Há
uma corrente filosófica expressiva no criacionismo que defende que o universo
tem de 6 a 10 mil anos de idade. Pessoas que advogam essa linha de pensamento
buscam argumentos bíblicos e evidências físicas para defender sua hipótese. Outra
corrente criacionista defende que a vida na Terra é jovem, mas o universo é
antigo. Essa linha também apresenta argumentos bíblicos e evidências físicas. Ambas
as linhas defendem que a semana de Gênesis 1 foi de sete dias literais de 24 horas
sem intervalos entre si. Ambas as linhas não podem estar simultaneamente
corretas quanto à idade do universo. Ou será que podem? Na verdade, há um
modelo desenvolvido por Russel Humphreys que tenta harmonizar ambas as
posições. Mas esse é um tema mais complexo, que foge ao nosso escopo do momento.
É
saudável que haja diferenças de opinião e que cada um defenda da melhor forma
possível seu ponto de vista a fim de que se possam pesar os argumentos e chegar
a conclusões mais realistas. O problema surge quando emergem argumentos
inválidos e, mesmo quando são apontadas inconsistências, tais argumentos
continuam a ser utilizados.
A
linha criacionista que defende que o universo é jovem tem afirmado que a
palavra “céus” em Gênesis 1 significa “espaço sideral”, “universo”, e que a
palavra “terra” significa planeta Terra. Portanto, Gênesis 1 iniciaria falando
da criação do universo.
A
linha criacionista que defende que o universo é mais antigo do que a Terra cita
passagens bíblicas que defendem seu ponto de vista. Entre elas, podemos citar
Provérbios 8, que em seu desenvolvimento recua gradativamente no tempo até
falar de uma época em que nem sequer o princípio do pó deste mundo existia.
Outra passagem bastante citada é Jó 38, que menciona seres inteligentes
celebrando a criação da Terra (então o universo já existia). Nessa linha, há
também quem argumente que as palavras usadas em Gênesis 1 para céus e terra são
definidas no próprio capítulo (céus = o que separa as águas de cima, da chuva,
das águas de baixo, líquidas; terra = porção seca) e, juntas, fazem referência
ao planeta e arredores (parte seca, atmosfera e alguns objetos observáveis
através da atmosfera). Gênesis 1 chega a mencionar a criação do Sol e da Lua,
mas não a das estrelas, por exemplo – o texto em hebraico diz que Deus fez o
luminar grande para dominar o dia e o pequeno para dominar a noite e as
estrelas, não fala em criação das estrelas.
Pelo
simples fato de haver dúvidas sobre se “céus” podem significar universo (de
acordo com o pensamento atual) ou se significam apenas atmosfera (conforme
definido em Gênesis 1:8) já não se podem fazer afirmações sobre a criação do
universo com base em Gênesis 1.
A
ideia de que o universo é jovem baseia-se na hipótese de que o universo foi
criado no primeiro dia da semana de Gênesis 1. Como isso não é possível de ser
estabelecido biblicamente, trata-se mais de uma questão de tradição ou de
preferência em termos do que acreditar, apesar de isso criar tensões com outras
passagens e ensinos bíblicos. Mas até aí pode-se considerar uma questão de
preferência intelectual.
O
problema surge quando são usadas informações truncadas a respeito de
observações do mundo físico como argumentos em favor do modelo conceitual do
universo jovem. A seguir, comentaremos alguns a título de exemplo:
1.
Existe material interestelar com temperaturas não tão baixas (nuvens de poeira,
nebulosas). Se o universo fosse antigo, esse material já estaria muito frio.
2.
Se levarmos em conta a velocidade das estrelas em cada galáxia, constataremos
que as galáxias não são estáveis e não podem durar muito, pois as estrelas se
dispersarão pelo espaço ao longo do tempo.
3.
Galáxias chocam-se entre si. Se o universo fosse antigo, todas as galáxias já
teriam se chocado.
4.
Galáxias espirais não podem ser antigas, pois as espirais se desfazem depois de
algum tempo.
Existem
outros argumentos que, como esses, podem parecer razoáveis a leigos, mas soam
absurdos para quem conhece mais detalhes desses assuntos.
Imagine alguém usando o seguinte argumento: a superfície da Terra constantemente irradia energia térmica para o espaço. Se a Terra tivesse dezenas de dias de idade, até a atmosfera da Terra já estaria toda congelada. Portanto, a Terra não pode ter mais do que uns poucos dias de idade. O que está errado nesse argumento? Simplesmente ignora a energia que o Sol fornece à Terra constantemente. Este argumento é análogo ao do material estelar que teria esfriado se o universo fosse antigo. Há grandes quantidades de radiação aquecendo o material interestelar.
Imagine
outro argumento: os planetas do sistema solar se movem a grandes velocidades.
Portanto, após uns poucos anos, estarão muito longe uns dos outros e do Sol. A
Terra, em particular, percorre quase 500 milhões de quilômetros por ano. Como
ainda estamos a uns 150 milhões de quilômetros do Sol, o Sistema Solar não pode
ter mais do que uns poucos meses de idade. O que está errado neste quadro? O
argumento ignora que os planetas orbitam o Sol. Se não girassem em torno do Sol
a uma velocidade suficiente, aí sim é que o Sistema Solar seria instável. É
mais ou menos esse o tipo de lógica por trás do argumento 2 acima. Ignora que
os componentes de uma galáxia precisam circular a velocidades relativamente
altas para evitar que todos se acumulem e colapsem no centro de cada galáxia. O
argumento usa justamente o que dá estabilidade às galáxias para tentar
estabelecer que elas são instáveis.
Quanto
ao argumento 4, a questão é: Em que eles se basearam para afirmar que as
galáxias espirais não permanecem espirais por muito tempo? Intuição (falsa
ciência) na verdade, pois os cálculos necessários para isso exigem uma tremenda
capacidade de processamento. Aliás, esses cálculos têm sido repetidos com cada
vez mais precisão em clusters de processadores, e quanto mais precisos são os
cálculos, mais parecidos ficam os resultados com a realidade. E o que
encontramos? Galáxias espirais se formando como consequência da gravidade e do
momentum angular do material e se mantendo por bilhões de anos, assim como
outros tipos de galáxias.
E
aquela história de que as galáxias não duram muito porque colidem? Ok, carros
também colidem frequentemente. Então carros não podem existir há muito tempo
porque senão todos já teriam colidido, certo? Sim, existem colisões de galáxias
formando novas galáxias, mas também existe um enorme número de galáxias que não
teve oportunidade de colidir em bilhões de anos. Só porque existe uma ou outra
colisão em meio a bilhões de galáxias não significa que todas colidam
rapidamente. Aliás, uma colisão tipicamente demora bilhões de anos. E se houve
tempo para haver colisões entre galáxias é porque o universo é antigo.
Note
que interessante: um fenômeno que demora bilhões de anos para acontecer é usado
como “evidência” de que o universo é jovem. Evolucionistas têm acusado
criacionistas de desonestidade intelectual quando se deparam com argumentos
assim. Podemos culpá-los por isso?
Tudo
isso poderia ser evitado se houvesse mais atenção às regras de exegese e hermenêutica
no estudo da Bíblia, assim como atenção aos detalhes técnicos de argumentos
supostamente científicos. O resultado do uso de argumentos inconsistentes é um
tiro no pé.
(Eduardo Lütz é físico e engenheiro de software)