[5, 16, 23, 24] Aliás, quando os cientistas optam por olhar para a
função na pilha de “lixo”, eles geralmente a encontram;[25] e o ENCODE tem
motivado essa busca.
Porém,
imagine o que seria da ciência se a maior parte da comunidade científica se
utilizasse dessa mesma suposição neodarwinista! Acredito que ocorreria o mesmo
que tem acontecido durante o último século devido à crença (ainda hoje presente
nos livros didáticos) representada pelos conceitos equivocados de eugenia e
darwinismo social, órgãos vestigiais e “bad
design”. Foi muito dinheiro gasto com pesquisas inúteis, deixando de lado as
investigações sérias em regiões moleculares importantes que trariam grandes
benefícios para as áreas biomédicas.
Atualmente,
o mundo do ex-DNA lixo representa um mar ainda pouco explorado. Os íntrons apresentam
relações muito importantes. Devido ao fato de os íntrons não estarem
relacionados com a síntese de proteínas de forma direta, muitos grupos de
cientistas optaram por descartar de suas análises as regiões intrônicas. Por
outro lado, já se sabe que os íntrons participam da síntese de grande
quantidade de RNA para diversas outras funções além da síntese protéica.
É
inegável que a teoria da evolução tenha causado diversos danos à ciência. Essa
é uma das principais razões pela qual nos manifestamos contra essa teoria
falida. Contudo, Mattick e Dinger[5] apontam outro motivo pelo qual ainda há
resistência em abandonar o conceito de “DNA lixo”: por pura obstinação e
rejeição do movimento do design
inteligente. Certamente isso contribui para que seja minimizada a possibilidade
de pesquisas baseadas em design.
Mas
vale lembrar que já em 1998 teóricos do design inteligente se opunham ao consenso da academia científica
sobre o “DNA lixo”. O filósofo da biologia Dr. William Dembski fez a
seguinte predição positiva sobre os dados científicos: “Do ponto de vista
evolucionário, esperamos bastante DNA inútil. Se, por outro lado, os organismos
são intencionalmente planejados, esperamos que o DNA, tanto quanto possível,
exiba função. E, na verdade, as mais recentes descobertas sugerem que designar
o DNA como ‘lixo’ meramente dissimula nosso conhecimento atual sobre função.”[26]
Portanto, está aí a prova convincente de qual das duas teorias consegue fazer
predições confiáveis baseadas unicamente nos dados científicos.
(Everton Alves)
Referências:
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Questions. Disponível em: https://www.genome.gov/11006943
[2] Ohno S. “So much ‘junk’
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em: http://web.ornl.gov/sci/techresources/Human_Genome/project/index.shtml
[4] International Human Genome
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[5] Mattick JS, Dinger ME. “The
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[6] Coyne JA. Why Evolution Is True. New York:
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[9] ENCODE Project Consortium.
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[10]
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[11] Pennisi E. “ENCODE
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