quarta-feira, novembro 08, 2017

O dia longo de Josué e as “evidências” que são um tiro no pé

Nos anos 1980 fez grande sucesso um livro intitulado E a Bíblia Tinha Razão, de Werner Keller. A princípio, parecia uma boa iniciativa, afinal, o autor procurou evidências históricas da veracidade das Sagradas Escrituras. Só que algumas dessas “evidências” eram um verdadeiro tiro no pé, já que o autor procurou relacionar eventos claramente milagrosos, como a travessia do Mar Vermelho, com fenômenos naturais, tentando, assim, “salvar” o relato bíblico ou despi-lo de qualquer “sobrenaturalidade”. De lá para cá, de vez em quando aparecem pesquisadores querendo fazer o mesmo. Alguns dizem que a estrela de Belém poderia ter sido um cometa, que o Mar Vermelho teria recuado por causa de um tsunami, e por aí vai. A última dessas “evidências” tenta “explicar” o dia longo de Josué. Note como noticiou a BBC Brasil:

“Uma vez que a Bíblia é o livro mais lido de todos os tempos e que milhões de pessoas o leram por séculos, encontrar algo de novo em suas páginas é um achado que pode ser classificado como peculiar. Tal feito raro pode ter sido conquistado recentemente por cientistas – e, caso a ‘descoberta’ se confirme, pode ajudar a dar mais precisão a datas de eventos da Antiguidade e a ajustar os dados que temos sobre a rotação da Terra.
Trata-se de um eclipse solar anular (quando a Lua encobre apenas o centro do Sol, permitindo aos observadores na Terra verem nos céus algo como um ‘anel de fogo’), que teria ocorrido no meio da tarde do dia 30 de outubro de 1207 a.C. Curiosamente, para chegar a uma data tão precisa sobre um evento que ocorreu há 3.224 anos, o físico Colin Humphreys, diretor de pesquisas da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e o astrofísico Graeme Waddington se basearam em uma passagem do Antigo Testamento que diz: ‘Então Josué falou ao Senhor, no dia em que o Senhor entregou os amorreus na mão dos filhos de Israel, e disse na presença de Israel: Sol, detém-se sobre Gibeão, e tu, Lua, sobre o Vale de Aijalom. E o Sol se deteve, e a Lua parou, até que o povo se vingou de seus inimigos. Não está isto escrito no livro de Jasar? O sol, pois, se deteve no meio do céu, e não se apressou a pôr-se, quase um dia inteiro” (Josué 10:12-14).

“‘Se essas palavras estavam descrevendo uma observação real, então um importante evento astronômico ocorreu. O que tivemos que fazer foi entender o que o texto realmente significava’, explica Humphreys, um entusiasta da conexão entre o conhecimento científico e a Bíblia.

“Humphreys e Waddington não foram os primeiros a pensar que esta passagem, aparentemente tão mística, poderia se referir a um fenômeno natural que realmente aconteceu – milagrosamente ou não. ‘A primeira pessoa a sugerir que Josué 10:12-14 estava se referindo a um eclipse solar’, ressaltam eles, ‘parece ter sido o linguista Robert Wilson (1918), que fez a seguinte tradução há quase cem anos: ‘Eclipse, ó Sol, em Gibeão, e a Lua no Vale de Aijalom. E o Sol foi eclipsado e a Lua virou-se, enquanto a nação se vingou de seus inimigos.’”

“Como Wilson, Humphreys e Waddington voltaram ao texto original e perceberam que as palavras em hebraico davam margem para uma outra interpretação. As traduções correntes desse trecho, dizem os autores em seu estudo, ‘assumiram que, pelo texto, o Sol e a Lua pararam de se mover. No entanto, um significado alternativo plausível é que o Sol e a Lua deixaram de fazer o que é de seu costume: pararam de brilhar’.

“No século 20, Wilson havia chegado à mesma conclusão, observando ainda que, nos textos astronômicos babilônicos, havia palavras que significavam ‘escurecer’ e que tinham a mesma raiz dos termos usados na Bíblia para descrever a ação do Sol e da Lua. No entanto, naquela época, não era possível fazer uma investigação profunda devido à natureza dos cálculos necessários – um problema agora superado.

“Outro texto importante para apoiar esta interpretação é egípcio e foi escrito em pedra. Trata-se da Estela de Merneptá, encontrada no templo funerário do Faraó Merneptá. Nela, é comemorada uma vitória militar do faraó nas terras de Canaã por volta de 1210 a.C. – por isso, também conhecida como Estela da Vitória. Depois de mencionar vários outros povos derrotados, as inscrições dizem: ‘Israel está devastada, sua semente já não existe’ (é o primeiro registro de Israel, por isso o item é também conhecido como Estela de Israel). Na mesma placa de granito há a informação de que o objeto foi talhado no quinto ano do reino de Merneptá, o que confirma que os israelitas realmente estavam em Canaã na data do eclipse.

“A partir desse conhecimento extraído de textos antigos, Humphreys e Waddington decidiram seguir por uma trilha não explorada. Eles tinham notado que outros historiadores nunca consideraram a possibilidade de que o eclipse não tivesse sido total, mas anular – aquele em que o Sol não é totalmente coberto, mas aparenta um ‘anel de fogo’. Antigamente, as mesmas palavras eram usadas para descrever eclipses totais e anulares. Além disso, os pesquisadores desenvolveram um novo compêndio de eclipses que leva em consideração variações na rotação da Terra ao longo do tempo. Assim, eles foram capazes de determinar que o único eclipse anular visível em Canaã entre 1500 e 1050 a.C. foi em 30 de outubro de 1207 a.C., de tarde.

“Os resultados do trabalho foram publicados pela Royal Astronomical Society, Astronomy & Geophysics para serem revistos por outros especialistas.”       

Nota: “Um eclipse que dura um dia inteiro? Nesse caso, o pesquisador alegoriza o texto bíblico para conferir verossimilhança ao fato gerador, que teria sido posteriormente transformado em mitologia pelo autor hebreu. Esse tipo de estratégia explanatória permeia todo o livro E a Bíblia Tinha Razão, cujo título em português, na verdade, tira toda a razão da Bíblia. Sim, a Bíblia diz que o sol se deteve por ‘quase um dia inteiro’. O que dá a entender que ele continuou brilhando por mais tempo que o normal. O artigo [da BBC] tenta dar outro significado à palavra ‘deter’, dizendo que talvez ele ‘parou de brilhar’” (Marco Dourado).

“Isso é uma tendência muito forte e contra a qual teremos que lutar, caso os eventos finais sobrevenham a esta geração (o que eu particularmente penso ser inteiramente razoável). O discurso é mais ou menos assim: ‘Olha, não estamos atacando a Bíblia, vocês é que a entendem errado, sendo literalistas.’ A moderna ideia de que Bíblia tem valor como metáfora, alegoria. O pensamento segue como: ‘Tudo bem, querem crer, ok. Tem umas coisinhas bonitinhas ali mesmo, amor ao próximo, etc. Mas não venham com essa história de que isso é A Verdade, e querer impor isso aos outros!’ Na verdade, essa reinterpretação do passado está atingindo até mesmo os antigos gregos e romanos. De acordo com essa visão, eles não eram pagãos politeístas, só acharam uma forma de lidar com as grandes questões do intelecto e emoções humanas alegoricamente. Os cristãos é que atacaram essa cultura tão boa e sábia interpretando literalmente sua mitologia como idolatria. Assim, dão uma amenizada no paganismo greco-romano e esquecem dos milhares gritando ‘Grande é Diana dos Efésios’, prontos para despedaçar Paulo. Mas aí dirão que não era para defender a deusa, e sim a cultura... Vamos vencer pelo Espírito, não por forças humanas. Os incautos dirão: ‘Oh, que bom! Estão aceitando a Bíblia!’, e aí vão abrir as portas da mesma forma que a igreja primitiva do século IV fez quando Constantino ‘se converteu’...”