Certa manhã, algumas semanas antes do Natal, uma professora pré-primária em Atenas encontrou um bilhete que dizia respeito a uma de suas alunas de quatro anos de idade. “Não voltarei para buscar Anna hoje porque não tenho dinheiro para cuidar dela”, dizia o bilhete. “Por favor, tome conta dela. Desculpe. Sua mãe.” Nos dois últimos meses, o padre Antonios, um jovem sacerdote ortodoxo que dirige um centro de juventude para a população carente, encontrou quatro crianças em sua porta - entre elas, um bebê com menos de um mês de idade. Outra organização não governamental teve de atender um casal cujos bebês gêmeos estavam hospitalizados, sendo tratados por desnutrição. Isso porque a mãe, também desnutrida, não conseguia amamentá-los. Casos como estes estão chocando um país em que laços familiares são bastante valorizados. O fracasso em cuidar de seus filhos é visto como algo inaceitável socialmente: para os gregos, parecem histórias saídas do Terceiro Mundo, e não de sua própria capital, Atenas. [...]
O diretor de assistência social da SOS Children’s Villages, Stergios Sifnyos, diz que a ONG não está acostumada a receber crianças de famílias afetadas pela crise, nem quer fazê-lo. [...] No passado, a SOS Children’s Village costumava cuidar de crianças afastadas de seus pais quando estes tinham problemas com álcool e drogas. Agora, o principal fator é a pobreza.
Outra ONG, The Smile of a Child, atendia no passado principalmente casos envolvendo abusos e negligência de menores. Hoje também está tendo que atender crianças prejudicadas por carências econômicas. O psicólogo-chefe da ONG, Stefanos Alevizos, diz que, quando uma criança é deixada por seus pais nessa situação, suas fundações psicológicas ficam profundamente abaladas. “Elas experimentam (os sentimentos de) separação como um ato de violência, porque não conseguem entender as razões disso”, explica.
Mas, para Sofia Kouhi, da mesma ONG, a maior tragédia da atual situação grega é que os pais que deixam seus filhos sob os cuidados de terceiros costumam ser os que mais amam essas crianças. “É muito triste ver a dor em seu coração por deixar seus filhos, mas eles sabem que é melhor assim, pelo menos neste momento”, opina.
O padre Antonios discorda. Ele acredita que, por mais pobres que sejam seus pais, as crianças sempre estão em melhor situação se estiverem com suas famílias. “Essas famílias serão julgadas por abandonarem seus filhos”, afirma. “Podemos prover comida e abrigo, mas a maior necessidade de uma criança é sentir o amor de seus pais.”
(Estadão)