Um dos meus sites preferidos de divulgação científica popular no Brasil, o Hypescience, tomou uma decisão, no mínimo, estranha (pelo menos em tempos de liberdade de expressão). No texto “Sobre os comentários: o que fazer com os criacionistas”, eles explicam a decisão de boicotar os criacionistas: “Temos observado que artigos sobre evolução das espécies, fósseis, Big Bang e qualquer assunto que possa levar à noção de que o universo tem mais de seis mil anos tem [sic] sido veementemente atacados por um punhado de criacionistas. Este tipo de comentário acaba criando uma discussão cíclica e inútil que nunca leva a lugar nenhum.” E dizem mais: “se falar de criacionismo em uma roda de amantes da ciência [como se não houvesse criacionistas que amam a ciência] ouvirá argumentos racionais. E este é um dos principais problemas: os comentários deixam de ser sobre o conteúdo do artigo e viram comentários sobre mitos religiosos.”
Depois de afirmar que a evolução biológica é um “fato” e que “há inúmeras provas irrefutáveis que mostram a inexorabilidade desse processo”, eles sentenciam: “Comentários de natureza criacionista que neguem a Teoria da Evolução das Espécies, a real idade da Terra ou do Universo e afins serão sumariamente removidos (juntamente com suas réplicas) por criarem discussões cíclicas inúteis.”
Na condição de jornalista, sinto cheiro de censura, e não sou o único, haja vista alguns comentários postados lá no Hypescience. Por exemplo:
“O site está equivocado em falar que aqui não é lugar de comentários criacionistas. Acredito na criação, mas não sou ignorante ao ponto de fechar meus olhos para a ciência e dizer que ela está errada; sempre venho aqui para poder entender os dois, e estar sempre apto a novas ideias sobre a ciência. Se for para tirar comentários que geram confusões terão que fazer isso tanto em relação dos ateus quanto aos criacionistas ignorantes que ficam com brigas infantis.”
“A internet é livre para diferentes opiniões e discussões. E o livre direito de expressão que está na nossa Constituição Federal? Vão ignorar isso? Bastam os governantes que querem censurar a internet, parece que vocês estão do lado deles. Mesmo nas discussões entre ateus e criacionistas aprende-se. Toda discussão de teorias está ligada à ciência.”
Em seguida ao comentário acima, o site se justifica: “Temos o pleno direito de deletar os comentários que acharmos inadequados.” Correto. Então que deletassem, na condição de moderadores, todos os comentários inadequados, fossem feitos por criacionistas, darwinistas ou quaisquer outras pessoas. Mas a decisão dos mantenedores do site exclui os comentários por origem (de criacionistas ou de quem se atreva a colocar em dúvida a “fatualidade” da evolução) e não por inadequação.
Outro leitor comentou: “Não é preconceito definir que ‘todo’ comentário de um certo grupo causa incômodos? Não é preconceito dizer que o grupo oposto é que pode estar com a razão? Leia calmamente: Que tal se ao invés de ‘criacionista’ [vocês colocassem] ‘que causa confusão’?”
Outro disse ainda: “Isso aí já é censura. Eu concordo que discussões que não são sobre o conteúdo devem ser removidas, mas não quer dizer que todos os comentários criacionistas devem ser removidos. Muitas vezes, pessoas que não são criacionistas comentam coisas que não são nem um pouco relacionadas com o conteúdo também.”
E um agnóstico completou: “A retirada de comentários ofensivos e sem conteúdo ou intenção de discussão faz muito sentido, mas a retirada de comentário generalizado de uma ideia oposta ao que é veiculado não passa de censura.”
Depois, o moderador simplesmente disparou, sem maiores comentários: “No nosso vocabulário, criacionismo é sinônimo de agressão. Agressão ao bom-senso.”
Nunca leio os comentários postados nesse site, fico apenas nas matérias mesmo (por falta de tempo). Mas imagino que alguns criacionistas mais exasperados realmente acabam ultrapassando a linha do bom senso e misturando ciência com aspectos religiosos não relacionados. Mas, mesmo nesses casos, não acredito que a censura arbitrária seja a melhor solução. Sites mais sérios e que não se limitam a apenas traduzir conteúdos de sites e blogs estrangeiros (científicos e/ou jornalísticos) evitam recorrer a esse expediente. Além disso, darwinistas frequentemente também misturam filosofia e metafísica quando querem falar de ciência, isso sem contar argumentos non sequitur como este: bactérias adquirem resistência a antibióticos, portanto, evoluímos a partir de um ser unicelular primordial (mesmo gente grande como Marcelo Gleiser se vale desse tipo de ideia). Ou então empregam argumentos tautológicos como este: em algum momento a vida surgiu no universo. Como? Não sabemos, mas como estamos aqui é porque surgiu.
O pessoal do Hypescience afirma que a evolução é um “fato”. Mas a que eles se referem? À aquisição de resistência a antibióticos por parte das bactérias (microevolução)? Ou à suposta origem de todos os seres vivos a partir de um ancestral comum desconhecido (macroevolução)? O primeiro exemplo de evolução (que, na verdade, não passa de diversificação de baixo nível) é fato. O segundo é hipótese (que mais cheira a mito, para usar uma palavra empregada pelo próprio site).
Criacionistas falam bobagem por aí? Sim, mas o que dizer das mistificações repetidas ad nauseam por darwinistas mal-informados? Coisas como esta: criacionistas acreditam que as espécies atuais são as mesmas criadas por Deus no Éden; criacionistas não têm formação acadêmica sólida; criacionistas não fazem pesquisa de campo. E a lista de inverdades vai além disso, infelizmente. Mas a desinformação ou má intenção de um comentarista justifica a censura? Não acredito nisso e nunca defenderei isso, pois a liberdade de expressão foi conquistada a duras penas neste país e deve ser mantida, e porque, em ciência, o ensino e a análise do contraditório é que a fazem avançar e crescer.
Para não me estender comentando essa decisão absurda de um site que eu tinha prazer em recomendar e apoiar (e que não deixarei de visitar, por isso), quero encerrar com a declaração de Voltaire: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las.”
Michelson Borges, jornalista e mestre em teologia
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criacionismo, darwinismo, mídia