quinta-feira, agosto 29, 2019

Diplópode de “99 mi de anos” força revisão na “evolução” dos artrópodes


O milípede recém-descrito (Burmanopetalum inexpectatum) visto em âmbar (Crédito da foto: Leif Moritz)

Uma equipe de paleontólogos da Bulgária e da Alemanha encontrou uma nova espécie de diplópode ou milípide, popularmente conhecido como “piolho de cobra”, em âmbar de Mianmar (antiga Birmânia). Usando as mais recentes tecnologias de pesquisa, os cientistas perceberam que não estavam apenas manipulando o primeiro fóssil de diplópode da subordem Burmanopetalidae, mas, especialmente, um indivíduo que, além de muito pequeno, apresentava uma morfologia tão incomum que se desviava drasticamente de seus equivalentes contemporâneos.[1]

Seu corpo, levemente enrolado na forma de um S, foi preservado tão perfeitamente que surpreendeu a equipe ao observá-lo no âmbar amarelo-limão. Os cientistas perceberam que o artrópode era uma espécie recém-descrita de diplópode com uma morfologia tão distinta que revisa o que os pesquisadores têm postulado sobre quando e como esses artrópodes evoluíram. Os resultados desse novo estudo foram publicados em 2 de maio de 2019, na revista ZooKeys.[1]

Os diplopodes são uma classe de artrópodes altamente diversificados, com mais de 11 mil espécies descritas. Apelidada de Burmanopetalum inexpectatum, a espécie de artrópode recém-descoberta de “99 milhões de anos” [segundo a cronologia evolucionista], tem cerca de 8,2 milímetros de comprimento e estava envolta em âmbar no vale de Hukawng, no estado de Kachin, no norte de Mianmar.[2]

Imagem processada em 3D
A fim de analisar e confirmar que o Burmanopetalum era de fato uma novidade, os cientistas utilizaram a microscopia de raios-x 3D para construir um modelo virtual do animal, incluindo seu esqueleto, anatomia interna e abundância de pernas minúsculas. A extraordinária e perfeita conservação do milípide possibilitou a observação dos minúsculos detalhes de sua morfologia, os quais raramente são preservados em fósseis.[1]

“Foi uma grande surpresa para nós que esse animal não possa ser colocado na atual classificação de milípedes”, relatou Storev.[1] As características que o diferem dos demais gêneros existentes de Callipodida estão relacionadas ao seu tamanho diminuto (menos de 1 cm de comprimento), olhos compostos por cinco ommatídeos (unidades formadoras dos olhos compostos) bem separados, ausência de cerdas pleurotérgicas e seu telson espatulado, que tem o dobro do tamanho do penúltimo anel do corpo.[2]

Como resultado, Stoev, juntamente com seus colegas Dr. Thomas Wesener e Leif Moritz, tiveram que revisar a classificação atual do diplópode e introduzir uma nova subordem (Burmanopetalidea) e uma nova família (Burmanopetalidae).

Curiosamente, o artrópode estudado não foi o único descoberto nesse depósito âmbar específico. Pelo contrário, foram encontradas aproximadamente 529 espécimes de diplópodes, contudo foi o único representante da sua ordem. É por isso que os cientistas o chamaram de Burmanopetalum inexpectatum: “inexpectatum” significa “inesperado” em latim, enquanto o epíteto genérico “Burmanopetalum” se refere ao país da descoberta (Myanmar, antiga Birmânia). O âmbar birmanês provou ser uma fonte importante de fósseis de artrópodes, contendo aproximadamente 849 espécies de artrópodes descritos.[2]

Nota: Primeiramente, conforme outros artigos já postados, reforço que os fósseis de âmbar são datados com idade na casa dos “milhões de anos” em virtude da camada estratigráfica em que são encontrados, além dos fósseis de idade nela contidos, não sendo assim uma datação direta.

É fantástico verificar que a cada nova espécie descoberta, especialmente as bem preservadas em âmbar, podemos contemplar a complexidade anatômica e morfofisiológica dos indivíduos, apesar dos supostos “milhões de anos” geralmente a eles atribuídos.

Algo que me chama muito a atenção é a complexidade visual dos seres vivos. A nova espécie relatada apresenta olhos compostos por cinco ommatídeos, um número bem maior que em outras. As imagens formadas pelos omatídeos são unidas como em um mosaico. As libélulas, por exemplo, possuem mais de 28 mil omatídeos nos olhos. Em biologia, omatídeos são unidades formadoras dos olhos compostos de um artrópode qualquer, com exceção dos aracnídeos, que têm olhos simples. Os omatídeos podem ir de um pequeno número até aos milhares. São formados por um conjunto de células fotorreceptoras rodeadas por células de suporte (células pigmentares).

A parte exterior do omatídeo contém uma camada transparente, denominada cristalino, que funciona como uma lente, responsável pelo foco da imagem. A luz é transmitida às células fotorreceptoras que a transformam num impulso nervoso. Cada omatídeo funciona como um olho individual e possui seu nervo óptico individual. Nesse sentido, a nova espécie, “supostamente” mais primitiva, tem um conjunto óptico muito complexo para um ancestral.

Nesse sentido, ressalto que a visão tem sido objeto de assombro durante toda a história, devido às suas funções críticas. Certamente a existência de olhos compostos e completamente funcionais em indivíduos que “antecedem” outros tem feito com que, de quando em quando, evolucionistas pensantes questionem seriamente a base de sua origem.

Permanece o questionamento sobre a ausência de ancestrais evolutivos que apresentem sistemas corpóreos com menor complexidade, a fim de fundamentar os dados das árvores evolutivas dos seres vivos, propostas pelos evolucionistas. O que percebemos é um constante “adequamento” por parte dos evolucionistas, ora acrescentando um ancestral, ora retirando e colocando outro, conectando indivíduos outrora separados, separando outros anteriormente conectados.

O curioso nesse artigo é que a nova espécie descoberta apresenta grande similaridade com as demais representantes contemporâneas. Apesar dos “99 milhões de anos” a ela atribuídos, as variações adaptativas não são significativas e estão dentro de um padrão aceitável e explicável de baixas variações.

(Liziane Nunes Conrad Costa é formada em Ciências Biológicas com ênfase em Biotecnologia [UNIPAR], especialista em Morfofisiologia Animal [UFLA] e mestranda em Biociências e Saúde [UNIOESTE]. É diretora-presidente do Núcleo Cascavelense da SCB [Nuvel-SCB])

Referências:
[1] IMBLER, Sabrina. Found: A 99-Million-Year-Old Millipede, Perfectly Preserved in Amber. Atlas Obscura. May 02, 2019. Disponível em: https://www.atlasobscura.com/articles/millipede-preserved-in-amber (acesso em 7/5/2019).
[2] STOEV, Pavel; MORITZ, Leif; WESENER, Thomas. Dwarfs under dinosaur legs: a new millipede of the order Callipodida (Diplopoda) from Cretaceous amber of Burma. ZooKeys, v. 841, p. 79, 2019. doi: 10.3897/zookeys.841.34991 disponível em: https://zookeys.pensoft.net/article/34991/ (acesso em 7/5/2019).

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