Pensar
em formas de vida independentes de oxigênio até há algum tempo foi considerado
um evento absurdamente improvável. Mais improvável, por assim dizer, é que nós
e a grande maioria dos seres vivos sobrevivamos em alguns tipos de ambientes,
como em lugares onde as temperaturas são extremamente elevadas ou em depressões
nas quais não há oxigênio, o elemento base para a nossa respiração acontecer.
Entretanto, alguns organismos nos surpreendem, e fazem desse impasse uma
solução. É
o caso do Sulfolobus solfataricus, um microrganismo que habita fontes
termais localizadas ao lado de vulcões, onde a temperatura chega a 88 °C. Mas
não se compadeça, essa é a temperatura “ótima” para esse organismo viver. Em um
ambiente onde muitos literalmente cozinhariam, o Sulfolobus desfruta de
momentos de lazer como se estivesse a nadar tranquilamente em uma piscina
térmica. E, por viver nessas condições, esse curioso micróbio utiliza o enxofre
como sua fonte de energia, diferentemente dos outros seres.[1] Já o Pyrococcus
furiosus, outro “esquentadinho” da lista, tolera até 100 °C,[2] superando
seu colega citado acima. Mas ainda mais surpreendente é o Pyrolobus fumarii,
uma espécie de arqueobactéria, que habita as paredes das fendas termais no
fundo do oceano Atlântico, onde as temperaturas chegam a incríveis 113 °C.[3]
Por
outro lado, especificamente no outro extremo da situação, as coisas não
divergem, pois em 2012 uma equipe de cientistas encontrou um apanhado de
bactérias vivendo sob condições congelantes na Antártida,[4] em um lago salgado
sem luz e sem oxigênio, onde a temperatura chega a marcar -13 °C. Esse lago,
chamado Vida, possui concentrações elevadas de elementos nocivos para a maioria
dos organismos, como amoníaco, nitrogênio, hidrogênio, enxofre e óxido nitroso.
A
temperatura, todavia, não é a única condição de ambiente célebre (e extremo)
que chama a atenção. Mesmo o Mar Morto só é “morto” no nome, porque, contrário
ao que muitos pensam, há vida nele. Embora seja um ambiente onde as taxas de
salinidade são absurdas e onde os organismos expostos são violentamente
desidratados, a bactéria Haloarcula marismortui excede o padrão.[5]
Embora
esses microrganismos sejam minúsculos, o impacto de sua descoberta foi enorme:
houve uma revolução a partir de 1970 no modo como os organismos eram
classificados (as arqueobactérias, anteriormente incluídas no domínio Bacteria,
foram desmembradas para formar um novo domínio, o das Archaea[6]); a indústria
da biotecnologia ganhou campo e lugar com o achado desses novos seres com DNAs
capazes de suportar temperaturas elevadas de cozimento, necessárias para as
pesquisas obterem sucesso; e os evolucionistas se empolgaram com seres vivos
habitando ambientes extremos, aumentando as esperanças deles de que poderia existir
vida em outro lugar do Universo, intensificando assim as pesquisas
“astrobiológicas”.[7]
Mais
estreito foi o caminho que tomaram alguns cientistas, ao assumir a crença de
que, no suposto passado primitivo, a origem da vida tenha acontecido ao redor
de fontes hidrotermais, semelhantes aos habitats desse grupo especial de
organismos: os extremófilos.[8] A vida nos primórdios da Terra (como alguns
acreditam) possuía pouca luz solar, não havia fotossíntese e, portanto, pouco
ou quase inexistente oxigênio.[9, 10]
A
revelação da existência dos extremófilos foi muito bem recebida pela comunidade
científica que antecipadamente comemorou a vitória sobre os criacionistas,
pois, afinal de contas, por que Deus criaria organismos para viver em ambientes
extremos? Por que o Criador, em sua infinita inteligência, criou seres tão
diferentes aos habituais? Apesar desse entusiasmo, os extremófilos levantam
novas dificuldades para os evolucionistas. Se eles tinham perguntas a fazer,
também têm a responder: como se explica o motivo para um organismo ter evoluído
a fim de sobreviver em ambientes extremos tão especializados como as chaminés
de rocha nas profundidades dos oceanos que, se alcançarem os 350 °C, entram em
erupção? Alguns cientistas alegam que foi exatamente em tais circunstâncias que
a vida no planeta se originou – em um ambiente quente e com pouco oxigênio,
banhado nos fluidos ricos em minerais que brotam das aberturas hidrotermais.
Assim vivem os archaea, como (talvez) poderiam ter vivido há 3,5 bilhões de
anos.[11] Mas nada mais nada menos que o pai das experiências modernas sobre a
origem da vida, Stanley Miller, apontou que os “blocos de construção” da vida
são muito instáveis para um início de vida quente.[12]
E,
de qualquer forma, não existem microrganismos vivendo somente em ambientes de extremo calor. Como explicar a evolução
das archaeas que vivem nas calotas polares, em ambientes hipersalinos ou
ácidos, em ambientes desérticos ou mesmo na densa atmosfera?[13] E ainda mais
curioso e desafiador é o fato de que alguns extremófilos são capazes de
suportar extremos físicos além de qualquer coisa presente no ambiente natural.
Por exemplo, a bactéria Deinococcus radiodurans foi encontrada em
latas de carne que foram esterilizadas (ou assim se pensou) com radiação
gama.[14] Enquanto milhares de rads de radiação ionizante são suficientes para
matar uma pessoa adulta, essa bactéria pode sobreviver a 12 milhões de rads! De
acordo com a teoria da evolução, um organismo possuirá apenas os atributos de que
precisa para sobreviver. Então, onde a Deinococcus vivia que precisava
suportar 12 milhões de rads de radiação gama, sendo que a radiação natural na
Terra fica numa fração muitíssima abaixo desse valor? A melhor “escapatória”
para essa interrogação foi sugerir que supostamente esse organismo evoluiu para
resistir à extrema secura e, portanto, a resistência à radiação é apenas uma
consequência fortuita desse processo evolutivo.[15]
Em
contraste, para os criacionistas que acreditam na Bíblia, a habilidade da vida
para “conquistar” e habitar ambientes extremos não deve ser tão surpreendente, já
o Senhor ordenou que os seres vivos deveriam se multiplicar e “preencher” a
Terra (Gênesis 1:28). E quando levamos em consideração esse texto, podemos compreender
outros exemplos de criaturas que ocupam os locais mais severos do planeta,
quebrando ainda mais os argumentos dos evolucionistas e eliminando qualquer
pseudoparadigma para os criacionistas. Pois não são apenas organismos
unicelulares (uma única célula) que vivem nesses ambientes hostis, mas
criaturas multicelulares (muitas células) também. Por exemplo, o verme de
Pompeia (Alvinella pompejana) vive em tubos que ele constrói ao
lado das chaminés fumegantes mencionadas anteriormente. A temperatura dentro
desses tubos foi medida em 85 °C [16] e também foi relatado um caso de um
desses vermes que abandonou seu tubo e aderiu em torno da sonda de temperatura
dos pesquisadores, mostrando 105 °C.[17] E o que dizer do Hesiocaeca methanicola
que foi encontrado vivendo no fundo do mar no Golfo do México, em uma mistura
cristalina de água, metano e outros hidrocarbonetos numa temperatura
relativamente baixa.[18] Essas criaturas se adaptaram para viver em uma parede
de gelo feita de metano, onde elas lentamente se enterram em seu habitat. Mas
não é muito esforço simplesmente para ter uma moradia? Como um pesquisador
comentou: “Por que esses vermes trocaram uma vida boa na lama por uma vida no
gelo é um enigma.”[17, tradução do autor]
Mas
de todos os organismos até agora identificados que podem viver em ambientes
hostis, os mais resistentes do planeta são, de longe, os tardígrados. Você pode
congelá-los, fervê-los, secá-los, não alimentá-los por semanas e ainda
colocá-los no vácuo – eles sobreviverão. Cerca de 700 espécies de tardígrados
já foram identificadas em lugares que vão desde os picos congelantes do
Himalaia até os desertos mais quentes e secos. Como resistem a tais extremos do
ambiente? Eles podem “desligar” seu metabolismo em condições desfavoráveis. Quando
os ambientes ficam insuportavelmente quentes, ou frios ou secos, por exemplo,
muitos tardígrados enrolam-se no formato de um barril, que é sua armadura de
resistência.[19] Eles então fazem os preparativos bioquímicos para se “fechar”
(mesmo a respiração cessa completamente). Mais tarde, quando as circunstâncias
favoráveis retornam, o tardígrado se desenrola e a vida continua como antes,
normalmente.
Até
onde está conhecido, o registro de maior sobrevivência (neste caso, sem água)
foi de 120 anos para tardígrados retirados do musgo seco de um museu na
Itália.[20]
E
os biólogos ficam espantados com o tipo de tratamento de laboratório que esses
animais são capazes de suportar (muitas vezes, muito pior do que qualquer
condição que poderiam experimentar na Terra). Por exemplo, eles “ressuscitaram”
após terem sido congelados com hélio líquido (-272 °C), apenas uma fração acima
do zero absoluto (-273 °C), a menor temperatura possível. Em outro exemplo,
eles sobreviveram sendo aquecidos a 151 °C. Também resistiram após serem
disparados raios-x com uma intensidade 250 vezes mais forte do que a frequência
que mataria um ser humano. E há muitas outras coisas impressionantes que
desconhecemos que essas criaturas conseguem realizar.[20]
Como
apontado antes, a capacidade dos tardígrados de sobreviver ao serem submetidos
a tratamentos de laboratório tão extremos (radiação, baixa temperatura, pressão
hidrostática), muito mais severos que qualquer ambiente terrestre, apresenta
uma clara dificuldade para a teoria evolutiva. E não são apenas os tardígrados.
Com um aumento na pesquisa e exploração dos microrganismos extremófilos e
outros organismos capazes de suportar condições muito mais severas do que em
qualquer lugar da Terra, o desafio para os evolucionistas torna-se ainda mais
intratável. Isso ocorre porque a seleção natural só pode selecionar as
características necessárias para a sobrevivência imediata. Consequentemente,
não se pode esperar que a evolução “invente demais”, transformando criaturas
que possam suportar uma série de ambientes que nunca enfrentaram.
Para
os cristãos, porém, o “excesso de design” dessas criaturas revela um Designer
(Romanos 1:20), e não é de se surpreender que Deus também tenha incorporado em
alguns seres vivos a capacidade de se deslocar e “preencher” o mundo inteiro,
tal como Ele havia ordenado (Gênesis 1). E, de fato, vemos hoje essa ordem se
cumprindo, ao encontrarmos vida desde os ambientes mais severos do oceano até o
topo da montanha mais densa. De polo a polo, mesmo nas extremidades da Terra, a
natureza revela seu Criador.
(Weliton Augusto
Gomes é biólogo e diretor de ensino e pesquisa do Núcleo Curitibano da Sociedade Criacionista Brasileira [NC-SCB])
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Para uma maior compreensão dessa mudança na classificação biológica e os
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