Depois de cruzar a fronteira, me dirigi ao controle de imigração da Colômbia, na cidade de Cucuta, onde meu passaporte foi selado e recebi 60 dias para atravessar o país. O primeiro colombiano que conheci foi na cidade de Las Claritas, ainda na Venezuela. Um jovem muito alegre e falante. Quando lhe contei que ia cruzar a Colômbia pedalando uma bicicleta, ele enfaticamente me disse ser impossível fazê-lo todo em bicicleta por duas razões: (1) precisaria atravessar pedalando as três cordilheiras que cortam o país e (2) por causa das regiões dominadas pelas guerrilhas. Senti que ele falava com entusiasmo principalmente ao se referir à força do exército inimigo. Aconselhou-me a seguir por estradas apenas da fronteira até a capital, Bogotá. Em seguida, eu deveria tomar um avião ate a Cidade do Panamá, e dai prosseguir por terra.
À medida que fui avançando por dentro do território Colombiano e quanto mais me afastava de cidades grandes, como Cucuta, Pomplona e Bucaramanga, mais informações recebia sobre a presença de guerrilheiros por estradas mais desertas, em regiões de selva e pequenos povoados. Mas também era comum encontrar as Forças Armadas da Colômbia presentes nas entradas dessas vilas e até em pontos estratégicos no alto de montanhas e rodovias muito movimentadas. Assim, cada vez que os via, sentia-me mais seguro. Claro que estava consciente dos riscos. Sem dúvida era notória a ocupação do Exercito Colombiano em pontos especiais, no entanto, por estar de bicicleta, pedalando a uma velocidade media de apenas 10 km/h, certamente em muitos momentos iria estar sozinho por estradas dominadas pelos guerrilheiros.
Alguns irmãos, quando souberam que eu não dispunha de recursos para comprar uma passagem de avião ate o Panamá, disseram que talvez fosse melhor eu viajar em ônibus. No entanto, outros também informaram que se os guerrilheiros parassem o veículo, iriam pedir a documentação de todos passageiros e, quando me encontrassem, seria sequestrado. Por isso, como não tinha alternativa, a solução foi buscar coragem em Deus e prosseguir com a “gorducha” (minha bike) levando como espada a Palavra do Senhor, que me diz: “Não temas e não te espantes, porque Eu estou contigo por onde quer que andares. Eu sou a tua sombra a tua direita.”
Essas promessas me encantam. Me dão alento para desafiar o impossível e continuar em frente quando o óbvio seria recuar.
Parece loucura o que estou fazendo. Até vejo lágrimas de emoção em alguns irmãos na hora em que deixo suas casas. A maioria diz: “Até o dia em que nos veremos no céu, querido irmão. Que Deus o abençoe.”
E eu respondo: “Até os Estados Unidos. Nos veremos em Atlanta. Para honra e glória de Deus, cruzarei seu país em paz e estarei na Conferência Geral de nossa igreja. Não eu, mas o Senhor dos Exércitos me conduzirá até que chegue lá.”
Entre a cidade de Bucaramanga e Socorro, alcancei uma grande marca: a dos 3.000 km. Fiz uma grande festa para a “gorducha”, recheada de muitas orações ao meu Guardião. Um grande brado de vitória ecoou dos meus lábios pelas montanhas altas, desertas e rochosas das Cordilheiras dos Andes Oriental. Além das Farcs, esse é o segundo inimigo que enfrento. Para alcançar o pico de algumas delas, às vezes preciso subir distâncias de mais de 50 km direto. Quase não aparecem planos ou partes com descidas. O terreno é sempre ascendente. Estou numa prova de resistência física jamais enfrentada. Viajando pelo Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina, nunca estive em trechos tão escabrosos, com tão grandes altitudes e frio como agora. Os picos alcançam quase 4.000 metros e há precipícios fantásticos. A vista se encanta com a beleza selvagem do lugar. Nunca contemplei algo assim. Esquecendo-me às vezes dos perigos em volta, até agradeço a Deus estar por esta parte do planeta sob condições tão adversas, ou seja, pilotando a “gorducha”. Como a velocidade máxima que alcanço nessas ascendências é de 10 km/h, enxergo até os olhos das formigas e desvio os pneus da bike das lagartas inocentes que cruzam meu caminho.
Assim, chego em Socorro e depois na cidade de ,Barbosa onde concluo a travessia da Cordilheira Oriental e começo a pedalar pela Cordilheira dos Andes Central.
Ainda há muito que ver por aqui, mas meu alvo longínquo é a cidade de Atlanta, nos Estados Unidos. No entanto, devido a tantas profecias humanas sobre um possível sequestro da “gorducha” neste país pelas forças revolucionárias, avanço apreensivo, atento, receoso. Só em Deus posso encontrar fé necessária para ir em frente. Incrível como creio e tenho certeza de que anjos me cercam. Seus braços poderosos têm me guardado. Seus olhos incansáveis e que não dormem nem de dia nem de noite vigiam meus passos e todos os meus caminhos. Suas pernas se atiram como raios em minha direção para me amparar em alguma queda. Quando paro para fazer um lanche, eles se sentam à mesa comigo. Quando durmo numa parada de ônibus em um lugar deserto, eles velam meu sono. Quando desço nas cachoeiras para buscar água, eles me protegem de cobras, insetos peçonhentos e de cair nas pedras lisas e molhadas. Quando o pneu fura em lugar perigoso, eles cerram os olhos dos meus inimigos para que não me persigam. E ainda mais incrível é saber que se estiver para cair nas garras traiçoeiras do maligno, em risco de morte iminente, eles assumem a forma humana, momento em que os vejo e converso com eles às vezes sem saber quem são.
Sabe, caro amigo internauta e irmão, é bom respirar uma “atmosfera celestial” aqui na Terra. É gostoso estar nas mãos de Deus e depender tão-somente dEle.
Estou indo para Atlanta. Estou muito distante do meu alvo, mas bem perto do meu Criador e Redentor. Venha comigo, porque Deus está aqui.
Até breve.
(George Silva de Souza, atleta e autor livro Conquistando o Brasil)